Crónicas do Brasil | 29-05-2024 10:45

Um governador que pensa no futuro

Vinicius Todeschini

As revoltas agora são diferentes, elas se organizam rapidamente nas redes sociais e, portanto, os santos e os malditos não são mais feitos de barro, mas de pixels. Priorizar as contas em detrimento de combater os riscos a vida é um exemplo disso e não há como dissociar a intenção do ato.

O governador do estado do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, está preocupado com as próximas eleições e manifestou o seu desassossego com isso na entrevista concedida à Folha de São Paulo. O prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo, estava bastante otimista para o próximo pleito, onde tentaria a reeleição, e, em entrevistas se manifestava com um espírito, digamos assim, quase panglossiano, mas nada será como antes. As eleições majoritárias serão só daqui a dois anos, no entanto, os apoio dos governadores, senadores e deputados às eleições municipais já está na ordem do dia. As próximas eleições serão muito importantes, porque serão julgados -pela população- os prefeitos e os vereadores e suas atuações antes, durante e depois da tragédia, ainda em curso. O sistema eleitoral brasileiro é bastante ágil e eficiente e os responsáveis por ele confirmam que tudo continuará em perfeito funcionamento para as eleições de outubro. Os eleitores é que serão desafiados, evidentemente, a reverem os seus conceitos sobre os políticos, porque o quadro que agora se apresenta é muito diverso do anterior.

O Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais – CEMADEN, emitiu um alerta sobre um possível desastre no estado, em 30 de abril, praticamente uma semana antes da primeira morte. O órgão federal, ligado ao ‘Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação’, sugeriu que as estruturas foram “subdimensionadas” ou “que não se consideraram que os volumes de chuvas poderiam aumentar com o tempo”. “Podemos afirmar que os desastres gerados por chuvas intensas são consequência de atividades humanas”, diz a nota técnica em determinado trecho. O governador, na mesma entrevista concedida à Folha de São Paulo, admitiu que havia estudos que apontavam para a possibilidade de fortes chuvas e enchentes no estado, porém, justificou existirem outras demandas e, logo adiante, confirmou que a prioridade era superar a grave crise fiscal que atravessava o Estado. No final da entrevista o governador confirmou que o Rio Grande do Sul está pronto para a reconstrução, agora equilibrado do ponto de vista fiscal e negou com veemência que tenha errado por negligência, omissão ou negacionismo.

O que está definido e evidente nas falas do governador é que as prioridades eram de outra ordem e não havia uma preocupação objetiva e equalizada com a dimensão real do problema que, afinal, caiu sobre o estado como uma calamidade nunca dantes vista, em outra palavras: foi uma escolha de governo. A sugestão do adiamento das eleições também não caiu muito bem na Grande Mídia, os jornalistas da Globo News, por exemplo, reagiram negativamente à menção de Eduardo Leite sobre isso e alegaram que isso beneficiaria -tão somente- os que falharam na prevenção da tragédia, que ainda atinge o Rio Grande do Sul. O TSE -Tribunal Superior Eleitoral- descartou completamente esta possibilidade. Na verdade, os políticos envolvidos diretamente na tragédia teriam um grande interesse nesse adiamento, porque daria tempo para os ânimos se arrefecerem e para a construção de novas narrativas.

A disputa ideológica entre os que querem um capitalismo neoliberal a pleno e os que acham que, sem um Estado regulador e transparente nunca haverá justiça social e uma real democracia -onde a desigualdade não impacte, injustamente, as relações de poder- continuarão existindo, mas elas se tornaram radicais a partir da derrota de Aécio Neves para Dilma Rousseff, em 2014. Aécio, em um primeiro momento, pareceu aceitar a derrota, porém, em seguida, começou a questionar o sistema eleitoral brasileiro, abrindo mais uma Caixa de Pandora no país, que não deixou, sequer, a esperança. O atual deputado federal por Minas Gerais e neto de Tancredo Neves (figura histórica da política brasileira e da redemocratização), foi o primeiro candidato à presidência a pedir uma auditoria da votação eletrônica no Brasil. Muitas coisas aconteceram de lá para cá (:) uma produção incessante das fake news, ameaças constantes ao sistema democrático brasileiro e a ascensão da psicopatia revestida de uma pseudonormalidade.

A ex-ministra da Fazenda do desastrado governo Collor (1990/1992), Zélia Maria Cardoso de Mello, dizia que o povo era só um detalhe na configuração do planejamento econômico. O confisco das poupanças, como forma de controlar a inflação, foi feito assim, sem considerar o desastre total que isso causaria na vida de muitas pessoas. Governantes sem empatia e que demostram, ao chegar ao poder, um alto grau de desumanidade são cada vez mais recorrentes, assim como os desastres naturais, porém, as reações também estão aumentando. As revoltas agora são diferentes, elas se organizam rapidamente nas redes sociais e, portanto, os santos e os malditos não são mais feitos de barro, mas de pixels. Priorizar as contas em detrimento de combater os riscos a vida é um exemplo disso e não há como dissociar a intenção do ato. No entanto, ninguém admitirá erros desse nível, porque se equivalem, ao menos em seus efeitos, a crimes de guerra, mas sem julgamentos à vista. Os responsáveis jamais farão um mea culpa e, mesmo responsabilizados, continuarão livres e poderão, assim, re-criar o seu futuro político.

Vinicius Todeschini 23-05-2024

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