Crónicas do Brasil | 01-03-2022 09:59

Deterrência e a impenetrável espessura do ser 

Vinicius Todeschini

A invasão da Ucrânia pelo ex-agente da KGB, que está há mais de vinte anos no poder e se ressente pela extinção do império soviético, cria possibilidades infindáveis de comparação com outros líderes passados, como Adolf Hitler, por exemplo, em seu delírio maníaco de criar o III Reich.

“Mas o que pode valer a vida, se o primeiro ensaio da vida, já é a própria vida”. Esta frase de Milan  Kundera, escritor franco-tcheco cujo livro mais conhecido, ‘A Insustentável Leveza do Ser’, nos remete à questão que nunca se resolverá, porque a vida não permite ensaios e não se pode repetir o ato sem que  esse ato já seja outro e não aquele que se buscava consertar. O livro é ambientado em 1968, quando  aconteceu a invasão dos tanques russos em Praga, período batizado de “Primavera de Praga”. Existe  sempre um gosto de sarcasmo nas criações populares para batizar esses episódios em que os poderosos  impõem ao povo, pelo poder das armas, mais uma tragédia em suas vidas, mas como disse Kundera, é, justamente, as perguntas para as quais não existem respostas que marcam os limites das possibilidades  humanas. Não há saída para nós, os protagonistas de cada história criada de improviso e com perspectivas  pouco confiáveis. Estamos sempre no agora, enquanto o agora nunca é o mesmo.  

A invasão da Ucrânia pelo ex-agente da KGB, que está há mais de vinte anos no poder e se  ressente pela extinção do império soviético, cria possibilidades infindáveis de comparação com outros líderes passados, como Adolf Hitler, por exemplo, em seu delírio maníaco de criar o III Reich, expandindo o território da Alemanha, indefinidamente, pela Europa. O perigo atual não é mais iminente, ele está acontecendo agora e sendo transmitido e analisado ininterruptamente. O nazismo era um conceito estético para Hitler, havia uma ideia de transformação através da destruição e a criação de uma arquitetura sobre os escombros do velho mundo que ele tanto odiava. Shiva guiava os passos do cabo boêmio, como lhe  chamava, sarcasticamente, o Marechal Paul Von Hindenburg, que, por ironia, foi quem lhe entregou o poder na Alemanha. No caso de Vladmir Putin não existe um conceito estético definido, mas claramente uma  ambição desmedida e expansionista, porque nesse tempo que está no poder investiu fortemente na  modernização e no aumento do poderio militar russo. Ele também não é uma incógnita, mas um homem  oportunista e sem escrúpulos que por ter conseguido obter tanto poder e dinheiro se acha predestinado,  como tantos outros já se acharam na história da humanidade. Calcula-se que ele tenha uma fortuna  estimada em 46 bilhões de dólares, alguns falam de 100 bilhões, enfim, são muitos dígitos.

“Por trás de toda grande fortuna há um crime”, disse Balzac. E por trás de tanta sede de poder e  de sangue o que haverá? Existem muitas teses, como a de uma falta imensa, correspondente a isso, mas  talvez não haja nada para entender dessas figuras tragicômicas que arrastam multidões cegas e irreflexivas  para o abismo. Na impenetrável dureza desses seres, depois da espessura dos corpos e dos órgãos, lá no  fundo da escuridão do corpo, exista apenas o pulso indecifrável pulsando. Nada de significados, apenas os  significantes, porque os fatos são sempre os mesmos, rastros de sangue e cadáveres acumulados. 

O “ex-ator”, Volodymyr Zelensky, está agora desempenhando o maior papel da sua vida, como  presidente da Ucrânia. Não há ironia nesta afirmação, haja vista, que ele enfrenta um inimigo que também está representando um papel, só que mais antigo, e com um roteiro recheado de velhos clichês para  justificar à tomada de um país independente, no escopo de recriar o império soviético sob a égide da “mãe” Rússia. Por deterrência se entende uma ação que visa desencorajar alguém a agir e assim evitar a  necessidade de um enfrentamento. Os animais selvagens são bons em fazer isso, ao fazerem exibições  de agressividade para dissuadir um possível adversário a enfrentá-los realmente. Putin está fazendo isso  com uma ameaça nuclear. Se ele é louco o suficiente para iniciar uma terceira guerra mundial não se sabe,  pelo menos até o próximo ato, quando os atores voltarem ao palco. 

Vinicius Todeschini 28-01-2022

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