Sandro Lopes é o senhor que se segue no comando dos bombeiros da Póvoa de Santa Iria
Ao fim de três décadas, António Carvalho deixou o comando dos Bombeiros da Póvoa de Santa Iria e Sandro Lopes, de 42 anos, é o senhor que se segue na liderança da corporação.
Tomou posse em Julho e é um povoense de gema. É um homem que lida mal com as injustiças e a falta de valores e diz que os bombeiros devem ser um exemplo para a sociedade. É pessoa recatada que confessa não gostar de palco. O elevado valor das rendas de casa na Póvoa de Santa Iria levou-o a mudar-se com a família para Vialonga mas não nega às suas raízes.
Os meus pais são de Cabo Verde mas nasci em Vila Franca de Xira. Sempre morei na Póvoa de Santa Iria e considero-me um povoense de gema. A infância que tive aqui não tem nada a ver com a dos meus filhos. Passava os verões na rua a brincar. Guardo excelentes memórias desses tempos. Vivi na zona da Bolonha, onde toda a gente se juntava no ringue. Fazíamos os jogos que hoje já não se usam, o da macaca, às escondidas, os berlindes, vivi essas brincadeiras todas. Era completamente diferente, havia outro sentimento de vizinhança, toda a gente se conhecia. Antigamente havia mais bairrismo na Póvoa. Toda a gente se dava bem mas era giro ver o orgulho que tínhamos em dizer que éramos da Bolonha, da Quinta da Piedade ou dos Caniços. Tínhamos um bairrismo diferente.
A minha filha mais nova nasceu há dois anos dentro de uma ambulância, durante o Colete Encarnado. Coincidiu já na altura com os problemas nas maternidades. Tenho um irmão, sou casado e tenho três filhos. A família e os meus filhos são o meu maior orgulho. Tento incutir-lhes valores de vida para que eles venham a ser boas pessoas no futuro. Perceberem que independentemente de terem muito mais do que eu tive quando tinha a idade deles, que as coisas têm de se conquistar e que a vida é uma luta constante. Como nunca tive muito, sei dar valor a tudo o que tenho. Hoje é tudo descartável e não quero que eles vejam a vida dessa forma. Quero que dêem valor ao que têm. Espero deixar a minha marca e deixar os meus filhos orgulhosos do pai que têm.
O mercado imobiliário na Póvoa é totalmente insustentável. Por muito que goste da cidade não encontrei nenhuma casa à minha medida e mudei-me para a zona de Vialonga. Mas não nego as minhas origens e considero-me povoense. Precisamos de melhorar na cidade o condicionamento de trânsito. Temos muito trânsito dentro da Póvoa e precisamos de criar um verdadeiro acesso à A1 ou então o prolongamento do IC2 como está programado. Acumulamos muitos carros na cidade e não há necessidade disso.
Quando era pequeno quis ser fotógrafo ou engenheiro. Hoje costumo dizer que aqui nos bombeiros tenho dois ordenados: o que recebo financeiramente e o que ganho por fazer o que gosto. Gerir pessoas é desafiante e ser bombeiro é preservar os valores da integridade e respeito pelo próximo. Esses valores estão a perder-se. Aqui damos de nós e ajudamos pessoas que não conhecemos. Às vezes basta dar uma mão, uma palavra amiga, ajudar num momento de aflição. Estamos sempre nos piores momentos das pessoas. Eu não me vou lembrar desse dia, mas a pessoa que ajudámos nunca mais se esquecerá. Isso é o principal: dar uma imagem positiva e de conforto às pessoa, respondendo à chamada da melhor maneira que conseguirmos.
Nunca me vi no papel de comandante. Não vou dizer que não tenho ambição ou que não fosse algo que gostasse de fazer, mas sinceramente nunca me vi a assumir esta posição. Estava muito confortável como adjunto de comando. E sei que ainda não fui colocado à prova. Mas sei que mais tarde ou mais cedo isso irá acontecer e terei de tomar as decisões polémicas e ter a atitude correcta. Suceder ao António Carvalho é muito difícil. Ele ensinou-me muito aqui dentro, não apenas sobre os bombeiros mas sobre a vida. Sou uma pessoa recatada e nunca gostei de me expor. Gosto mais de apresentar trabalho do que ter visibilidade. Não aprecio o palco.
Vim para os bombeiros pela mão da minha mãe que é bombeira desde 1983. Foi aí que nasceu esta paixão. Quando ela entrava ao serviço eu vinha com ela e ficava a acompanhá-la durante o dia, na central ou a vaguear pelo quartel e a conviver com o pessoal. Entrei na fanfarra e aos 14 anos entrei como cadete, foi aí que comecei a fazer serviços. Quando fiz 18 anos já era bombeiro de terceira. Depois fui convidado pelo António Carvalho em 2005 para fazer parte do comando. Fui promovido a adjunto-comando em 2008.
A cidade pode confiar nos seus bombeiros e no seu novo comandante. Estou com o mesmo espírito de missão. Algumas pessoas conhecem-me quando vou ao café, mas a maioria não. A Póvoa é hoje uma grande cidade. Até no nosso corpo de bombeiros temos muita gente que vem de fora, de Coruche, Alenquer, etc... Ainda assim sinto que a comunidade me acolheu de braços abertos. O meu principal desafio nestas novas funções é manter o corpo de bombeiros operacional. Termos pessoas disponíveis, que é o maior problema hoje. Felizmente tenho os voluntários que preciso. Não tenho na quantidade que precisava, mas tenho uma boa equipa.
A lealdade, respeito e compromisso são os valores que mais prezo na vida. Tira-me do sério a falta desses valores. E lido mal com as injustiças. Os bombeiros deviam ser estruturas mais profissionalizadas e os voluntários deveriam estar aqui como estão num part-time, sendo remunerados para cumprirem com a parte que lhes compete. Se assim fosse até podíamos aumentar o nível de exigência. Embora haja alguns incentivos ao voluntariado não é suficiente para o que as pessoas passam no dia a dia. O que as pessoas precisam é de meter comida na mesa para a família. Mas não nos podemos esquecer que os voluntários não aparecem só por causa dos apoios. É preciso gostar da causa e estar disponível para ajudar o próximo.
Tenho vários serviços que me marcaram e nem todos pela positiva. O que mais me marcou foi o acidente com um camião carregado de combustível para aviões na A1, que se despistou e se incendiou nas Bragadas [em 2008 e que resultou na morte de duas pessoas, incluindo o motorista do camião]. Causou-me imensa impressão. As Bragadas pareciam em estado de sítio. Era como se tivesse caído uma bomba. O motorista estava totalmente queimado com queimaduras profundas. Nunca mais me esqueci. Também mexeu comigo uma criança que fomos buscar ao Hospital Dona Estefânia que tinha imensos problemas de saúde numa altura em que eu ia ser pai. Foi difícil. Mas todas estas vivências permitem-me valorizar a vida de outra forma e ver sempre o copo meio cheio e ser optimista face ao futuro.