Crónicas do Brasil | 17-06-2022 06:59

O centro (Brasília) do des-governo

Vinicius Todeschini

Existem alguns documentos históricos que indicam que o primeiro estudo é de 1750, quando Marquês de Pombal pediu aos especialistas elementos técnicos sobre o local adequado para a localização da capital da então colônia de Portugal, e eles indicaram o Planalto Central, região onde Brasília se localiza.

A capital do Brasil foi criada para tentar conquistar o oeste e povoar o interior do país, que era de difícil acesso. Muitas outras ideias habitavam esse projeto e, entre elas, havia uma ideia mística baseada no sonho profético de Dom João Bosco. O padre italiano sonhou que viajava pela América do Sul, continente que jamais visitou. No sonho do clérigo ele atravessava vários lugares até chegar à região entre os paralelos 15º e 20º, ali estaria “à terra prometida” onde jorra leite e mel. Existem alguns documentos históricos que indicam que o primeiro estudo é de 1750, quando Marquês de Pombal pediu aos especialistas elementos técnicos sobre o local adequado para a localização da capital da então colônia de Portugal, e eles indicaram o Planalto Central, região onde Brasília se localiza.

Juscelino Kubitschek foi o presidente responsável pelo projeto da nova capital e pela sua inauguração. O conservador político mineiro do PSD, o maior partido da Quarta República brasileira, vinha de uma trajetória como prefeito e governador de Minas Gerais e tinha como slogan de campanha: 50 anos em 5. Entre golpes e contragolpes, o ministro da Guerra, Marechal Lott, autor do contragolpe ao golpe da UDN, conseguiu garantir a Posse de JK, que se elegeu com apenas 36% dos votos e assim, em 31 de janeiro de 1955, subiu ao poder aquele que viria a ser o presidente que se transformaria no símbolo da modernidade brasileira e, também, no responsável por ter destruído estruturas fundamentais para bancar o seu projeto de modernização do país. Ninguém sabe até o dia de hoje o real custo da construção da cidade e dos recursos da educação e da alimentação que foram raspados para garantirem o alto custo da obra. Outro erro foi a priorização das rodovias em detrimentos das ferrovias, o que a médio e a longo prazo mostrou-se desastroso para o país, hoje o Brasil depende praticamente dos caminhões e dos caminhoneiros, quase 85% dos grãos chegam aos portos assim. Em 2018 o país sentiu esta dependência e as suas consequências nefastas quando a maior greve da categoria paralisou o país, o prejuízo foi de mais de 50 bilhões.

O fato da capital ser deslocada para o centro geográfico do país a deslocou também do centro político que era o Rio de Janeiro (que nunca se recuperou completamente da perda desse status), próximo a Minas Gerais e São Paulo, principais núcleos políticos do país. O livramento da pressão popular das ruas facilitou a instalação de verdadeiras quadrilhas, organizadas apenas para saquear o erário. Criar manifestações em Brasília, mesmo atualmente, para pressionar a classe política é complicado, quem conhece a capital brasileira sabe o quanto isso é difícil, porque é uma cidade planejada e parece que também se ocuparam de garantir no projeto uma distância segura para a classe política em relação ao povo.

É evidente que JK fez muitas escolhas erradas, mas entre elas, salta aos olhos, o fato de não investir na indústria nacional, como fizeram Coréia e Japão, por exemplo, cujas indústrias automobilísticas estão entre as maiores do mundo. O erro maior, no entanto, foi não ter um projeto de colonização nas terras que estavam às margens das estradas, para garantir o assentamento dos milhares que se deslocavam para a capital em busca de oportunidades, porque em decorrência disso surgiram as periferias ao redor de Brasília que originaram as cidades satélites, criando todos os elementos para a miséria e a violência urbana nesta região. O Brasil nunca fez uma Reforma Agrária de grande porte, e iniciativas, como a do ex-governador Leonel Brizola, no Banhado do Colégio, entregando mais de 13 mil títulos de posse aos agricultores sem-terra, foram limitadas pelo golpe de 1964 que impossibilitou completamente iniciativas como essa.

Brasília e sua arquitetura, Brasília cidade sem esquinas, Brasília que precisou bancar o funcionalismo com inúmeras vantagens para que concordassem em viver em uma ilha cercada de sertão por todos os lados. Hoje se pode dizer que ainda é uma ilha, mas cercada por políticos e agregados que só ambicionam tirar uma lasquinha da grande ilha do Cerrado brasileiro. Não existe unanimidade neste tema, muitos acham que o Brasil estaria melhor se a capital nunca tivesse sido alterada, outros acham que o Brasil precisava tomar posse dos seus territórios de acesso mais difícil e que poderiam ser anexados por outros países fronteiriços, caso isso não acontecesse. Polêmicas à parte, Brasília é um fato que já não pode ser desconstruído, mas que precisa ser ressignificado para estar à altura da realidade brasileira. O que não será um processo fácil, porque os interesses antagônicos brasileiros encontram seu paroxismo no Planalto Central do Brasil. Dom João Bosco é reverenciado em Brasília, Juscelino Kubitscheck nem tanto.

Vinicius Todeschini 08-06-2022

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