Crónicas do Brasil | 22-09-2025 16:49

O caos como objetivo

Vinicius Todeschini

A ideia de um Estado substituído por uma corporação está no âmago de vários dirigentes das grandes corporações que possuem ambições políticas, onde a democracia é simplesmente um empecilho às suas ambições. Elon Musk declarou ao Wall Street Journal: “o governo é simplesmente a maior corporação”. No baile da vitória de Trump os defensores dessa ideia eram os convidados especiais.

Nada mais paradoxal que as previsões dos espiritualistas para o novo século e a realidade que se mostra. As novas tecnologias digitais, principalmente as redes sociais, trouxeram novas possibilidades para o que é chamado de ‘Iluminismo Sombrio’. Para entender a sua gênese teremos que fazer uma digressão até o início do século XX e ver como isso se encaixa aos novos tempos como uma luva. Filippo Tommaso Marinetti foi um panfletário italiano que criou as bases da ideologia que Mussolini iria cristalizar e batizar com o nome de fascismo, palavra derivada de fasces, que em italiano significa feixe de vara, um movimento autocrático baseado na força, na opressão aos adversários políticos e em um ultranacionalismo reacionário. A palavra surgiu como derivação desse termo e se transformou em símbolo de antidemocracia e de golpismo. Marinetti escreveu um tratado, “Fundação e Manifesto do Futurismo”, em 1909, onde está escrito: “Destruiremos os museus, bibliotecas e academias de todos os tipos”.

A influência de Marinetti sobre Mussolini é notória e os paralelismos com o movimento onde, Curtis Yarvin, engenheiro de software e blogueiro é vanguardista, são claros. A ideia principal que sustenta todo o movimento é a substituição da democracia por um regime dirigido por uma corporação técnica, como as Big Techs atuais, condensadas no acrônimo GRAFAM; Google, Apple, Facebook, Amazon e Microsoft. O ditador do mundo seria o ‘CEO’ da empresa que administraria o planeta como uma corporação autoritária, onde a hierarquia estaria perfeitamente definida e estanque, porque, segundo Yarvin, “os humanos se encaixam perfeitamente em estruturas de dominação-submissão”. A estruturação em castas e a maior parte da população manipulada por algoritmos seria definida pelas poderosas corporações, unidas em uma só, e a democracia se tornaria apenas uma pálida lembrança de tempos idos ou uma utopia ao revés que se rebusca no passado. A ideia de um Estado substituído por uma corporação está no âmago de vários dirigentes das grandes corporações que possuem ambições políticas, onde a democracia é simplesmente um empecilho às suas ambições. Elon Musk declarou ao Wall Street Journal: “o governo é simplesmente a maior corporação”. No baile da vitória de Trump os defensores dessa ideia eram os convidados especiais.

Modernismo reacionário, autoritarismo cibernético, fascismo ideológico, enfim há uma gama de possibilidades para se denominar esse flagelo moderno, que promete implodir o Estado e substituí-lo por uma corporação que comandará a todos através de algoritmos. A frase de Yarvin a seguir é emblemática e explica o porquê das perseguições do governo Trump às universidades. "Como a universidade é o coração do antigo regime, é absolutamente essencial para o sucesso de qualquer mudança de regime que todas as universidades credenciadas sejam liquidadas física e economicamente". A luta não é só contra as universidades, mas contra qualquer instituição de cunho humanista, seja educacional ou midiática, que ele define como, “A Catedral”, que seria um impeditivo aos executivos de terem plena liberdade para impor os seus métodos corporativos, onde a vida humana é reificada e o Estado se transforme, tão somente, em um balcão de negócios imobiliários em altíssima escala. Aqui em Porto Alegre temos uma amostra disso, principalmente, no novo Plano Diretor que prevê o adensamento da área urbana central da cidade, o que trará graves problemas a curto, a médio e a longo prazo à cidade.

A condenação de Bolsonaro desagradou profundamente a Extrema-Direita mundial e as reações, partindo, principalmente dos EUA, já começaram. São ameaças de um governo despótico, disposto a tudo para fechar o regime e se manter indefinidamente no Poder. Trump não apeará da sela da presidência a não ser que seja colocado em uma cela de cadeia junto com os seus celerados, porque ele está disposto a tudo para firmar um regime autoritário e acabar com a democracia em seu país. O desdém inicial dos analistas políticos sobre as primeiras ações de governo Trump já foram substituídas, há um bom tempo, por uma apreensão real, prestes a se transformar em medo total, diante do desejo e da capacidade beligerante desse governo. Marinetti afirmava: "a guerra é a higiene do mundo", por isso não é mais jocoso assistir o caricatural presidente norte-americano falando pelo canto da boca com a sua voz peculiar e disparando barbaridades e diatribes ao mundo, essa fase já passou, definitivamente.

É preciso despertar para os novos tempos, porque o mundo se aproxima perigosamente do caos que tanto interessa à Extrema-Direita. As manifestações do último domingo, Brasil afora, demonstram que, lentamente, as pessoas estão acordando para o fato da impossibilidade de se ficar impassível diante do esboroamento das próprias bases que sustentam a civilização. Os tuítes de Trump, "Aquele que salva seu país não viola nenhuma lei" e, "Vida Longa ao Rei!", em seu aplicativo de mídia social Truth Social, prenunciam de forma evidente o que Yarvin escreveu, "nenhuma marca ou edifício pode sobreviver”. Curtis Yarvin acredita na Revolução Borboleta, que daria plenos poderes aos EUA, privatizando o Estado e concentrando todo o Poder em uma única organização e nas mãos dos executivos a direção do país, até o domínio completo do mundo. O delírio de uma mente doentia se espalhou, assim como aconteceu com o nazismo e o que era aparente divagação de grupos extremistas viralizou e se transformou em uma doença mundial, que contamina parte do planeta e cujo único antídoto é a luta sem trégua contra isso.

Vinicius Todeschini 19-09-2025

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