As contradições de uma cadeirada
Diferente da corrupção e da desobediência civil que prepondera no Rio Janeiro, com as milícias e as facções de traficantes, em São Paulo o crime organizado prefere uma abordagem mais empresarial, bem ao gosto dos paulistanos, com larga tradição empresarial. No Rio, tanto as milícias, quanto as facções, estão expostas e localizadas, em São Paulo o crime organizado está pulverizado em vários negócios legais.
José Luiz Datena, candidato do PSDB, desferiu uma cadeirada em Pablo Marçal, do PRTB, em pleno debate transmitido ao vivo pela TV Cultura, no último domingo, dia 15 do mês corrente. O encontro se deu pela disputa à prefeitura de São Paulo, mas se transformou em uma espécie de reality show, onde as proposta políticas ficaram totalmente em segundo plano, porque realmente o que interessa são os personagens -em cena- reproduzindo, emblematicamente, a real política que se pratica no país. E os projetos? Bem, estes estão em segundo plano ou não existem. Não é toa que a classe política brasileira para ser qualificada como ruim precisa melhorar muito. A ironia da situação ficou por conta do mediador, que saiu do seu púlpito para apartar os rixosos, mas voltou ao seu púlpito para pedir os comerciais...
Estudos preliminares e pesquisas apontam que a cadeirada pode ter significado uma ruptura na ascensão de Marçal, toda ela fundamentada em detratar os adversários de forma agressiva e chula, com adjetivações do mais baixo nível, buscando assim uma identificação imediata com o grande lumpesinato brasileiro, que não parou de crescer após a reacenção do fascismo brasileiro. Ele já caiu 3 pontos pela última pesquisa da Quaest. A atitude de Datena aconteceu logo depois dele ter sido chamado de arregão (gíria incorporada ao vernáculo que significa aquele que “arrega”, que desiste da luta) pelo seu oponente e parece ter tido um efeito positivo para a sua campanha, que estava estacionada. A resposta intempestiva de Datena surpreendeu a todos, não pelo ato em si, mas pelo fato que não se esperava isso dele.
No primeiro debate depois do episódio da cadeirada, apenas dois dias depois do ocorrido, as cadeiras foram parafusadas ao chão, vejam só... A acusações continuaram no mesmo tom e no mesmo nível, porque a marca dessa campanha, a que está cristalizada, não é como governar a maior cidade do Brasil, que também é a mais rica e, possivelmente, a mais corrupta, mas como alcançar o cargo de prefeito. Diferente da corrupção e da desobediência civil que prepondera no Rio Janeiro, com as milícias e as facções de traficantes, em São Paulo o crime organizado prefere uma abordagem mais empresarial, bem ao gosto dos paulistanos, com larga tradição empresarial. No Rio, tanto as milícias, quanto as facções, estão expostas e localizadas, em São Paulo o crime organizado está pulverizado em vários negócios legais.
A verdade dos fatos combina a tragédia brasileira na política e, as suas sequelas, com o crescimento de personagens como Bolsonaro e Pablo Marçal. Chegamos a um trecho da travessia onde não se consegue mais enxergar o óbvio, porque a densa bruma do obscurantismo criada pelos que lutam pelo poder -sem qualquer ética ou responsabilidade- estruturaram todas as condições para aventureiros sem escrúpulos ascenderem e se projetarem. Entrar no seleto grupo de políticos que conseguem formar e manter um curral eleitoral, garantindo assim uma continuidade indefinida em cargos de poder, onde os acúmulos de privilégios são principescos, é uma conquista e tanto, mas produz, ao mesmo tempo, uma hemorragia permanente no erário público do país. O ator norte-americano, Groucho Marx, afirmou que jamais faria parte de um clube que lhe aceitasse como sócio, mas, em compensação uma grande parte dos candidatos a políticos brasileiros, não só entrariam, como saqueariam o clube.
A disputa mais próxima da dicotomia, entre Direita e Esquerda no Brasil, deveria ser entre Ricardo Nunes (que herdou a prefeitura do neto de Mario Covas, Bruno Covas, que, por sua vez, também tinha herdado a prefeitura do ex-governador Jorge Dória) e Guilherme Boulos, que tem o apoio de Lula, mas não é o que está acontecendo. Este tipo de legislação é um atraso, assim com a reeleição. No Brasil existem eleições a cada dois anos, o que é péssimo e caro para o país, além de cansativo. Aumentar os mandatos para 5 anos e acabar com as reeleições, porque o eleito para um cargo executivo de 4 anos tem 1 ano para tomar pé da situação, 2 anos para governar e 1 ano para se disputar a reeleição. Isso é um ultraje à inteligência, mas interessa que isso tudo continue como sempre foi, para que políticos da cepa de Arthur Lira sigam sendo líderes, pois sempre existirá uma corja de políticos dessa estirpe para liderarem.
As emendas PIX que o ministro do STF, Flávio Dino, suspendeu, se tornou o mais recente mecanismo para os políticos desonestos se locupletarem. Um exemplo dessa maracatuia é que 85% do valor total são destinados a cidades de menos de cem mil habitantes, o dinheiro é enviado dos cofres públicos diretamente para os municípios sem estar atrelado a nenhum projeto. O Censo de 2022 feito pelo IBGE -Instituto Brasileiro de Geografia- confirma que o valor repassado foi de mais de 5,9 bilhão. Na verdade, em um levantamento da organização não governamental, Transparência Brasil, feito em 2024, constatou que só 1% dessas emendas tem um destino claro. O resultado não poderia ser pior: o município de Igarapé Grande, no Maranhão, de 11,5 mil habitantes, realizou cerca de 12,7 mil cirurgias de dedo, a cidade de Pedreiras de 39 mil habitantes, também no Maranhão, extraiu 540 mil dentes em 2021 e nos primeiros 4 meses de 2022, 220 mil dentes. E existe até o caso de uma cidade de pouco mais de 7 mil habitantes que realizou mais de 8 mil procedimentos de próstata. O surrealismo é real por aqui.
Vinicius Todeschini 19-09--2024