Crónicas do Brasil | 15-10-2024 14:30

‘O Populismo Chinelão’

Vinicius Todeschini

O desgaste natural de ser governo e os episódios de corrupção mostraram, paradoxalmente, a queda e a resiliência do partido, o PT agora parece um adolescente que após ganhar uma discussão importante dos mais velhos depois deixa cair, acidentalmente, um baseado do seu bolso.

Existem diferenças entre um contrato temporário de trabalho e o contrato temporário com a vida (:) uma delas é que o contrato temporário com a vida é feito de forma compulsória e o prazo do seu encerramento é indeterminado, mas existem muitas semelhanças que nos passam despercebidas, como, por exemplo, o regramento dos comportamentos que devemos ter durante a travessia. O processo civilizatório impõe repressões aos instintos mais básicos e com isso o acesso ao gozo se limita em níveis, muitas vezes, insuportáveis, mas para manter a homeostase a sociedade burguesa é incansável em aperfeiçoar o ato hipócrita. O escopo é, simplesmente, manter em funcionamento o que já nasceu torto, porém, assim como os contratos, todos os acordos também são temporários e, no jogo dos contrastes e graduações da hipocrisia muitas vezes o equilíbrio se quebra e criar novos arranjos sociais para estabilizá-lo é fundamental. Eis a tarefa dos grandes ideólogos, aqueles que surgem de vez em quando, mas a mobilização das massas através de novos pactos sociais é feita pelos seus porta-vozes, os políticos.

Aqui no país estamos em plena viagem para novos retrocessos na política, com o fenômeno que se infiltrou na nossa sociedade e, cujo nome, é dominação. A Extrema-Direita, subestimada por parte da Esquerda, está se apossando dos segmentos sociais onde a Esquerda já foi predominante, porque, em tese, são os segmentos que defende. Não há saída a curto prazo desta armadilha muito bem engendrada, porque não há, sequer, a aceitação completa desse fato. Através de uma identificação, aparentemente impossível, que se plasmou entre os ricos exploradores e os pobres explorados, os fascistas avançaram sobre o proletariado. A ironia disso é: o projeto de superação desta dicotomia pelo marxismo seria a superação das classes sociais com a vitória do proletariado, mas a Extrema-Direita está conseguindo, sem alterar nada socialmente, apenas trabalhando o imaginário popular com mitos e lendas.

Pablo Marçal se transformou em atração nacional e saiu vitorioso das eleições, mesmo não tendo alcançado o segundo turno, reflexo de um modus operandi que está sendo vitorioso, ‘a identificação acima da reflexão’, eis a fórmula para cooptar os cidadãos desavisados mas, ao mesmo tempo que criou um mecanismo vencedor, criou também um atrativo irresistível para os ambiciosos sem escrúpulos que habitam este pobre país e o entredevoramento será inevitável. Fenômenos que mobilizam as massas nunca serão derrotados pelos seus adversários, mas sim pela sua própria entropia, como o fascismo do início do século XX, eles demoram a passar, porque sua destruição acontece de dentro para fora.

Os valores apregoados, ad aeternum, pela Esquerda Democrática, acabaram se tornando rarefeitos, pois um sistema de proteção social e regulador das desigualdades deveria estar sempre sendo revisto e atualizado pelos seus próprios defensores, porém o que ocorreu foi que o neoliberalismo soterrou tudo de roldão e um mundo cada vez mais desumanizado e competitivo se firmou, tornando a vida cada vez mais árida e desprovida de qualquer poesia. O clima favorável à Esquerda, pós-ditadura, transformou o PT no maior partido do país, por estar mais organizado e ser portador de uma mensagem nova, mas sob o ataque da Extrema-Direita está se vendo apertado por um cerco cada vez mais intenso. O desgaste natural de ser governo e os episódios de corrupção mostraram, paradoxalmente, a queda e a resiliência do partido, o PT agora parece um adolescente que após ganhar uma discussão importante dos mais velhos depois deixa cair, acidentalmente, um baseado do seu bolso. Apesar de vitorioso nas eleições majoritárias, o seu maior desafio é a enorme resistência ao seu projeto no interior do país, onde o conservadorismo predomina e existe a oposição radical do agronegócio.

O Partido dos Trabalhadores, quando surgiu publicamente, tinha um frescor que os outros partidos não tinham, partidos que foram criados em estruturas políticas anteriores e com discursos, em função do exílio dos seus quadros, um tanto quanto anacrônicos. Brizola, apesar de tudo que fez como político e governante, tinha alguns anacronismos, senão na mensagem e no conteúdo em si, mas na forma de expressar isso e, mesmo a velocidade da sua fala, mais pausada, estava fora da dinâmica daquele momento. O PT cresceu e chegou ao poder, mas com alianças que foram o seu calcanhar de Aquiles, como no caso do ‘Mensalão’, criado por um ex-aliado, o ex-deputado federal Roberto Jefferson, do PTB, que está preso. Brizola (o legítimo herdeiro de Getúlio depois da morte de Jango), perdeu essa sigla, PTB, para Ivete Vargas por obra do General Golbery (o maquiavélico mago da ditadura).

O PT jamais foi o mesmo depois das crises, porque aquele tipo de discurso que o tornou popular exige uma pureza que a política só permite antes de você chegar ao poder, depois é preciso exercer ‘os podres poderes’. O constrangimento de ser atacado da mesma forma que atacou os adversários baixou o tom do discurso e redutos que eram seus foram conquistados pelos populistas da Extrema-Direita, como o caso de Marçal, em São Paulo, e Sebastião Melo, em Porto Alegre. Melo foi o único prefeito da região metropolitana que não foi atingido politicamente, mesmo sendo o maior responsável pela invasão das águas na cidade, por falta de manutenção no sistema de proteção. ‘O populismo chinelão’ está em alta.

Vinicius Todeschini 10-10-2024

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