Rita Ferreira tornou-se halterofilista às escondidas dos pais
Rita Ferreira viu a modalidade de halterofilismo pela primeira vez na televisão nos Jogos Olímpicos de 2016. Procurou um treinador pela Internet, às escondidas dos pais, e chegou à Académica de Coimbra, onde se sagrou bicampeã nacional no seu escalão. Estuda música no Conservatório de Santarém e quer fazer do saxofone e do desporto a sua vida.
É numa pequena divisão da casa que adaptou para espaço de treino, no primeiro andar, que Rita Ferreira, 18 anos, treina halterofilismo. Conta-se pelos dedos o número de atletas da sua idade a praticar a modalidade em Portugal e dentro de dois anos espera estar a competir com seniores a nível nacional, onde há mais competitividade. Foi através da venda de rifas, donativos e dinheiro do próprio bolso que a halterofilista da Académica de Coimbra, natural do Cartaxo, participou este ano no mundial de juniores em Espanha. Em competição está a levantar 70 quilos na prova de arranque e 87 na prova de arremesso.
O primeiro contacto com a modalidade foi através da televisão numas férias em família em que estavam a transmitir os Jogos Olímpicos 2016. Começou a ver crossfit e em 2021 ou 2022 decidiu experimentar. O que gostava mais era de levantar pesos e contactou um treinador nas redes sociais às escondidas dos pais. É o seu actual treinador na Académica de Coimbra, clube que representa desde 2022 e que ajuda com as despesas de deslocações e fisioterapia.
Rita Ferreira fez o seu percurso desportivo até 2020 no Ateneu Artístico Cartaxense, onde, com um ano e meio, ia à ginástica com os pais. Chegou a ir a um mundial de tumbling na Rússia e já na altura se deparou com a falta de apoios. No halterofilismo é ainda mais difícil, conta. Os atletas são obrigados a ficar quatro noites todos alojados no mesmo hotel para o controlo anti-doping, e é o atleta ou o clube que suporta a despesa, além da inscrição e taxa anti-doping que é de cerca de 300 euros por competição. Numa prova em Espanha a despesa ficou em cerca de 2.000 euros para Rita e o seu treinador e no europeu sub-17, na Moldova, ultrapassou esse valor. A ideia será “acalmar as competições” este ano para não sobrecarregar o corpo e a carteira, diz a jovem bicampeã nacional, nono lugar no europeu e 21º no mundial.
O material que tem em casa é emprestado pelo treinador para não ter de acordar às 06h00 da manhã para ir treinar para o ginásio antes das aulas, como fazia no ano passado, em que treinava cinco vezes por semana. Sente-se bem com o seu corpo, saudável e não teme que fique masculinizado porque “são precisos mais de 10 anos de treino e ir buscar anabolizantes”. É reconhecida na rua e recebe comentários como “deve ser muito forte” ou “braços de ferro”, mas nunca sentiu que fossem maldosos, embora fique desconfortável com algumas abordagens mais invasivas, revelando que foi o pai o mais reticente a iniciar a modalidade.
Rita Ferreira explica que nas competições há três tentativas e a “pressão enorme do público” fá-la sentir empoderada e aumenta-lhe a confiança. Recomenda a modalidade às crianças que “não vão começar logo a levantar pesos, começam pela técnica”, ajudando na coordenação motora, “explosão” e saber mexer o corpo, como puxar e saltar.
A arte de conjugar o desporto com a música
A jovem foi notícia em 2023 por lhe ter sido negada a possibilidade de realizar o exame nacional de inglês em época especial, cuja prova oral coincidia com o europeu de halterofilismo. O motivo: o facto de a Federação de Halterofilismo de Portugal não ter estatuto de utilidade pública desportiva que lhe conferiria direitos como atleta. É estudante do ensino articulado na área da música em Santarém. Até ao 9º ano estudou nas escolas do Cartaxo e no 10º passou a frequentar a Escola Secundária Dr. Ginestal Machado, em Santarém, e o Conservatório de Música de Santarém.
A música surgiu no 5º ano de escolaridade quando ingressou na Sociedade Filarmónica Incrível Pontevelense, passando depois pelas bandas da Ereira e do Cartaxo, chegando a frequentar as três em simultâneo. O saxofone foi escolha da mãe, enfermeira, e o irmão encontra-se a terminar a licenciatura em produção musical no Porto. O pai é electricista e pertenceu a um grupo de música, o avô à fanfarra dos bombeiros e teve familiares em bandas militares, carreira que pondera seguir, para poder conjugar o desporto com a música. Com o exame de inglês já feito, no próximo ano irá realizar o de português para entrar na universidade na vertente de performance de saxofone, em Lisboa, Porto, Aveiro ou Amesterdão, onde tem família. Enquanto isso, e para ajudar a sustentar o halterofilismo e a família, candidatou-se a um estágio renumerado do ISLA Santarém para um projecto que visa manter os monumentos abertos e recolher dados sobre os visitantes.