A imprensa local e regional devia ter mais apoio do Estado

O MIRANTE é um jornal com 38 anos que cumpre um serviço público sem que para isso alguém nos tenha mobilizado. Fomos nós que nos metemos ao caminho, e aqui estamos a prestar contas do nosso trabalho (...) O jornalismo é um negócio em crise mas a culpa não é do jornalismo, é de quem tenta meter-se onde não deve e influenciar o que não é influenciável.
Cada ano que passa é mais fácil subir a este palco mas é mais difícil comunicar sem falar no drama que vivemos todos os dias que acentua uma certa desigualdade e iliteracia que nos parece ser contrária às lógicas dos tempos em que vivemos.
Esta cerimónia decorre numa altura em que o jornalismo, nomeadamente o jornalismo televisivo, se é que merece esse nome, está na primeira linha de uma crise política que só serve os interesses de quem anda a gozar com quem trabalha.
Não quero deixar aqui a ideia de que estamos todos habituados a este circo mediático, mas sim a convicção de que estes episódios que já duram desde a queda da ditadura, vão acabar mais cedo ou mais tarde, espero que mais cedo que tarde, porque viver em democracia e em liberdade, com as instituições democráticas normalizadas, é como ter uma família feliz embora saibamos que há dias melhores e piores. O que está a acontecer em Portugal é um pouco a nossa vergonha que temos que atacar com os nossos melhores políticos, empresários e cidadãos que não se demitem da sua responsabilidade.
O MIRANTE é um jornal com 38 anos que cumpre um serviço público sem que para isso alguém nos tenha mobilizado. Fomos nós que nos metemos ao caminho e aqui estamos a prestar contas do nosso trabalho, todos os dias e todas as semanas e, às vezes, em iniciativas como esta que são um orgulho para quem escreve o jornal mas também para quem é nosso aliado. O jornalismo é um negócio em crise mas a culpa não é do jornalismo, é de quem tenta meter-se onde não deve e influenciar o que não é influenciável.
O MIRANTE pode considerar-se uma excepção porque somos literalmente um jornal fora da caixa, longe dos poderes da Capital, um pouco à margem do sistema, sem ignorarmos que ninguém vive numa bolha, e que também somos parte do sistema quer queiramos quer não. Esta ousadia de atribuir prémios não é para cantarmos de galo. É para assumirmos uma responsabilidade que sabemos não poder entregar a mais ninguém.
De ano para a ano, percebemos melhor o quanto os nossos prémios unem as pessoas ao nosso projecto, ao nosso território; fazem aumentar as nossas responsabilidades na relação com os leitores e anunciantes e, acima de tudo, responsabilizam-nos perante aqueles que, não precisando do nosso trabalho, sabem que indirectamente beneficiam dos frutos que colhemos ao sermos a voz de uma região que, sempre que os seus políticos se distraem ou são menos competentes, perde fundos, perde futuro, sai do mapa de Portugal e da Europa, ou seja, é desconsiderada por quem domina o poder e tem a faculdade de exercer a descriminação no pior sentido da palavra.
Há muitos anos que o jornalismo de proximidade é mal compreendido e entendido. Digo mais: há muitos anos que a aposta no jornalismo de proximidade é uma falha do nosso sistema democrático. Alimentar televisões e jornais que escrutinam apenas o trabalho dos deputados e dos governantes é um erro, igual a fazer a gestão de um país apenas com militares da GNR e da PSP e autoridades tributárias e aduaneiras. Embora não seja jornalista falo com eles todos os dias, para usar uma expressão popular usada regra geral noutras situações e com um sentido diferente. A grande diferença entre quem administra um órgão de comunicação social e um banco ou uma papelaria é o sentido de missão. Jornalismo é um negócio que dá lucro se o trabalho for bom, como na literatura, nas artes plásticas, no teatro, na música, no bailado e em tantas outras actividades que nos diferenciam e que são igualmente formas de valorizar um país, um povo e a sua cultura. É por isso que o Estado tem de ter mecanismos para garantir que os "cães de guarda" da democracia, como alguém já chamou aos jornalistas, não fiquem sempre dependentes de uma profissão permanentemente na corda bamba, devido à interferência da classe política ou da classe empresarial que tenta dominar o sistema em nome da classe política.
Não quero falar mais deste assunto, mas não quero perder a oportunidade, pelo facto do governo ter caído, de lamentar que tenhamos perdido mais uma oportunidade de ver os partidos mais importantes do nosso sistema democrático a continuarem a pôr em causa os valores que são apregoados desde o 25 de Abril de 74. Alguns efectivamente iniciados mas a sua maioria ainda por cumprir.
Estou aqui a falar com este à vontade de coisas que trato todos os dias, faça chuva ou faça sol, aqui ou ali ao lado, na minha sala de trabalho, embora a minha verdadeira missão seja cimentar relações que nos permitam ter parceiros especiais que se aproveitem o melhor que podem do nosso trabalho levando os seus produtos e serviços ao máximo de consumidores.
No fundo são eles que ao aproveitarem a projecção que damos à informação de proximidade podem também projectar as suas empresas e os seus produtos, juntando neste caso a fome com a vontade de comer.
Por isso, por fazer parte de uma estrutura que está na génese do jornalismo independente, que vive da publicidade e não dos favores seja de quem for, sou confidente, sou parceira, sou muito melhor a ouvir que a falar, sou na maioria das vezes a ouvinte daquilo que alguns dos nossos leitores mais exigentes menos gostaram de ler dos trabalhos que os jornalistas escreveram. Sou na maioria das vezes a ponte invisível entre uns e outros, porque toda a casa que não é ralhada não é governada. Claro que não sou imune às dificuldades deste trabalho tão especial e ao mesmo tempo tão diferente da generalidade das profissões que conheci e conheço.
Faço um trabalho único em Portugal? Talvez. Mas isso é uma vantagem ou desvantagem? Pergunto e respondo: depende da forma como encaro a minha missão e como vou crescendo como pessoa e como profissional. De uma coisa tenho a certeza: ninguém me ignora e ninguém me bate com a porta na cara porque eu não deixo, e se me faltam argumentos para os interlocutores mais difíceis… aí eu percebo que ainda tenho muito para aprender.
Os partidos políticos gastam milhões de euros em publicidade selvagem nas rotundas e nas estradas; as empresas de publicidade exterior são os novos donos do nosso território, mas os partidos políticos estão proibidos de utilizarem a comunicação social para venderem as suas ideias, fazerem a promoção dos seus programas e candidatos. Alguém compreende esta política indígena que favorece as grandes marcas que usam e abusam do espaço público para além de serem em muitos casos um atentado à paisagem e fazerem lembrar países do terceiro mundo onde vale tudo e mais umas botas? Há décadas que O MIRANTE não acompanha as campanhas eleitorais porque se falhamos a comunicação com um partido, que nem sabemos que existe a candidatar-se numa freguesia, podemos correr o risco de levarmos uma multa sem precedentes. Alguém compreende esta falta de organização da nossa vida política à volta das empresas de comunicação social para que depois a informação não fique nas mãos de gente aventureira que não sabe de que terra é ou, ao contrário, sabe mas finge não saber?
Estamos aqui para entregar os prémios Personalidade do Ano e acho que já me alonguei demais em falar de nós e das empresas que de certo modo represento mas de quem não tenho mandato. É por isso que falo, se tivesse não falava. Vivemos tempos muito difíceis e há um assalto às instituições democráticas que se não houver jornalismo independente vai proporcionar, ou pode proporcionar, uma mudança radical no espectro partidário que não promete nada de bom. Não podemos fingir que não sabemos quem domina as empresas de comunicação e quem andou nestes últimos anos a tentar enfraquecer o sector para que não haja escrutínio, um escrutínio bem feito, em vez deste ataque sensacionalista protagonizado por meios de comunicação que vivem do imediato, do directo, do direito a entrarem na nossa casa sem pedirem licença e de nos roubarem o sono.
Enfim, seria parvoíce da minha parte se não aproveitasse esta cerimónia para acentuar que não queremos morrer em silêncio num país que continua rendido ao centralismo, que não faz obra pública que não seja na capital ou no litoral; que há empresas com vida longe do Terreiro do Paço, como é o caso da nossa, que é uma empresa familiar, gerida como se gere uma casa de família, mas com a dimensão de um grande hotel. Nunca sinto que somos a última bolacha do pacote embora sei que trabalhamos como tal e o nosso valor está espelhado no jornal que todos têm na mão, no que editamos diariamente no online e nesta cerimónia que é o nosso orgulho e esperamos que seja também um pouquinho do vosso.