Crónicas do Brasil | 09-11-2024 15:04

Democracia em Desencanto

Vinicius Todeschini

O Brasil é um dos maiores exemplos ou, provavelmente, o maior de todos, de como os políticos podem agir no sentido de se perpetuar como uma espécie de aristocracia, sugando dia a dia o tutano da nação e colocando toda a força produtiva de um país a trabalhar para que eles usufruam de tudo e quase sempre acima da lei.

Não há como negar a esperteza de Trump, mesmo que parecessem estúpidas todas aquelas mentiras sobre os imigrantes, incansavelmente repetidas durante a campanha, havia um propósito: ele sempre soube que isso era uma preocupação real das pessoas, porque, mesmo os que vieram dessa mesma forma não querem mais pessoas, na mesma condição que eles foram outrora, concorrendo pelos empregos e espaços na vida americana. Os latinos não querem mais latinos, ou seja: a negação do próprio princípio de solidariedade do qual se beneficiaram e que foi a base de construção da maioria dos países modernos. Os EUA não seria nada sem a imigração. E assim, enquanto Kamala tentava colocar panos quentes na questão, a verdade é que o governo Biden cometeu muitos erros e o maior deles foi não ter resolvido o problema da imigração. O resultado não poderia ter sido outro, uma acachapante derrota.

Biden conseguiu desagradar a dois senhores, tanto os amigos do americanos, quanto os inimigos. Os palestinos o consideram um demônio e o governo atual de Israel o desrespeitou várias vezes. As fraquezas do governo Biden já começaram a ficar expostas nos dois primeiros anos de mandato, anunciando o desastre iminente da volta de Trump. A Extrema-Direita tem como característica principal a repetição de uma narrativa que, por mais absurda que seja, tem se mostrado eficaz nas eleições pelo mundo afora. O voto popular está se inclinando cada vez mais para esse grupo, onde se concentram os negacionistas, tanto do clima quanto das vacinas e por consequência da ciência, mas, principalmente, estão ali os que lucram com a venda de armas. Trump, por exemplo, não parece disposto a se aventurar em uma guerra direta ou a intervenções militares, porém, o lucro que as guerras produzem para os fabricantes de armamentos, seus aliados, disso ele não abre mão.

Os bolsonaristas estão felizes pela vitória do seu ídolo, Donald Trump, agora um superaliado de Elon Musk (o candidato-mor a anticristo dos novos tempos). O desprezo pela vida humana e pela igualdade social é uma marca muito forte no núcleo que sustenta a ideologia fascista e agora, que conseguiram recolonizar a mente do lumpesinato mundial com novas fabulações, se prevê uma longa noite para a humanidade e, justo no IIIº Milênio, que os espiritualistas de plantão tanto propagavam como a Nova Era Espiritual da Humanidade, a decantada Era de Aquário cantada no filme Hair, de 1979. A ideia fixa de Bolsonaro é surfar nessa onda favorável da Extrema-Direita mundial, por isso estar inelegível, ou pior, ser preso, é o pior dos mundos para ele. A filósofa brasileira Marilene Chauí apontou que existe uma nova subjetividade em curso, que ela chama de subjetividade narcisista, em outras palavras; para existir você precisa ser visto. A relação com a depressão é óbvia, porque quem não é visto, dentro desta lógica, se deprime e na adolescência isso pode levar ao suicídio. Há estudos que apontam para isso, o aumento incontrolável da taxa de suicídios entre os jovens. O uso dessa nova subjetividade pelos extremistas está criando um exército de aflitos e como na vida a única garantia é a ausência dela, estamos feitos.

Lula tem um grande número de eleitores entre os mais desfavorecidos, nos EUA é Trump quem conquistou esse eleitorado, principalmente entre os brancos desalojados pela concorrência estrangeira mais qualificada e mais barata, mas boa parte dos latinos que já tem o greencard aderiram também. O que nos leva a concluir que qualquer parcela de idealismo, por mais ínfima que fosse, se esvaiu e agora o pragmatismo balizado pelo mais profundo egoísmo é que determina as ações e posições das pessoas. O desencanto com a democracia e os seus lentos ciclos para alterar uma realidade negativa é parte disso, não há como negar que as democracias não foram aperfeiçoadas e se cristalizaram em sistemas burocratizados ao extremo, usando como argumento a necessidade de proteger as instituições. A evolução parou no ponto em que mais importava: reduzir as desigualdades e evitar a formação de clãs e confrarias que nunca mais saem desses círculos de poder. São como corpos estranhos no organismo que alteram o sistema a seu favor para garantir a sua permanência. São como tumores que alteram o fluxo de sangue do organismo principal para se manterem vivos e preponderantes, drenando a concorrência.

O Brasil é um dos maiores exemplos ou, provavelmente, o maior de todos, de como os políticos podem agir no sentido de se perpetuar como uma espécie de aristocracia, sugando dia a dia o tutano da nação e colocando toda a força produtiva de um país a trabalhar para que eles usufruam de tudo e quase sempre acima da lei. Leis que eles transformam e adaptam para lhes dar mais segurança e tranquilidade para continuar agindo assim, indefinidamente. É uma elite previsível, mas não existe no horizonte uma forma de deter este mal terrível, por isso a comparação com tumores é evidente, porque se descobre o tumor, mas mesmo o removendo não é garantia que outros não virão ocupar o seu lugar. Uma metástase.

Vinicius Todeschini 08-11-2024

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