Crónicas do Brasil | 12-09-2024 15:00

Quando o certo parece errado

Vinicius Todeschini

Os Reality Shows perderam audiência, em compensação as Redes Sociais são as novas arenas, mas para um espetáculo sem nenhuma limitação ou regramento. Liberdade é falar sem responsabilidade e acusar sem o ônus da prova, não existe nenhum interesse na verdade, apenas nos efeitos com o que foi “lacrado”.

O mundo passa por uma fase de transição bastante conturbada e os avanços do fascismo, mundo afora, comprovam que a humanidade não retém as lições, duramente aprendidas, por muito tempo. A Extrema-Direita, depois de décadas de ostracismo, renasceu de forma visceral e está a pleno em várias partes do mundo. Com um discurso agressivo e uma torção nos valores conseguiu, através das Redes Sociais, uma penetração em camadas sociais mais frágeis e susceptíveis a manipulações grosseiras. O populismo de Direita está na moda e aqui em Porto Alegre o contraditório se estabelece e faz com que o prefeito, responsável direto pelas falhas no sistema de proteção a cidade durante a enchente, esteja a frente nas pesquisas e com uma campanha que tem mais impacto popular que a da sua opositora mais forte, Maria do Rosário. Sebastião Melo tem aparência e um certo carisma que remetem diretamente ao tipo popular, tal como estabelece o senso comum. Sabedor disso tudo, os coordenadores da sua campanha estão apostando todas as fichas na figura do “prefeito comunitário” e para isso criaram o “homem do chapéu de palha”, uma ideia aparentemente inexpressiva para os intelectuais, mas com forte apelo entre vários segmentos sociais.

O socialismo, como forma de organização da sociedade, está em baixa e, a falta de uma atualização nas suas proposições de igualdade, criou um hiato que está sendo preenchido por ideias distorcidas e falsas sobre as reais possibilidades de sobrevivência da humanidade. O neoliberalismo e os seus conceitos de empreendedorismo e meritocracia acabaram por cooptar boa parte da juventude de origem pobre, que acredita que pode superar a miséria estrutural trabalhando em tele-entregas, dirigindo carros por aplicativos ou montando pequenos negócios com financiamentos a juros bancários. A ideia de distribuição de riqueza no capitalismo atual faria Adam Smith corar, porque só o capital dá as cartas e a retirada de direitos trabalhistas, com o discurso de criar mais possibilidades para esses mesmos trabalhadores, é uma forma de ampliação da exploração em níveis ainda maiores. A gravidade da situação de quem trabalha por baixos salários, somadas à Reforma Trabalhista -governo Temer- e a famigerada Reforma da Previdência -governo Bolsonaro- tornou até o direito a uma aposentadoria compatível com a longevidade média do país uma miragem. A crise se acentua na medida em que a Esquerda permanece em seu vetusto pedestal sem novas ideias e sem um novo discurso em uma linguagem acessível ao povo.

A linguagem que a maioria do povo reconhece na política brasileira é a do populismo, tanto à Direita, quanto à Esquerda, mas agora a novidade fica por conta da Extrema-Direita que cria fatos e os explica da mesma forma, sem nenhuma preocupação com a verdade, porque o embate nas Redes Sociais e, principalmente, os efeitos disso sobre os adversários é o que traz popularidade. Os Reality Shows perderam audiência, em compensação as Redes Sociais são as novas arenas, mas para um espetáculo sem nenhuma limitação ou regramento. Liberdade é falar sem responsabilidade e acusar sem o ônus da prova, não existe nenhum interesse na verdade, apenas nos efeitos com o que foi “lacrado”. Os conceitos criados para explicar a realidade, como “racismo estrutural”, por exemplo, são inacessíveis para a maioria das pessoas, porque é preciso entender os dois conceitos antes e só depois perceber que a junção dos dois não pode ser entendida com a soma das partes. É preciso fazer uma exploração mais acadêmica para esmiuçar o conceito, coisa que a maioria não faz e, provavelmente, não fará. Nem mesmo os artistas da música popular de mais qualidade conseguem mais ir aonde o povo está, como queria Milton Nascimento.

Quando o certo parece errado é porque a consciência das coisas esboroou e acreditar que, destruir a liberdade é uma forma de liberdade, não faz sentido, porque o objetivo real é ter mais poder para derrotar os últimos idealistas de plantão, digamos assim. Se a Esquerda exagerou com ideias abstratas demais e conceitos que batem de frente com a longa formação da cultura brasileira, que é contraditória e tem elementos que a “Síndrome do Capataz” explica com propriedade, o simples fato de saber do problema não o elimina, só o torna ainda mais complexo, porque tem liames no inconsciente da cultura e isso não é superável por decreto. O episódio do ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, demitido por Lula por graves acusações de assédio sexual contra a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, trouxe o inusitado para destruir ainda mais à frágil sustentação política de um governo que enfrenta o fascismo mais virulento dos últimos tempos, reerguido sob as mais modernas fontes tecnológicas bancadas por multimilionários e arqui-inimigos do socialismo, além de radicalmente contrários a uma liberdade verdadeira sob a égide da justiça social. A gravidade dos fatos está posta e o que está em jogo não será simples de superar, por isso não se pode deixar nenhum milímetro de espaço sem combate aos que defendem um mundo sem nenhum limite para a exploração do homem pelo homem.

Vinicius Todeschini 11-09-2024

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