Crónicas do Brasil | 27-09-2024 08:52

As Encruzilhadas

Vinicius Todeschini

“A liberdade é a primeira vítima de um mundo sem regras”, foi a frase mais marcante do discurso de Lula na ONU, por sua vez Gustavo Petro, presidente da Colômbia, chamou Benjamin Netanyahu de criminoso, na acepção da palavra.

A lenda do guitarrista de blues, Robert Johnson, conta que ele resolveu fazer um pacto com o demônio em uma encruzilhada, só para se tornar um grande guitarrista. Johnson viveu apenas 27 anos, mas foi o suficiente para se transformar em uma figura lendária do blues e com isso eternizar-se em um panteão, onde a genialidade, o sofrimento e a tragédia andam juntas. O preço a ser pago por ser genial e incompreendido certamente não compensa, mas há quem pague. Encruzilhadas passaram a simbolizar o lugar onde se cruzam vários interesses e conflitos e estar em uma encruzilhada significa ter que escolher, e escolhas pressupõem renúncias. Lula está vivendo isso, diante da situação na Venezuela, por exemplo. O Parlamento de Israel está em uma situação análoga, mas muito mais dramática, porque continuar apoiando o seu primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, significa prosseguir em uma guerra fratricida e sem fim. As frentes de guerra pelo mundo afora apontam situações limites e não parece haver saída através dos modelos vigentes das políticas atuais.

A encruzilhada onde o presidente Lula permanece resulta em sua procrastinação sobre um posicionamento definitivo sobre o país vizinho. Suas relações antigas com o ex-presidente, Hugo Chávez, significaram, tempos atrás, o renascimento da utopia de uma unidade da América Latina, mas desde o desaparecimento de Chávez e a ascensão de Nicolás Maduro, o sonho acabou. A relação entre Brasil e Venezuela se mostra cada vez mais difícil de ser mantida nas velhas bases, tanto as oficiais, quanto as tacitamente estabelecidas. Maduro é um sujeito agressivo e ambicioso e em seu tabuleiro geopolítico da América Latina não há espaço para recuos, isso o torna perigoso como um leão acuado. Ele ironizou recentemente a declaração do presidente brasileiro que se disse assustado com a sua ameaça de um banho de sangue na Venezuela, caso não ganhasse as eleições: “Quem se assustou que tome chá de camomila”, disse o caudilho. A beligerância de Nicolás Maduro é evidente, ele está sempre entre o blefe e o confronto nesse jogo intrincado pelo poder.

“A liberdade é a primeira vítima de um mundo sem regras”, foi a frase mais marcante do discurso de Lula na ONU, por sua vez Gustavo Petro, presidente da Colômbia, chamou Benjamin Netanyahu de criminoso, na acepção da palavra. Ainda mais importante do que a contundência dessa frase é a verdade que ela encerra, porque está dentro da lógica que rege o mundo, onde as guerras nunca acabam e as ações contra a crise climática terminam sempre em grandes encontros dos maiores mandatários do planeta -prisioneiros da sua própria ambição- que nada fazem de real e definitivo para resolver o que é necessário, mas continuam vendendo a ilusão de que estão avançando. A grande frase do presidente Petro, no entanto, foi a seguinte: ““Os presidentes dos países que podem destruir a humanidade não nos ouvem (…), eles riem nestes corredores, com a ajuda da mídia mundial (…), o poder da destruição da vida é o que realmente se ouve dentro das Nações Unidas””. A história se confunde cada vez mais com uma ficção distópica, como se criada, tão somente, para o entretenimento dos streamings que vendem este tipo de conteúdo.

O mundo pode estar caminhando rumo a sua última encruzilhada e se não houver uma mudança brusca de direção não haverá tempo para mais nenhum filme ou documentário ser produzido sobre a catástrofe definitiva, porque não haverá mais público. Se não houver uma ruptura no ritmo vertiginoso de destruição do planeta, os discursos recheados de promessa e de metas, mas vazios de realização também perecerão e a profecia contida na canção popular “Eva” dos compositores italianos, Umberto Tozzi e Giancarlo Bigazzi, cumprirá o que prometeu. “Prima o poi di follia scoppiera' mezza umanita' su di noi stormi di nucleari avvoltoi ma l'amore e' un dio e saremo io e te l'arca di noe' questo amore crea e alla fine di questa odissea”. Não se pode jogar um jogo quando não há cartas na mão, nem sequer alguma peça, e onde as estruturas que sustentam o que chamamos, vida, não estão ao alcance de qualquer controle humano.

O ataque de Israel ao Hezbollah em território libanês cria uma nova encruzilhada no mundo e Biden, o ainda presidente dos EUA, declarou que uma ‘guerra total’ não interessa a ninguém, mas está enganado, interessa e muito ao primeiro-ministro de Israel, o famigerado Netanyahu, que se mantém no poder por uma margem mínima e precisa manter o apoio dos radicais, a sua base de sustentação. Para seguir no poder ele deve continuar com a sua política genocida, digna dos piores assassinos da história, só assim os grupos extremistas, xenófobos e intransigentes, manterão o seu apoio a ele. O desprezo pela vida e os negócios se misturam cruamente nessas almas. Na encruzilhada não se vende apenas a alma ao diabo em troca de poder terreno, é ali, também, onde o que foi vendido deverá ser entregue. “Pacta sunt servanda”. Israel é um dos países mais agnósticos do mundo, a religião para a maioria é uma marca da sua cultura, um liame para manter o país unificado em “sua guerra santa” contra seus meios-irmãos.

Vinicius Todeschini 25-09-2024

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