Crónicas do Brasil | 21-06-2024 07:00

Inimigos em nome de Deus

Vinicius Todeschini

O projeto evangélico de tomar posse do país segue em pleno curso e não parece haver barreiras que possam impedir o seu crescimento. O retrocesso a uma teocracia já aparece nos horizontes brasileiros como uma possibilidade real e a preocupação dos setores mais progressistas aumenta a cada dia, porque conhecem o enorme poder de manipulação dos líderes religiosos e os seus objetivos. Não é à toa que muitos estão milionários.

A PL (Projeto de Lei) 1904/234 de autoria do deputado federal, Sóstenes Cavalcante, do PL-Partido Liberal e eleito pelo estado do Rio de Janeiro, foi assinado por 31 deputados, a maioria da bancada do PL, trouxe à tona uma famosa citação do saudoso Leonel Brizola. Brizola afirmava que se o evangélicos chegassem ao poder seria o fim: “Se os evangélicos chegarem ao poder, o Brasil irá para o fundo do poço. O país retrocederá vergonhosamente e matarão em nome de Deus”. O ex-governador, infelizmente, parece não estar errado em sua previsão, porque o projeto de lei promove uma equiparação do aborto a crime de homicídio. Na alteração proposta pelo deputado evangélico a pena de prisão de quem, depois de 22 semanas, provoque o aborto em si ou busque outras pessoas para fazer o procedimento, muda de 1 a 3 anos para 6 a 20 anos. Na prática torna a pena do estuprador, de 6 a 10 anos, menor que a da vítima.

O projeto ignora que 70% das meninas são violentadas dentro da própria casa, perpetrado por pessoas conhecidas ou mesmo por familiares. Dentro de estratificação que vive o Brasil, onde a maioria da população é pobre e existe um nível crescente de miseráveis, a situação dessas meninas é muito complicada. Muitas vezes a descoberta da gravidez é tardia e os serviços públicos disponíveis são distantes, porém, o tempo continua passando e existe uma gama enorme de barreiras e dificuldades. As pessoas que atendem as meninas submetidas a este grau de abuso e violência confirmam que elas demoram muito para alcançar os serviços, muitas ainda não tiveram a menarca e poucas compreendem bem a violência sofrida, a maioria está muito desinformada sobre tudo isso. O presidente da Comissão Especial de Bioética e Biodireito da OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil), Henderson Fürst, afirmou que as vítimas não esperam 22 semanas por capricho e há diversos motivos para esse comportamento.

O projeto evangélico de tomar posse do país segue em pleno curso e não parece haver barreiras que possam impedir o seu crescimento. O retrocesso a uma teocracia já aparece nos horizontes brasileiros como uma possibilidade real e a preocupação dos setores mais progressistas aumenta a cada dia, porque conhecem o enorme poder de manipulação dos líderes religiosos e os seus objetivos. Não é à toa que muitos estão milionários. O deputado Sóstenes é discípulo do Silas Malafaia -o mais virulento dos pastores- conhecido pelo alinhamento com Bolsonaro e pelos seus constantes ataques ao ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes. Ele está na vanguarda das mobilizações bolsonaristas para manter Bolsonaro em evidência e dificultar a sua prisão. Esbravejar com ameaças usando o nome de Deus é a sua marca registrada e, muito embora, não tenha nenhum poder espiritual e nem de cure os enfermos, age como se fosse um “ungido de Deus”. Por último afirmou que se prenderem Carlos Bolsonaro, vereador pelo Rio de Janeiro, alvo de uma investigação pela Polícia Federal, ele virará o diabo. Será necessário?

O atual Congresso Brasileiro está se transformando em uma ameaça à democracia e aos direitos humanos, sob a liderança do ‘coroné’ Arthur Lira, presidente da Câmara, e do político mineiro de ascensão meteórica, Rodrigo Pacheco, presidente do Senado. Na atual configuração, 231 deputados federais e 33 senadores são conservadores e são incansáveis em atacar o próprio sistema que os elegeu. Fazem dos dois plenários um circo dos horrores e alguns monetizaram transmissões de seus comentários, gravados em smartfones, descontextualizando os fatos e criando fake news a granel para uma franja da população que os segue fielmente. O autor da PL (Projeto de Lei) 1904/234, popularizado como ‘O Projeto do Estupro’, Sóstenes Cavalcante, afirmou esta semana, mas sem prova alguma, que os bebês abortados são usados na indústria de cosméticos; “há uma indústria mundial, liderada por um senhor chamado George Soros, um milionário americano que patrocina mundo afora o aborto, o assassinato de bebês indefesos”. Todas as supostas evidências apresentadas pelo deputado já foram desmentidas há muito tempo, mas mesmo assim quando confrontado pelos jornalistas sobre isso ele afirmou que não se intimidará com as críticas, quando está realmente dizendo que não se intimidará com a verdade e continuará produzindo fake news.

Não é só o Brasil que está passando por uma crise de valores e de ética, o mundo inteiro sente a ameaça da ascensão fascismo, mais uma vez. O perigo é real e, chegou a tal ponto, que o jogador francês, Kylian Mbappé, filho de pai camaronês e de mãe argelina, diante do avanço da extrema-direita na Europa fez uma manifestação convocando os jovens a se oporem a isso. O jogador disse que não deseja representar um país que não representa seus valores e pediu uma mobilização geral contra os extremistas de direita, que podem chegar ao poder na França. A partir disso, mais de 160 atletas franceses fizeram uma mobilização convocando a população a votar contra os fascistas. A realidade dos tempos atuais trouxe novas armas para o fascismo(:) a utilização das redes sociais com a criação, em escala industrial, de fakes news acabou por tornar a verdade refém da mentira, uma inversão completa da realidade e extremamente perigosa. A civilização caminha a beira do abismo e, pelo menos, deveria tomar consciência disso, porque os inimigos em nome de Deus disparam diatribes de alto teor maligno para alcançar o poder.

Vinicius Todeschini 20-06-2024

Mais Notícias

    A carregar...
    Logo: Mirante TV
    mais vídeos
    mais fotogalerias

    Edição Semanal

    Edição nº 1694
    11-12-2024
    Capa Vale Tejo
    Edição nº 1694
    11-12-2024
    Capa Lezíria/Médio Tejo