Crónicas do Brasil | 18-03-2022 11:19

O maniqueísmo de última hora e o bode na sala

Vinicius Todeschini

Bolsonaro é uma excrescência que ninguém quer levar para casa, é o bode na sala que depois que sai todos acham que melhorou, mas, apenas, deixou de ser pior. As elites brasileiras sempre apostaram nessas figuras para manter o povo distraído das suas verdadeiras intenções.

O atual presidente em sua tentativa desesperada de se manter no poder, apela agora para o velho maniqueísmo, tentando trocar a tradicional dicotomia –esquerda/direita- por bem e mal. O nível dos seus apoiadores permite esse tipo de comparação. O Brucutu do capitalismo ocidental não sabe mais o que fazer, depois de todas as tentativas para criar um clima golpista que não funcionaram, ele agora apela para criar uma base extensiva ao fundamentalismo religioso mais atrasado do país. Por ironia, mas é claro de forma planejada, ele recebeu por iniciativa do seu ministro da Justiça, Anderson Torres, a medalha de mérito indigenista, logo ele, que já foi denunciado duas vezes pela APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), por práticas de “política anti-indígena”. Existem dois projetos do seu governo relacionados ao tema: o Projeto de Lei nº 191-2020 e o PL nº 490. O primeiro libera a exploração de minérios em terras indígenas e as suas consequências e o segundo praticamente inviabiliza a demarcação de terras indígenas.

Brasil é um país continental com disparidades regionais impressionantes e seria muito mais racional que fosse cinco países ao invés de um. Quem conhece bem o Brasil entenderá bem, tanto do ponto de vista geográfico, quanto cultural, o que isso significa, porque o fato de haver tantas disparidades regionais e a capital ser isolada, como uma ilha, no coração do país, propiciou um lugar para concentrar às más inclinações da nossa cultura. Justamente ali, onde se decidem os destinos da nação, é que os políticos estão mais livres de uma pressão forte e permanente do povo.

A cena política brasileira sempre teve figuras da direita completamente esdrúxulas, mas eram presumivelmente “inofensivas”. Houve o eminente cardiologista, Enéas, e o seu indefectível bordão: “Meu nome é Enéas”. Foi candidato à presidência três vezes e, como ele tinha pouquíssimo tempo no horário político, usava esse bordão para compensar. E pode-se dizer que funcionou, mas era algo folclórico e o povo brasileiro que já elegeu um rinoceronte chamado, Cacareco, para vereador ,na cidade de São Paulo, em 1959, com mais de cem mil votos, votou em Enéas para presidente, em 1994, e, muito embora, ele não fosse uma ameaça aos dois candidatos majoritários (ficou em terceiro lugar), fez uma votação expressiva e, tempos depois, acabou sendo o deputado federal mais votado por São Paulo, com 1,5 milhão de votos, arrastando consigo, pela regra brasileira, mais cinco correligionários, dois deles com menos de 500 votos. Por fim foi triturado pelo sistema e o suco que sobrou, dele e do seu projeto, não encheu uma taça.

“O Brasil não é para amadores”, disse Tom Jobim, verdade que o maestro era um grande frasista, mas o sentido dessa frase é atual. O Brasil é um país continental com disparidades regionais impressionantes e seria muito mais racional que fosse cinco países ao invés de um. Quem conhece bem o Brasil entenderá bem, tanto do ponto de vista geográfico, quanto cultural, o que isso significa, porque o fato de haver tantas disparidades regionais e a capital ser isolada, como uma ilha, no coração do país, propiciou um lugar para concentrar às más inclinações da nossa cultura. Justamente ali, onde se decidem os destinos da nação, é que os políticos estão mais livres de uma pressão forte e permanente do povo.

Bolsonaro é uma excrescência que ninguém quer levar para casa, é o bode na sala que depois que sai todos acham que melhorou, mas, apenas, deixou de ser pior. As elites brasileiras sempre apostaram nessas figuras para manter o povo distraído das suas verdadeiras intenções, mesmo que elas sejam óbvias para os bons observadores, mas ainda assim conseguem manipulá-la de tal forma que, bodes se sucedem em salas, enquanto o país não consegue superar seus problemas seculares de miséria e obscurantismo. O bode atual é o que cheira mais mal, porque não tem vergonha de declarar publicamente a sua psicopatia e seu ódio aos diferentes e a todos que desafiam seus valores hipócritas e a sua mente obtusa.

Em volta do buraco só tem beira e o Brasil acostumou-se a andar na beirada do buraco, como se achasse que viver bem não tem graça, por isso nunca houve uma revolta nesse país que mobilizasse às massas, como desejavam os velhos revolucionários, como Luís Carlos Prestes. Não bastasse isso, nunca se conseguiu manter um projeto educacional que pudesse transformar definitivamente o atraso e as velhas desigualdades que persistem indefinidamente. É nesse país que surgiram figuras como, por exemplo; Plínio Salgado, Jânio Quadros, Adhemar de Barros, Paulo Maluf, entre tantos, e é claro o pior de todos, que, por hora, está no poder. Como suas chances de reeleição diminuem dia a dia, ele tenta usar os evangélicos fundamentalistas e o seu maniqueísmo inerente para confundir, mesmo que já se saiba, na prática, o que significaria mais quatro anos com esse bode na sala e esse não é expiatório, apenas o bode do capitalismo mais bestial, a estética do seu governo reflete a sua ética. É melhor aprender alguma coisa com o sofrimento ou ele vai continuar. Já dizia minha avó: “Quando a cabeça não ajuda o corpo padece”.

Vinicius Todeschini 17-03-2022

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