O Julgamento - Iª parte
O Brasil se destaca, negativamente, de Chile e Argentina, entre outros, por anistiar golpistas, assassinos e torturadores, em pé de igualdade com os que foram presos, torturados e mortos por esses algozes. Os mortos pela Ditadura de 64, como o deputado federal Rubens Paiva, retratado no filme, “Ainda estou aqui”, vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro em 2025, é só mais uma das histórias macabras (seu corpo nunca foi encontrado) de uma das ditaduras mais violentas e cruéis da história, mas glamourizada pela maioria da elite.
Os empresários atuais foram criados por pais permissivos, muito diferentes daqueles que criaram seus pais e avós, rígidos na relação entre direito e dever. Ao contrário dos seus antepassados, os pais dos ricos e poderosos contemporâneos resolveram criar seus filhos com total liberalidade, porque deduziram que assim se tornariam seres menos angustiados e mais gratos aos seus progenitores. Ledo engano, porque os seus filhos se tornaram verdadeiros déspotas, radicalmente contrários à igualdade, à justiça social e ávidos por enriquecer sem qualquer contrapartida à sociedade. Um sintoma evidente do grau de desumanidade dos ricos e da classe média alta é o total desprezo pelo crescimento exponencial dos moradores de rua. O governador e empresário de Minas Gerais, Romeu Zema, por exemplo, comparou os carros estacionados em local proibido, que são guinchados, aos moradores de rua que, segundo ele, devem ser removidos, só não disse para onde. A classe empresarial apoiou Bolsonaro, maciçamente, usando o álibi do antipetismo, só para disfarçar a sua contrariedade com os avanços sociais promovidos pelo PT. Se o golpe tivesse se consumado, as privatizações e o fim das fiscalizações criariam o ambiente perfeito para um ultra neoliberalismo total, por isso os grandes empresários do agronegócio, cuja adesão foi total, consideram governos que protegem o meio-ambiente uma barreira aos seus interesses de crescimento.
O primeiro e o segundo dia do julgamento comprovam que as defesas não possuem argumentos capazes de desconstruir a peça de acusação feita pelo Procurador Geral da República, Paulo Gonet. Ele foi brilhante na composição desse trabalho e quase nada se pode dizer ao contrário, além de pontuações anódinas e estéreis, ao que foi posto na peça de acusação. Tudo se encaminha para que o ‘Congresso do Atraso’, onde a composição das bancadas do agronegócio, dos evangélicos, da bala (armamentistas) e Centrão (leia-se oportunistas a serviço dos seus próprios interesses), formam a maioria, tente salvar a pele dos acusados. É realmente aterrador constatar diariamente do que são capazes esses deputados e senadores para defender o indefensável e lutar, apenas, por seus interesses e dos seus patrões. A PEC da Blindagem, que tornaria cada congressista inatingível pela Justiça, desde que se mantenha nessa condição, a PLP – Projeto de Lei Complementar, que na prática enfraquece a Lei da Ficha Limpa para favorecer políticos que já foram condenados, criada por Dani Cunha, filha do ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha, responsável direto pelo golpe contra a presidenta Dilma, e o famigerado Projeto da Anistia (de novo na pauta) reprovado pelo povo em todas as pesquisas, são mais que suficientes para comprovar o total descompromisso do atual Congresso com a sociedade brasileira e com a democracia.
O relator da ação penal contra os golpistas, ministro Alexandre de Moraes, foi enfático em sua fala, na abertura do julgamento, e afirmou que “a impunidade” não é uma opção e que se deve aplicar as leis e fortalecer as instituições democráticas como forma de criar um Estado Democrático de Direito capaz de enfrentar as tentativas de desconstruir a democracia, aplicando as devidas leis e que isso não deve se confundir -como se fez até hoje- com “a covardia do apaziguamento”. Nenhum advogado questionou a legitimidade do julgamento e todos foram na mesma linha: tentar excluir o seu cliente do grupo criminoso responsável pela operação fracassada. Esta colocação “a covardia do apaziguamento” é um recado direto ao ‘Congresso do Atraso’ que, através da Oposição, insiste em uma Anistia para salvar os golpistas, mas principalmente, Jair Messias Bolsonaro, o ditador fracassado. O Brasil se destaca, negativamente, de Chile e Argentina, entre outros, por anistiar golpistas, assassinos e torturadores, em pé de igualdade com os que foram presos, torturados e mortos por esses algozes. Os mortos pela Ditadura de 64, como o deputado federal Rubens Paiva, retratado no filme, “Ainda estou aqui”, vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro em 2025, é só mais uma das histórias macabras (seu corpo nunca foi encontrado) de uma das ditaduras mais violentas e cruéis da história, mas glamourizada pela maioria da elite.
Os empresários brasileiros, em sua maioria, sempre apoiaram uma ordem que beneficia os negócios a despeito da injustiça social e da desigualdade permanente no país, um exemplo disso é o Judiciário do Rio Grande do Sul, que diminuiu as penas dos causadores do incêndio da Boate Kiss, na cidade de Santa Maria, responsáveis por ceifar as vidas de 242 jovens, colocados em uma ratoeira sem suspeitar de nada. Nunca puniu os responsáveis diretos e indiretos pela liberação do prédio para a sua atividade-fim, como o Corpo de Bombeiros, os fiscais, o secretário da pasta responsável e o prefeito Cézar Schirmer, que autorizaram o funcionamento da boate. O ex-prefeito, depois disso, ocupou o cargo de secretário de Segurança Pública do estado, no governo de José Ivo Sartori, e, atualmente, é o secretário de Planejamento de Assuntos Estratégicos de Porto Alegre, governada pelo bolsonarista Sebastião Melo. É este espírito elitista, corporativista e seletivo em privilégios e punições que mantém a sociedade brasileira no estágio em que está, ou seja: muito abaixo de qualquer expectativa mínima de justiça e igualdade. Por estas e outras coisas que, Alexandre de Moraes, é tão atacado, porque enseja em suas ações uma noção básica de igualdade na aplicação das leis, o que contraria o senso comum dos ricos e poderosos do país.
Vinicius Todeschini 03-09-2025