O Rio de Janeiro continua lindo
O Poder de alguns estados está na mão da escória política desse país e as escolhas feitas por estes governantes vai sempre na mesma direção: montar verdadeiros grupos de extermínios com o beneplácito do Estado e os aplausos da classe média, que odeia os pobres mais que os ricos, que têm um desprezo indiferente pelos excluídos. O Rio de Janeiro, assim como São Paulo, os estados mais influentes do Brasil, são incansáveis em dar exemplos de intolerância e de desprezo pela vida humana, tratam os animais, chamados atualmente de pets, como filhos e os miseráveis como animais sarnentos.
Nos anos 70 do século passado, no Instituto Penal Cândido Mendes em Ilha Grande, a cerca de cem quilômetros da capital fluminense, o regime militar decidiu misturar presos comuns a presos políticos e assim, bandidos sem nenhuma formação acadêmica, foram evoluindo, geração após geração, em solo fértil -o solo da desigualdade e da injustiça perpetuadas por um escravidão ressignificada na perpetuação da miséria, por séculos de omissão do Estado. A transformação da escravidão em cidadania nunca aconteceu completamente por aqui e desse miasma tropical fermentaram as organizações criminosas, como o poderoso Comando Vermelho. Os cidadãos das periferias do Rio Janeiro que sublimaram seu ódio secular em sambas e pagodes, em marchinhas de carnaval e funk (uma estética que reflete a realidade da ética vigente, uma alquimia tropical digna dos piores anjos caídos), aceitaram de alguma forma os papéis que que lhes destinaram os poderosos, outros, porém, aderiram à guerra civil não declarada. São esses que fornecem mão de obra para o crime organizado, carne mestiça e barata com curto prazo de validade e facilmente substituíveis. O massacre perpetrado pela polícia do Rio de Janeiro que matou, até agora, 121 pessoas é apenas mais um capítulo dessa guerra civil nunca declarada e sem perspectiva de um final.
Josep-Achille Mbembe, historiador e filósofo camaronês, definiu a necropolítica como a expressão máxima de soberania, onde os donos do Poder decidem quem pode viver e quem deve morrer. Estar no controle das vidas humanas é a definição máxima desse Poder. A Extrema-Direita brasileira prega e pratica esta política de extermínio e não tem nenhum interesse na reconquista social dos territórios marginalizados, ao longo do tempo, pelo neocolonialismo das elites brasileiras. O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, pode dar aula sobre isso porque, no estado que governa, comandou, recentemente, chacinas na Baixada Santista. Já os governantes do Rio são um caso à parte: dos últimos 6 governadores, 5 foram presos, somente Wilson Witzel, do qual o atual governador, Cláudio Castro, era o vice, foi afastado do cargo. A batucada do Rio de Janeiro ecoa no Brasil inteiro; o samba torto virou funk de baile e a batida perfeita nunca foi encontrada. Misérias acumuladas em camadas soterraram a dignidade de muitos, que vivem como siris, agarrados ao rochedo na esperança da tempestade amainar. Não há saída fácil, nem luz no fim do túnel, a não ser a que corre em alta velocidade na direção contrária.
O Poder de alguns estados está na mão da escória política desse país e as escolhas feitas por estes governantes vai sempre na mesma direção: montar verdadeiros grupos de extermínios com o beneplácito do Estado e os aplausos da classe média, que odeia os pobres mais que os ricos, que têm um desprezo indiferente pelos excluídos. O Rio de Janeiro, assim como São Paulo, os estados mais influentes do Brasil, são incansáveis em dar exemplos de intolerância e de desprezo pela vida humana, tratam os animais, chamados atualmente de pets, como filhos e os miseráveis como animais sarnentos e assim as ruas são cada vez mais tomadas pela indigência. O cerco do ultra neoliberalismo ao Setor Público permite antever o seu escopo, que é o de deixar o povo sem nenhuma proteção para que não possa, através dos seus filhos, concorrer com os filhos dos mais abastados. As universidades públicas são frequentadas, quase em sua absoluta maioria, pelos filhos dos ricos e da classe média, além disso, odeiam o sistema de cotas e querem acabar com ele, assim como todos os programas sociais que mitigam a tragédia social brasileira. A única força que separa o povo da tragédia total é, justamente, quem eles mais odeiam, o presidente Lula. O PT e seus aliados ainda conseguem através de políticas conjunturais manter programas que retiram pessoas do mapa da fome e sustentam alguma mobilidade social, nada mais que isso.
A criação de fatos políticos, distorcidos, maximizados e midiatizados pelos grandes veículos de comunicação e pelas redes sociais é a única forma que a Extrema-Direita possui para sustentar o seu apartheid contra o povo pobre e mestiço. A violência contra as comunidades é a maneira da Casa Grande mostrar à Senzala quem ainda manda no país. Não é nada diferente, em termos de crueldade, do que Darwin observou em Recife e no Rio de Janeiro, nos tempos da escravidão, e que ele, indignado, anotou em seus escritos. Atualmente, alguns estados brasileiros maximizaram os métodos de extermínio dos esquadrões da morte da década de 1960, que eram financiados por empresários e onde quadros do judiciário, da polícia civil e da polícia militar atuavam. Usando as forças de repressão do Estado como milícias e não como polícias, que têm protocolos para prender criminosos e preservar a vida humana, as polícias do Rio e São Paulo, principalmente, invadem atirando e montam tocaias, assim como aconteceu nessa chacina do Complexo da Penha. A escravidão se perpetuou em novas formas e significados, mas todos remetem à mesma condição: a exploração do homem pelo homem, como se existissem pessoas nascidas para serem escravas e outras não. Nada genético determina isso, no entanto, as estruturas montadas e solidificadas pelos poderosos permite, isso sim, antever o destino de cada um que nasce nesse país, como disse Cazuza: “E assim nos tornamos brasileiros/Te chamam de ladrão, de bicha, maconheiro/Transformam o país inteiro num puteiro/Pois assim se ganha mais dinheiro”.
Vinicius Todeschini 03-11-2025


