Crónicas do Brasil | 26-04-2025 00:24

O legado de Francisco em tempos de discórdia

Vinicius Todeschini

O legado do Papa Francisco será testado em breve, no Conclave, que decidirá o nome do novo Papa. Não há Papas da África e da Ásia desde a Era Medieval, justamente onde o cristianismo católico tem crescido mais, o que seria um grande avanço para a Igreja Católica, mas há muitas forças contrárias a isso. Sempre houve forte oposição aos norte-americanos, porque representam o lado mais reacionário e arrogante da Igreja Católica, porém, são adversários poderosos, ainda mais com Trump na presidência.

Jorge Mario Bergoglio nasceu em Buenos Aires, um típico descendente de italianos, como tantos argentinos. Foi o primeiro Papa não europeu em 1200 anos, isso não é pouca coisa, considerando o conservadorismo predominante da Igreja Católica através dos séculos. Adotou o nome de Francisco, mesmo sendo da Companhia de Jesus, e trouxe para o papado uma marca diferente: mais humana, mais terrena e, principalmente, menos protegida por falsas certezas e dogmas, bases do fanatismo religioso. A esperança na ressurreição, compartilhada por tantos cristãos, foi renovada com a humildade devida. Sempre chamou a atenção que, depois de eleito Papa, ele nunca mais voltou à Argentina, no entanto sempre acompanhou, meticulosamente, a vida em seu país, Francisco, tinha seus motivos e eles não eram poucos, nem fruto de qualquer capricho, sabia do clima cada vez mais polarizado em sua pátria.

Na Argentina há uma polarização crescente entre setores neoliberais e os que se opõe ao sistema capitalista ultrarradical, que Milei está implantando. O aumento da pobreza não para de crescer e os cortes feitos, pelo atual algoz da classe trabalhadora, são tremendos. As novas lideranças mundiais da Direita são de Extrema-Direita, e, por isso mesmo, não consideram os que concorrem com eles como adversários, mas como inimigos, a diferença implícita é que não há diálogo, portanto não há debate de ideias e projetos, mas sim uma tentativa, maniqueísta, de estabelecer as diferenças políticas entre bem e mal. Milei é um falastrão e costuma destratar seus inimigos políticos com adjetivos pesados, como ‘ratas imundas’, por exemplo, nem o Papa foi poupado dessa prática, ele o chamou, entre outras coisas, de “representante do maligno”, mas depois, em um encontro no Vaticano, levou biscoitos e se desculpou. Milei é um típico produto argentino da Extrema-Direita que promove o ultra neoliberalismo e, como partícipe da ditadura que foi, é intransigente. Pretende implodir o Estado para firmar um governo calcado, apenas, nos negócios, onde o serviço público de qualidade e de interesse coletivo não existirá.

A polarização avança pelo mundo e com isso a contaminação se torna inevitável, radicalismos são declarados todos os dias nas redes sociais, onde pessoas sem nenhum conhecimento dos meandros da política se posicionam como se fossem especialistas, cometendo todo o tipo de equívocos em seus comentários, quase todos eles baseados em fake news e recheados de ódio, intolerância e sem nenhuma empatia. É como se boa parte do mundo estivesse gestando uma nova grande guerra, a que poderá ter consequências definitivas para a destruição da vida na Terra. Os discursos cegos para a razão e sem nenhuma proposta, que inclua projetos de inclusão social, erradicação da pobreza e proteção ambiental, se repetem de forma monocórdia. Lula é chamado, insistentemente, de “ladrão” pelos bolsonaristas, mesmo inocentado das falsas acusações que o levaram, injustamente, à prisão pela Operação Lava Jato. Não há diálogo neste nível, nem qualquer forma ou possibilidade de práticas políticas construtivas.

Exemplos dessa forma de pensar aparecem todos os dias, como o da vereadora de Porto Alegre, Mariana Lescano, do PP (Partido Progressista). Ela afirmou que a morte do Papa se tratava de uma “limpeza espiritual” que está acontecendo e que "quem não cumpre o chamado será retirado". Na Câmara Federal, o deputado Gustavo Gayer, do PL (Partido Liberal) de Goiás, fez piada sobre a morte do Pontífice, criando através de IA (Inteligência Artificial) uma imagem onde o ministro Alexandre de Moraes aparece como Papa, com os dizeres: “Moraes deu 24 horas para ser nomeado o próximo Papa”. A virulência do deputado é recorrente e suas práticas políticas, em relação aos seus adversários, leia-se inimigos, estão perpassadas por isso, incapazes de atingir um nível mínimo de humanidade. A repetição de frases e conteúdos com esse teor e em bloco fazem parte da estratégia neofascista, e o deputado Gayer, e outros, como Nikolas Ferreira, do mesmo partido, tem um único compromisso; reproduzir esse discurso sem trégua e sem qualquer razoabilidade. Nunca se viu um Congresso de um nível tão baixo.

O legado do Papa Francisco será testado em breve, no Conclave, que decidirá o nome do novo Papa. Não há Papas da África e da Ásia desde a Era Medieval, justamente onde o cristianismo católico tem crescido mais, o que seria um grande avanço para a Igreja Católica, mas há muitas forças contrárias a isso. Sempre houve forte oposição aos norte-americanos, porque representam o lado mais reacionário e arrogante da Igreja Católica, porém, são adversários poderosos, ainda mais com Trump na presidência. Vivemos tempos de discórdia e a presença de um Papa nos moldes de Francisco seria um alento para o mundo tão conturbado em que vivemos. Não existem maneiras de superar crises rapidamente, porque foram construídas através do tempo e da reafirmação de correntes de pensamento que se tornaram ideologias embrutecidas. São convicções equivocadas e distorcidas, mas que poderão levar o mundo a um abismo final, em função do poderio militar das superpotências. O Papa será enterrado no sábado, dia 26 do mês corrente, e depois, em 15 ou 20 dias começará o Conclave, mas até a fumaça branca sair da chaminé do Vaticano o legado do Papa continuará em compasso de espera.

Vinicius Todeschini 25-04-2025

Mais Notícias

    A carregar...
    Logo: Mirante TV
    mais vídeos
    mais fotogalerias

    Edição Semanal

    Edição nº 1713
    23-04-2025
    Capa Médio Tejo
    Edição nº 1713
    23-04-2025
    Capa Lezíria Tejo
    Edição nº 1713
    23-04-2025
    Capa Vale Tejo