A reinvenção do fascismo – Parte II
O melhor exemplo das elites brasileiras são as paulistas, as mais ricas do Brasil. Em São Paulo não se encontra nenhum logradouro público com o nome de Getúlio Vargas, porque ele foi o responsável, com a Revolução de 1930, por destronar 400 anos de domínio dessa elite. Em 1932, os paulistas colocaram o povo, que tanto detestam, como bucha de canhão para enfrentar as Forças Armadas do Brasil e foram sumariamente derrotados, mas jamais se conformaram.
“Não cante vitória muito cedo, não/Nem leve flores para a cova do inimigo/Que as lágrimas dos jovens são fortes como um segredo/Podem fazer renascer um mal antigo. (Belchior). “O fascismo não tinha bases filosóficas, mas do ponto de vista emocional era firmemente articulado a alguns arquétipos”. (Umberto Eco). “A cadela do fascismo está sempre no cio”. Bertolt Brecht. O mundo gira, mas as vezes se esquece do próprio caminho que já trilhou e assim um mal que foi vencido nunca desaparece completamente, apenas se reinventa a surge como novidade diante da plateia, agora atônita, pelo excesso de tudo. Talvez a melhor explicação seja de Michel Foucault: “...o fascismo está em todos nós, que ronda nossos espíritos e nossas condutas cotidianas, o fascismo que nos faz gostar do poder, desejar essa coisa mesma que nos domina e explora”. A própria pátria de Foucault passou este final de semana por uma experiência visceral, mas conseguiu derrotar o avanço fascista, pelo menos por enquanto.
O desinteresse pelos livros, pelos discos, enfim, por tanta coisa boa que a humanidade produziu e ainda produz e a permuta pelos streamings, onde as séries com dragões batem recordes de audiência, é um reflexo do espelho atual, vazio de referências e repleto de Botox. A humanidade flerta com o fim, mas não perde topete e apela para as religiões que garantam 'guias de cegos' para todos, dizimistas e cooptados. O ódio que faz renascer a xenofobia, uma das molas propulsoras do neofascismo, confirma o terrível medo da verdade nua e crua: que somos iguais; irmãos na viagem pelo Universo na grande nave Terra, efêmeros com a gaivota e o leão. Existiram períodos em que a humanidade cultivava utopias, o mais recente foi o período pós Segunda Guerra Mundial (:) com a afirmação do jazz, da bossa nova, da nova literatura latino-americana, dos hippies, da arte pop, afirmações estéticas que, logo em seguida, foram padronizadas e esvaziadas para se transformarem em produtos cada vez mais distantes da forma e conteúdo originais. Hoje vivemos em um mundo distópico, tal qual prenunciaram muitos livros e filmes de ficção científica.
Formas mais elaboradas e sofisticadas de música, foram forçadas a dar lugar a fórmulas simplistas com repetições incansáveis e invariáveis, a ponto de ficar difícil diferenciar uma melodia da outra, desafiando, inclusive, a noção instituída de plágio. A filosofia foi absorvida pelo marketing e artistas de plástico tomaram as galerias e as mostras. O estágio estético atual da humanidade pressupõe uma inconsistência, “o rap melódico” -algo equivalente a uma arte apenas com traços- cujas peças musicais podem ser soladas por um instrumento de uma só corda, como o berimbau. Por outro lado, a massificação do culto ao corpo e ao uso de substâncias e procedimentos para alterá-lo se tornou um mercado milionário. Rostos esticados, bocas carnudas, glúteos salientes e peitos estufados seguem em alta e as clínicas invariavelmente cheias, tornando cada vez mais ricos os que investiram em vender a estética corporal como um produto. Na outra ponta, entretanto, existem incontáveis profissionais especializados em resolver os problemas criados por produtos perigosos e procedimentos mal feitos, alguns, porém, são irreversíveis.
O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, que aposta todas as suas fichas no neoliberalismo e na entrega completa do Estado nas mãos do Mercado (leia-se empresários), afirmou que o Centro está vivo após a “derrota” da Extrema-Direita na França. Na verdade quem ganhou foi a união das Esquerdas francesas, com amplo apoio dos artistas e figuras públicas influentes, como o jogador de futebol Mbappé, por exemplo. Aqui no estado do Rio Grande do Sul não foi diferente, no embate com o atual governador o candidato da Esquerda, Edgar Pretto, ficou por um triz de ir para o segundo turno contra o candidato da Extrema-Direita, Onyx Lorenzoni. Ele perdeu para Leite por 2441 votos e foram os votos da Esquerda, que adotou a política de “redução de danos” no segundo turno, que permitiu ao atual governador do estado vencer pela diferença de 919.340 votos o candidato bolsonarista.
O melhor exemplo das elites brasileiras são as paulistas, as mais ricas do Brasil. Em São Paulo não se encontra nenhum logradouro público com o nome de Getúlio Vargas, porque ele foi o responsável, com a Revolução de 1930, por destronar 400 anos de domínio dessa elite. Em 1932, os paulistas colocaram o povo, que tanto detestam, como bucha de canhão para enfrentar as Forças Armadas do Brasil e foram sumariamente derrotados, mas jamais se conformaram com isso, tanto que uma das suas principais avenidas se chama, justamente, 9 de Julho, dia oficial da “Revolução Constitucionalista” e há um Obelisco, no Parque Ibirapuera, celebrando o levante. A elite paulista se considera a crème de la crème das elites brasileiras, porém, todas as elites brasileiras têm em comum a manutenção da desigualdade cultural, que mantém o racismo estrutural, e a desigualdade econômica, que poda desde criança o sonho de crescimento social e econômico da maioria dos brasileiros. O povo absorveu a inculcação cultural das elites e, ao invés, de se unir se divide e acaba sendo cooptado pelo neofascismo bolsonarista. O ódio aos iguais e a admiração pelos poderosos leva a uma camada da classe média a transferir a culpa da sua condição aos mais pobres. Se sentem elites, mas foram barrados no baile, digamos assim.
Vinicius Todeschini 12-07-2024