Crónicas do Brasil | 09-03-2022 15:50

A Roleta Russa (enquanto isso no Brasil…)

Vinicius Todeschini

Putin parece encarnar o espírito dos fatalistas românticos ao desequilibrar ainda mais a frágil geopolítica do leste europeu. Há pouco mais de 80 anos uma guerra mundial começou de forma muito parecida e com os mesmos subterfúgios para invadir e anexar territórios.

A roleta russa tem origem incerta, mas lendas a esse respeito remetem aos russos, embora a única referência na literatura russa, propriamente dita, esteja em um livro intitulado “Um Herói de Nosso Tempo”, escrito por Mikhail Lérmontov, representante importante do romantismo russo e influenciado por Byron. Morreu em um duelo, ou seja; viveu a sua própria lenda. O seu livro foi traduzido por Vladimir Nabokov, o autor de “Lolita”, em 1958. Putin parece encarnar o espírito dos fatalistas românticos ao desequilibrar ainda mais a frágil geopolítica do leste europeu. Há pouco mais de 80 anos uma guerra mundial começou de forma muito parecida e com os mesmos subterfúgios para invadir e anexar territórios. Uma roleta russa é como Charlie Parker solando Anthropology depois de uma dose de heroína de procedência incerta ou como atravessar os Andes em um monomotor com pouco combustível esperando sobreviver, se houver uma queda, da carne congelada dos insepultos. A tragédia grega mostrava o terror das paixões humanas para despertar à compaixão da plateia aos náufragos desse mar desconhecido, mas a catarse purifica somente os que morrem de amor, só para mostrar que não existe vida depois da morte, nem compaixão dos desiguais. Não existe ensaio, só a própria estreia, mas, enquanto isso, no Brasil, o equívoco de muitos nos roubaram quatro anos de lenta evolução em troca de uma aventura, cujo roteiro e elenco já previa o retrocesso. Se Putin, que também é Vladimir, assim como Nabokov e Lenin, não tivesse ido para Dresden, em seus verdes anos, servir à KGB e fosse para Viena estudar Artes Plásticas? O mundo seria diferente agora? Ouso afirmar que não. Devemos temer os homens insignificantes e sua introversão, porque ali está sendo cozido em fogo brando o mais mortal dos venenos, ácido e tóxico como o cianeto. Agora o mundo já percebe com quem está lidando e todo ato de subestimação desse homem foi um desperdício sem registro e destinado ao epitáfio dos tolos.

Bolsonaro admira e se identifica com Putin, porque ficar no poder, indefinidamente, é o seu projeto e sede às instituições democráticas para limitar suas ações. Putin conseguiu eliminar de forma pragmática os seus oponentes, aliando os seus anos de KGB à sua total falta de escrúpulos (movido por uma ética da Guerra Fria). Bolsonaro é um sujeito tosco, mas esperto, esperteza que lhe permitiu usar, de forma estratégica, às fake news para chegar ao governo. Nos seus 27 anos de mandato não fez outra coisa, além de viajar em Feiras de Agronegócios, cooptando uma “clientela” pronta para empatizar com o seu reacionarismo manifesto. O Brasil nunca fez uma Reforma Agrária, a não ser em casos isolados, como a promovida pelo ex-governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, no Banhado do Colégio. Foi o primeiro projeto desse tipo implantado no país. Em 1961, Brizola criou o Instituto Gaúcho de Reforma Agrária – IGRA. Chegou a incluir uma fazenda de sua propriedade na Reforma Agrária, que formou o assentamento da Fazenda Sarandi, outra iniciativa sua. Mas políticos assim estão em falta.

A identificação de Bolsonaro com Putin poderia ser considerada algo razoável, historicamente, mas jamais ser comparada à de Getúlio Vargas por Mussolini, por exemplo, porque da Carta Del Lavoro saíram alguns fundamentos da CLT brasileira, mas também da Encíclica Rerum Novarum, da Igreja Católica, entre outros textos da época. Getúlio reviu sua posição e deixou anotado em seu diário a grande admiração que passou a nutrir pelo presidente americano Franklin D. Roosevelt, após conhecê-lo e entrar para o grupo dos Aliados. Em troca desse acordo com os americanos foi feita a construção da Siderúrgica Nacional de Volta Redonda, o que permitiu ao país se industrializar. É importante ressaltar que o Brasil vem sofrendo um processo de desindustrialização, desde os anos noventa, e privilegiando às commodities. Por isso o agronegócio no Brasil se tornou tão importante –politicamente- porque esses produtores ricos e poderosos se opõem a qualquer avanço social e desejam uma progressiva redução dos direitos dos trabalhadores, prática comum dos governantes atrelados a esse setor. A acumulação de riqueza por parte de um pequeno grupo não é exclusividade brasileira, mas por aqui as diferenças entre os ricos e pobres é abissal e cresce dia a dia. A roleta russa é um jogo e tanto Putin, quanto Bolsonaro, tem pouco a perder, desde que a bala do tambor não esteja na câmara da vez quando eles apertarem o gatilho.
Vinicius Todeschini 08-03-2022
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