Os Direitos da Natureza
Mudar a direção da civilização é uma tarefa para Prometeu que, desta vez, não teria a missão de roubar o fogo dos deuses, como na lenda, mas sim mudar um modelo de desenvolvimento que está destruindo o planeta e qualquer forma de vida que nele exista. A aliança de religiosos fundamentalistas e negacionistas tem o propósito de manter o povo alienado do que realmente está em jogo: o destino de todos.
A Noruega investe na preservação da Amazônia através do Fundo Amazônia, que foi criado pelo presidente Lula, em 2008, com o objetivo de obter o apoio internacional para o combate ao desmatamento e a exploração ilegal da região, tendo como escopo principal a redução da emissão de gases de efeito estufa na atmosfera. A Noruega investiu, recentemente, cerca de R$ 273 milhões, mas ao contrário do que se esperava, a própria Amazônia emitiu mais desses gases que o próprio país que investiu para que isso não acontecesse. O paradoxo está visível e cheio de fumaça, isso levou o ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal -STF- a dizer que o Brasil vive uma Pandemia de Incêndios. “O Brazil não conhece o Brasil” diz a música, “Querelas do Brasil” (Maurício Tapajós/Aldir Blanc) gravada por Elis Regina, mas de fato o Brasil não controla o próprio território, tanto urbano, quanto florestal. Cercado pelo crime organizado, pelo garimpo e pelo agronegócio (que enriquece exportando commodities) e sendo perseguido pela Grande Mídia, tanto explicitamente: pela Record, SBT e Jovem Pan, quanto subliminarmente; pela Globo e Bandeirantes, o governo enfrenta, ainda, o pior Congresso desde a volta à democracia.
A Constituição do Equador de 2008 reconhece a Natureza como sujeito de direitos e acrescenta o direito à restauração do que foi destruído. O significante, Pacha Mama, foi incorporado como sinônimo de Natureza. O nome Pachamama tem origem na língua quíchua, onde Pacha significa universo e Mama, mãe, a divindade andina tem um apelo simbólico extremamente importante para estas culturas. Jörg Leimbacher, jurista suíço, afirmou em 2008 que, dotar a Natureza de Direitos significa estimular politicamente a sua transição de objeto a sujeito e com isso resgatar o direito à existência dos próprios seres humanos. O sistema capitalista, predatório em relação aos recursos naturais e reativo ao equilíbrio ambiental, no entanto, está na contramão de um planeta ecologicamente ajustado. Muitas pessoas de outros séculos já vislumbravam este direito como fundamental para a sobrevivência da espécie, Ítalo Calvino escreveu a respeito do Barão Cosimo Piovasco de Rondò que, durante a Revolução Francesa, ficou conhecido por ‘Barão das Árvores’. Ele propôs um projeto de Constituição com a Declaração dos Direitos Humanos, dos Direitos das Mulheres, das Crianças, dos Animais Domésticos e dos Animais Selvagens, que incluía, também, pássaros, peixes e insetos, plantas de todos os tipos.
A mudança de um modelo antropocêntrico para um modelo biocêntrico é de difícil articulação, porque envolve não só óbvios interesses econômicos, como também os interesses calcados no narcisismo humano. Um exemplo disso é como se ensina o período da Idade Média nas escolas. O Renascimento é enaltecido e visto como antípoda dessa fase da humanidade, chamada também de Idade das Trevas. O grande escritor e dramaturgo, Ariano Suassuna, nunca negou a sua admiração por essa época e o seu universo está povoado por uma infinidade de manifestações da cultura e do teatro medieval, como as cavalhadas, as festas religiosas, o teatro de rua, o romance de cavalaria e muitas lendas, entre as quais a do Santo Graal. “O Movimento Armorial”, criado por Suassuna a partir dos anos 70, tem um forte substrato medieval, onde o teatro de mamulengo, o teatro de bonecos, que a Igreja utilizava largamente para difundir seus preceitos, são influências notórias. Na obra de Ariano Suassuna o povo assume o protagonismo.
Mudar a direção da civilização é uma tarefa para Prometeu que, desta vez, não teria a missão de roubar o fogo dos deuses, como na lenda, mas sim mudar um modelo de desenvolvimento que está destruindo o planeta e qualquer forma de vida que nele exista. A aliança de religiosos fundamentalistas e negacionistas tem o propósito de manter o povo alienado do que realmente está em jogo: o destino de todos. O mundo do consumo, do dinheiro, da poluição, da guerra, não vai parar por vontade própria, por isso o desastre pode ser iminente; porque quem manda não quer mudar, no máximo reduzir os danos mais visíveis. “Neste cenário de tristeza/Relembro momentos de real bravura/Dos que lutaram com ardor/Em nome do amor a natureza”. Neste samba, “Amor a Natureza”, Paulinho da Viola destaca a decadência da cidade do Rio de Janeiro com o avanço do modelo industrial sobre as matas e os mananciais. Na parte final do samba ela ainda ressalta: “Flutua no ar o desprezo/Desconsiderando a razão/Que o homem não sabe se vai encontrar/Um jeito de dar um jeito na situação”.
O homem como centro e razão de tudo, desde o Renascimento, prova que Freud sempre esteve certo ao afirmar que existe algo destrutivo em todos nós e assim não há como se iludir. “O mal-estar na civilização” retrata isso, ali o inventor da psicanálise reflete sobre a imensa, quiçá, insuperável dificuldade humana em superar sua mesquinharia e a sua ambição desmedida, por isso será muito difícil -diante dos progressos científicos e tecnológicos- preservar a própria existência da humanidade, ante ao antagonismo entre a nossa natureza e as exigências da civilização. Os Direitos da Natureza homologados em todas as Constituições de todos os países do mundo não seriam suficientes para deter essa marcha, porque a humanidade caminha sem dar nenhuma indicação que mudará o seu rumo...
Vinicius Todeschini 02-10-2024