António Torres e Edgard Telles Ribeiro
Os escritores António Torres e Edgard Telles Ribeiro revisitados por André Seffrin na análise a dois romances: "Jogo de Armar" e "Querida Cidade"
Em tempos idos escrevi sobre livros de Edgard Telles Ribeiro, poucos anos depois da publicação do primeiro, o romance O criado-mudo (1991). Mais tarde, Olho de rei (2005) me entusiasmou bastante. Por circunstâncias, acabei me perdendo dos seus livros e agora o reencontro acontece com Jogo de armar (Todavia, 2023). Andamentos sonambúlicos e humor sutil são características básicas do prosador refinado que ele é. Desde seu início foi assim. Contudo, essas características, sozinhas, não o definem. No seu modo um tanto labiríntico de conduzir a história, há uma consciência plena da morosidade do enredo e de suas repentinas acelerações. Algo que uma erudição por vezes meio afetada nunca atrapalha, ao contrário, torna ainda mais intensas as sonatas que são os seus romances. “Meu primeiro romance de amor”, disse-me ele há alguns meses. Pois sim, e muito, muito bom.
No seu estilo inconfundível, Antônio Torres retorna ao romance depois de um longo tempo de silêncio. Silêncio necessário, ao que tudo indica, para a gestação de Querida cidade (Record, 2021). Ele sempre se manteve muito bem nessa sua extraordinária mistura da ginga baiana com a malícia carioca. Nem muito lá nem cá, nem mais à Machado de Assis nem menos à Gregório de Matos ou Jorge Amado, mas numa outra frequência, bem sintonizada e sua, que vai do burlesco à erudição irônica. Neste, como em muitos outros aspectos, um mestre da narrativa longa e das palavras que ocupam o melhor lugar dentro dos seus significados e efeitos sensoriais. É igualmente um autor que tem o senso exato do lugar-comum utilizado com sabedoria e rendimento, vamos dizer, incomum. E aí está parte da riqueza de seu vocabulário ficcional, que neste livro repassa os tantos desequilíbrios sociais e políticos brasileiros das últimas décadas filtrados pelo fervor triste-feliz do personagem.
Muitas referências literárias, musicais, cinematográficas etc., alimentam estes dois grandes romancistas, o que acaba por tornar ainda mais densa e pungente a trajetória dos seus personagens.