O país que lembrou que tinha esquecido de lembrar
Mais de um terço do povo vive na aventura da sobrevivência de cada dia, subalimentado em um dos celeiros do mundo. Vejam vocês! Além de tudo isso, o país agora precisa se livrar do pior governante dos últimos tempos, que trouxe mais quatro anos de atraso ao país.
Estranho não lembrar, mas lembrar que esqueceu pode ser o primeiro passo para entender que o tempo não para e sem memória não há nada, além da estática vazia do momento. Um país gigante em território e sem um povo instruído e consciente do papel das instituições e das instâncias democráticas para mantê-las dinâmicas e atualizadas não se representa, por isso não existe. O Brasil encara o seu lento despertar por força das novas tecnologias digitais e os novos fenômenos sociais com redes imensas de pessoas conectadas distribuindo todo o tipo de informação.
O escritor Umberto Eco disse que a internet deu voz aos imbecis e, neste momento, existem legiões deles alimentando redes sociais com velhas novidades, agora digitalizadas, no entanto, existem vantagens inegáveis em ter à disposição tantas informações. O conhecimento, porém, exige mais esforço, porque não basta o contato superficial com o objeto cognoscível, é preciso estudá-lo para conhecê-lo, se não completamente, o que é impossível, pelo menos em parte. O uso indevido não é culpa da tecnologia em si, como o mal-uso de todas as anteriores não eram e foram usadas do jeito que foram, por isso é chover no molhado condenar cada nova tecnologia como se houvesse em sua imanência algum tipo de mal. Por fim, não podemos esquecer que existem bilhões de pessoas que ainda entrarão nas redes sociais.
O Brasil, durante muito tempo, foi submetido por uma lei esdrúxula que atrasou a sua entrada no mundo digital. A PNI-Política Nacional de Informática, foi instituída em 1984, no governo João Batista Figueiredo, e impunha sérias restrições para a importação de tecnologias estrangeiras, o que atrasou muito o país em TI. A tal lei só foi alterada em 1991, pela Lei Federal 8.248/91, que na prática acabou com a reserva de mercado e, finalmente, o país começou o lento processo de atualização. Até hoje se comemora como os únicos dois feitos do ex-presidente Fernando Collor que deram bons resultados, a quebra de reserva de mercado da informática e do mercado automobilístico.
O sofrimento brasileiro é a soma de duas partes justapostas que fazem com que o Brasil, mesmo mudando, permaneça sempre o mesmo. O fato de ter elites com uma mentalidade mesquinha e colonizada, que sempre viu o povo como inimigo e, do outro lado, um povo sofrido e alienado, que nunca viu essa mesma elite como inimiga, cria o mote perfeito para este enredo. Pela justaposição dessas duas constatações se criou uma tragédia gigantesca chamada Brasil e o que era para ser uma das maiores nações do planeta transformou-se nisso: um país dividido e à deriva, governado por um presidente eleito, mas que é o inimigo número um da democracia brasileira. Bebam tanta contradição!
“Não existe pecado do lado de baixo do Equado”r, disse Chico Buarque, o maior compositor brasileiro. Gênio indiscutível, Chico ironizou a situação como quem diz: bem, se não temos acesso às coisas, pelo menos que os pecados da carne sejam abençoados abaixo da linha do Equador e a miséria que nos condena não impeça que desfrutemos da diversão natural dos corpos em plena fricção. Por isso os estrangeiros acham os brasileiros tão alegres, na verdade não somos, mas se interditaram o nosso acesso a uma vida digna e com salários compatíveis, não conseguiram nos castrar dos prazeres naturais. A intuição nos guia diretamente a vida, mas há morte por toda parte no Brasil. A taxa de crimes não resolvidos é de 4 para 10 crimes cometidos e homicídios por causas fúteis totalizam 83%.
Se alguém quisesse contestar o que eu estou escrevendo teria que mostrar outro país, outra sociedade e não ofereceria ao bom observador o mesmo país que descrevo. O Brasil é um país diverso e sempre adiante das predicações e adjetivos que tentam lhe colar, mas o mal que está feito e posto na cultura atinge, principalmente, o povo. Sem acesso a uma educação que lhes redima e o cumprimento da garantia constitucional de uma vida sem miséria e doenças, mais de um terço do povo vive na aventura da sobrevivência de cada dia, subalimentado em um dos celeiros do mundo. Vejam vocês! Além de tudo isso, o país agora precisa se livrar do pior governante dos últimos tempos, que trouxe mais quatro anos de atraso ao país. A memória, no entanto, pode nos salvar, pelo menos da Samsara interminável dos mesmos erros.
Vinicius Todeschini 05-08-2022