A ascensão do banditismo na política nacional
A ascensão vertiginosa da campanha de Pablo Marçal na disputa à prefeitura de São Paulo é mostra preciosa para várias análises, porque ele superou o candidato oficial do bolsonarismo e atual prefeito, Ricardo Nunes. Ocorre que o neofascismo está se mostrando mais amplo e já começa a criar segmentações e divisões.
O povo sempre se dividiu em relação a certos tipos de facínoras. Alguns granjearam fama e morreram glorificados, como Wyatt Earp, outros acabaram desmistificados. Sempre tangenciado a tênue linha entre o certo e o errado, entre o legal e o justo, muitos desses homens viraram lendas e alguns seguem reverenciados por uns e amaldiçoados por outro. Ernesto Che Guevara é um desses tipos e, talvez, o que cause mais divisão entre as pessoas. Revolucionário ou um assassino, que matou e mandou fuzilar muitos dos seus desafetos? No Brasil, com a ascensão do neofascismo, pessoas que estavam abaixo de qualquer senso crítico e que habitavam o Umbral da política brasileira, designado muitas vezes como ‘Baixo Clero’, emergiram. “Porque aqui na face da terra/Só bicho escroto/É que vai ter”. “Bichos Escrotos” (Titãs).
A ascensão vertiginosa da campanha de Pablo Marçal na disputa à prefeitura de São Paulo é mostra preciosa para várias análises, porque ele superou o candidato oficial do bolsonarismo e atual prefeito, Ricardo Nunes. Ocorre que o neofascismo está se mostrando mais amplo e já começa a criar segmentações e divisões, Bolsonaro encarnou, como novidade e, durante algum tempo, a figura do Capo, do Duce, do Führer, mas isso já se diluiu e outras figuras com discursos ainda mais agressivos e práticas bandidas testificadas já perceberam que ele está ficando démodé e, pouco a pouco, virando um dinossauro do próprio movimento que liderou. O fato da campanha do candidato enjeitado por ele, Pablo Marçal, ter assumido o protagonismo da Extrema-Direita, em São Paulo, apenas confirma isso. Bolsonaro afirmou que falta caráter a Pablo Marçal e que ele o chamou de quadrilheiro durante a campanha presidencial de 2022 e só aderiu a sua campanha porque o TSE -Tribunal superior Eleitoral- indeferiu a candidatura dele.
O apoio ao neofascismo brasileiro é também uma resposta aos políticos que têm o corporativismo e as práticas fisiológicas em seu DNA e a PLP 192/2023, aprovada pela CGC -Comissão de Constituição e Justiça, que na prática enfraquece a Lei da Ficha Limpa, apenas confirma isso. Esta minirreforma diminui, por exemplo, o prazo de inelegibilidade dos políticos condenados pela Lei Complementar nº 135/2010. Pela Lei atual a contagem do prazo de inelegibilidade começa a ser feita depois do cumprimento da sentença, mas esta proposição quer alterar este ponto e incluir o tempo da pena cumprida. Em seu substrato mais profundo os dois são filhos do mesmo ventre, Nunes e Marçal, porém nesse jogo o que vale é a ousadia e não o conteúdo e muito menos a verdade dos fatos. Pablo Marçal foi preso em 2005 pela Operação Pegasus -Força Tarefa das polícias civis de vários estados do Sul e Sudeste para prender uma quadrilha especializada em invadir e roubar contas bancárias pela internet. Ele foi condenado a 4 anos e 5 meses, mas o crime prescreveu. O fato que isso parece estimular certos segmentos, é como se estas pessoas dissessem; ‘bandido por bandido, prefiro o mais assumido’. Bolsonaro que o diga!
A disputa pela prefeitura de São Paulo sintetiza as tendências políticas brasileiras atuais (:) na Esquerda, Boulos é a figura de proa; Tabata Amaral, da Esquerda para o Centro; do Centro para a Direita, José Luiz Datena, o velho apresentador do programa policialesco dos finais de tarde, “Brasil Urgente” da Rede Bandeirantes, e na Extrema-Direita dois representantes: Ricardo Nunes, apoiado por Bolsonaro e a opção mais radical, Pablo Marçal, enjeitado por Bolsonaro. A campanha ascendente de Marçal comprovou que o segmento “Lúmpens Revoltados” ainda tem muito para dar a quem avançar sobre o seu Umbral, por isso a estratégia de campanha de Nunes já alterou o seu rumo e os ataques dos bolsonaristas a Pablo Marçal começaram. As Redes Sociais se transformaram em uma espécie de Tombstone (Arizona) da segunda metade do século XIX. A maioria dos paulistanos conservadores teme Guilherme Boulos, um típico paulistano filho de classe média alta, sujeito estudioso, correto e atuante das causas sociais, mas não teme Pablo Marçal, um sujeito ignorante, perigoso e sem escrúpulos.
A disputa eleitoral, apesar de render audiência, não trata de política programática e propositiva, muito pelo contrário, não há muito espaço para o conteúdo programático e propositivo visando reverter o processo perverso da desigualdade social, instaurado no Brasil há séculos. O poeta português, António Botto, quando chegou ao Rio de Janeiro em 1947, escreveu: “Afinal…, o Rio, é uma fachada pretenciosa de grande capital, mas, as barracas dos pretos feitas de latas e de papeis aparecem a cada momento. E a miséria? E a outra, a miseria moral na falta de palavra e de caracter? Essa, então, é geral. Miseria de varios aspectos: fome, roubo, prostituição, mentira...”. O show não pode parar, mas a vida real pode ficar em segundo plano, porque a audiência é que vende anúncios e televisão é a arte do anunciante e a internet também. Brigas dão audiência e o bordão do velho personagem, Paulo Cintura, da Escolinha do Professor Raimundo, adaptado às circunstâncias atuais, é perfeito: “Audiência é o que interessa/O resto não tem pressa. Felini diria: E la nave va, Panis et Circenses pro populo et potentius pro potentioribus.
Vinicius Todeschini 28-08-2024