Crónicas do Brasil | 03-11-2024 20:57

Os paradoxos do retrocesso

Vinicius Todeschini

Se houver uma chance para a humanidade viver uma vida plena e não a vida que os donos do mundo destinam aos que estão a margem dos círculos de poder, essa plenitude está relacionada a fruição. Não nascemos para o trabalho, mas sim para produzir por prazer, aí é que nasce a cultura e todas as artes que adoçam a vida.

Não é tarefa fácil explicar o que não faz sentido, mesmo depois de um largo tempo de vida. Os desafios mundiais diante do avanço do extremismo mais retrógrado e todo ele calcado em um sistema econômico que está, literalmente, colocando a sobrevivência de todos os seres vivos em risco se tornam mais urgentes a cada dia, mas os líderes mundiais não agem. A super produção de bens para manter o capitalismo pujante exige consumo e mais consumo e, dentro dessa lógica, para que haja mais consumidores seria necessário extrair da miséria bilhões de pessoas, porém não é o que acontece, a miséria não para de aumentar. O sistema é excludente e, enquanto gera produtos e mais produtos, criou também ‘a obsolescência programada’ para que eles, logo ali adiante, sejam substituídos por novos que, por sua vez, durarão cada vez menos. Por isso a máxima conquista de um cidadão comum é se tornar um consumidor, única forma de reconhecimento da sua cidadania no sistema neoliberal. Shoppings, condomínios fechados, praias exclusivas e perversões liberadas para os que atingiram a maioridade em renda, para os outros existem os coachs, como Pablo Marçal que “ensinam a prosperar”.

O fim da democracia, tal como conhecemos, está no horizonte há algum tempo, não há como fazer vista grossa a isso e os ajustes autoritários, restringindo liberdades e podando diretos, estão acontecendo dia a dia. Muitas pessoas aderem às propostas fascistas porque estão cansadas de promessas vazias e de discursos construtivistas, que prometem evoluções que nunca acontecem. A Esquerda brasileira navegou durante um bom tempo em águas calmas, mas avançou pouco e se perdeu em alianças espúrias que foram minando as suas bases. Os avanços sociais foram poucos e temporários, sequer resolveram o problema das moradias em áreas de risco e da distribuição injusta de terras. Era, portanto, inevitável que as forças da reação voltassem com tudo e munidas de novos conhecimentos tecnológicos. A fantasia do empreendedor contra o Estado que lhe cobra montanhas de impostos e nada lhe em troca, essa sim prosperou, mesmo que os empreendedores morram trabalhando em tele-entregas e carros de aplicativos e não tenham nenhuma cobertura, em termos de direitos e garantias, na verdade estão por sua conta e na hora H ainda é o Estado, através do SUS, a sua única salvação.

Se houver uma chance para a humanidade viver uma vida plena e, não a vida que os donos do mundo destinam aos que estão a margem dos círculos de poder, essa plenitude está relacionada a fruição. Não nascemos para o trabalho, mas sim para produzir por prazer, aí é que nasce a cultura e todas as artes que adoçam a vida e tornam nossa passagem por aqui ser mais do que, simplesmente, suportável. O trabalho repetitivo e sem criatividade, esse sim deve ser feito pelas máquinas, porém o que fazer com a força de trabalho que sempre foi explorada pelos donos do mundo? Karl Marx escreveu no livro “Grundrisse”, publicado postumamente em 1941 pelo Instituto de Marxismo-Leninismo, sobre a possibilidade de um colapso total, quando a força de trabalho de bilhões de trabalhadores ficaria ociosa, substituída pelas máquinas. O trabalho humano sendo prescindível como manter bilhões de pessoas na linha de consumo? Marx via isso como uma crise insuperável e marchamos para isso, indubitavelmente, senão houver uma mudança drástica, o que é improvável que aconteça.

O poeta Antonio Cícero, membro da Academia Brasileira de Letras, optou pela eutanásia ou morte assistida e para isso foi a Suíça onde o procedimento é legal. Portador do Mal de Alzheimer e ateu convicto ele escreveu uma carta de despedida aos amigos, onde está contida a seguinte frase para justificar a sua decisão: “Espero ter vivido com dignidade e espero morrer com dignidade”. Cada vez mais a morte assistida está ganhando adeptos pelo mundo, não só ateus, mas pessoas que, diante de um sofrimento atroz e inapelável, optam por isso. Milhões de pessoas no mundo estão aderindo ao método para mitigar o sofrimento e dar um fim definitivo sem prolongar indefinidamente o sofrimento diante da impossibilidade de remissão de muitas patologias. Isso é um assunto que tende a se tornar cada vez mais debatido diante do avanço do fundamentalismo religioso em todo o planeta.

Entramos na semana das eleições americanas e o risco da vitória de Trump soa como uma ameaça real ao mundo. A possível vitória dele está calcada nas estatísticas, porque normalmente os candidatos democratas quando ganham as eleições sempre ficam três pontos acima do candidato republicano, mas agora ele e Kamala aparecem empatados com 47%, o que passa de preocupante, é assustador. O que significa uma vitória de Trump neste momento da história? Significa um brutal retrocesso a um mundo que não pode mais se dar ao luxo de retroceder Trump representa o narcisismo mais patológico no poder e uma ameaça real a democracia. Os EUA darão uma resposta em breve e o resultado dela afetará a todos.

Vinicius Todeschini 28-10-2024

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