Crónicas do Brasil | 29-10-2024 23:10

Nervos de mar

Nervos de mar

Afonso Henriques Neto é quase um estranho no ninho porque estreou nos anos da geração então identificada como marginal, e se estabelece igualmente no desenho algo frankenstein de um simbolista barroco, nada incomum em nossa literatura – basta citar Jorge de Lima e um outro nome hoje incontornável, Ariano Suassuna, cuja poesia é ainda pouquíssimo conhecida – sem esquecer Cecília Meireles, em especial a de Solombra.

Afonso Henriques Neto é poeta cada vez mais presente no panorama atual da poesia brasileira, e agora com Nervos de mar (7Letras, 2024), primeiro livro que publica depois da reunião de sua poesia em Eixo de abismo (2023), que juntou toda sua produção poética – de O misterioso ladrão de Tenerife (1972), até A outra morte de Alberto Caeiro (2015) –, com acréscimo de inéditos das décadas iniciais. Drummond chegou a dizer (ao que tudo indica, em carta ao autor) que Afonso é poeta que se “afirma independente da influência dos grandes próximos que o rodeiam”, o que é certo mas também uma meia-verdade. Sobretudo por tratar-se de um autor absolutamente bem situado em nossa tradição poética, uma vez que em muitos poemas deste seu novo livro podemos notar certa proximidade sobretudo com modernos como Jorge de Lima, Cecília Meireles, Manuel Bandeira e Murilo Mendes, bem como com outros nomes menos favorecidos pelo sistema literário e que flutuam numa zona de sombra entre os anos 1940 e 1970, poetas como Joaquim Cardozo e Lupe Cotrim Garaude, para ficar em dois bons exemplos apenas.

Todavia, em seu constante navegar em águas surrealistas, Afonso Henriques Neto é quase um estranho no ninho porque estreou nos anos da geração então identificada como marginal, e se estabelece igualmente no desenho algo frankenstein de um simbolista barroco, nada incomum em nossa literatura – basta citar Jorge de Lima e um outro nome hoje incontornável, Ariano Suassuna, cuja poesia é ainda pouquíssimo conhecida – sem esquecer Cecília Meireles, em especial a de Solombra.

Além disso, Afonso é poeta de acelerações sensoriais que maneja como poucos na atualidade, dono que é de uma bem equipada máquina de palavras. No sumário, o título do livro aparece multiplicado: “nervos de ar”, “nervos de terra”, “nervos de fogo”, “nervos de êxtase”, “nervos de teatro” e “nervos de vazio”. Em “Nervos de fogo”, ponto nodal desse conjunto, há quatro poemas intitulados “nervos de mar” e algumas peças mais tensas e experimentais, de um quem sabe maior questionamento formal. A partir daí, encontramos uma poesia diversa e una, elástica nos seus circuitos, em que as medidas se distendem ora em rompantes epifânicos ora num protesto por vezes disfarçado ou oblíquo contra o assédio da finitude. Um autor para quem a poesia é “envolvente água de energia/ impalpável áspera demente/ balsâmica erótica intratável./ A conduzir em sons/ o enigma do silêncio.”


Mais Notícias

    A carregar...
    Logo: Mirante TV
    mais vídeos
    mais fotogalerias

    Edição Semanal

    Edição nº 1709
    26-03-2025
    Capa Médio Tejo
    Edição nº 1709
    26-03-2025
    Capa Lezíria Tejo
    Edição nº 1709
    26-03-2025
    Capa Vale Tejo