Opinião | 08-03-2025 19:59

Porque algumas grandes empresas tecnológicas dos EUA apostam na energia nuclear

A. Mota Redol*

Os centros de dados exigem grandes quantidades de energia. No nosso país existem algumas dezenas de centros de dados e estão previstos outros para Sines e Castanheira do Ribatejo, mais mediatizados. O segundo, exige uma potência elétrica de 180 MW inicialmente, chegando depois a 300 MW, o que vai ser garantido por energia solar ( : ) Não será que a União Europeia está a empurrar para Portugal unidades grandes consumidoras de energia e de água, como no passado (e ainda hoje) os países desenvolvidos empurravam para o terceiro mundo as indústrias poluidoras?

Num texto intitulado “As ignorâncias, deturpações e ocultações relativas à energia nuclear" que divulguei há alguns meses, a propósito de um texto publicado a 18 de Outubro no jornal Público assinado por um designado “bioquímico e divulgador de ciência”, e em que se informava sobre a opinião do ex-CEO da “google”, Eric Schmit de que não se atingirão os objectivos de luta contra as alterações climáticas sem recurso à Inteligência Artificial, a qual exige enormes quantidades de energia.

Informava o articulista que a empresa Microsoft anunciou que tinha realizado um acordo com a empresa proprietária da central de Three Mile Island, na Pensilvânia, a Constellation Energy, para voltar a pôr a funcionar em 2028 o Grupo 1 da central, desactivado em 2019, central essa cujo Grupo 2 teve em 28 de Março de 1979 um gravíssimo acidente de que resultou a fusão de parte do núcleo de urânio, o que implicou o seu encerramento definitivo. Desse acontecimento resultou uma drástica redução de novos reactores nos EUA e noutros países e cancelamentos de encomendas realizadas. A reabertura prevista poderá custar um investimento de 1,6 mil milhões de dólares.

Aliás, no meu texto “Centrais Nucleares só com o apoio dos Estados( https://omirante.pt/opiniao/2024-12-20-centrais-nucleares-so-com-apoio-dos-estados-69b2e5b1) referi o longo historial de financiamentos da energia nuclear civil por parte dos Estados, directamente e nos centros de investigação, cujos resultados eram utilizados por empresas privadas.

A central de Palisades, no Michigan, junto ao Lago Michigan, encerrada em 2022, também poderá reabrir, supõe-se que para o mesmo fim, com um custo de 1,5 mil milhões de dólares. Em 2021, a NCR declarou ser esta central a de pior desempenho nos EUA, com inúmeras situações de encerramentos intempestivos. Nela foram agora detectadas fissuras em 1163 tubos dos geradores de vapor, situação que é uma das mais graves num grupo nuclear, pela possibilidade de fugas de radioactividade para o exterior, neste caso para o Lago.

Também informei que para essa reabertura contavam os gestores da empresa dona desta central, a Holtec, com subsídio do Governo Federal dos EUA, através do Department of Energy (DOE), mas também do Governo Estadual. O Estado, segundo uma óptica de economia de mercado, não deveria subsidiar empreendimentos de empresas. Sendo uma estrutura governamental onde se insere a National Nuclear Security Adminstration (NNSA), a DOE, embora mais vocacionada para energia nuclear militar, mas com fronteiras com a energia nuclear civil, não deveria financiar instalações que tem de fiscalizar.

Grande consumo de energia e de água dos centros de dados

Os centros de dados exigem grandes quantidades de energia. No nosso país existem algumas dezenas de centros de dados e estão previstos outros para Sines e Castanheira do Ribatejo, mais mediatizados. O segundo, exige uma potência elétrica de 180 MW inicialmente, chegando depois a 300 MW, o que vai ser garantido por energia solar.

Mas o que significa tal potência? Para comparação, recorde-se que a maior central a fuelóleo portuguesa tinha grupos de 250 MW e as centrais a carvão grupos de 300 MW. Esta última potência significa o abastecimento de cerca de 600 mil lares num ano.

Os centros de dados também consomem grandes quantidades de água. Um centro médio consome mais de um milhão de litros por dia, o que representa o abastecimento de cerca de mil lares. Quando se prevê uma progressiva escassez de água, o que resultará da actividade destes centros em Portugal?

Não será que a União Europeia está a empurrar para Portugal unidades grandes consumidoras de energia e de água, como no passado (e ainda hoje) os países desenvolvidos empurravam para o terceiro mundo as indústrias poluidoras?

Mas tentemos perceber porque as empresas tecnológicas apostam na reabertura de grupos nucleares, em vez de utilizarem grupos nucleares novos ou energias renováveis, sendo que o custo do kWh destas últimas é hoje cerca de 1/3 a 1/6 do produzido num grupo nuclear novo.

Custo do investimento e do kWh nuclear muito acima do renovável

Actualmente, um grupo nuclear de 1.000 MW custa entre 12 e 20 mil milhões de euros, ou ainda mais. A reabertura de um grupo encerrado de dimensão igual ou próxima custa, como se viu nos dois casos referidos, à volta de 1,5 mil milhões. Para as empresas eléctricas é negócio, pois evitam investimentos em grupos novos. Por outro, e muito relevante, estas empresas adiam o desmantelamento dos grupos, o que pode custar tanto como o investimento num grupo novo, e vai demorar 20 a 30 anos. Por isso assistimos em toda a parte as empresas de energia eléctrica a adiarem o encerramento de grupos e a solicitarem ajudas do Estado quando este não lhes dá autorização para continuarem a laborar.

O investimento em 1.000 MW solar ficará em cerca de 758 milhões de dólares (valor médio mundial) e do eólico terrestre em 1.160 milhões (valor médio mundial), 1583 na Europa. Como se vê cerca de dez a vinte cinco vezes menos no que com grupos nucleares, consoante as situações.

Para as empresas tecnológicas deverá ser também um negócio, pois um grupo reaberto custa muito menos que um grupo novo (principalmente os custos de reconstrução de equipamentos que se degradaram por acção das radiações), o que permite às empresas de energia eléctrica facturarem preços do kWh muito mais baixos, mais baixos até do que com as energias renováveis, embora estas sejam muito mais baratas. É que os encargos de exploração de um grupo nuclear são muito baixos, cerca de 20% do kWh produzido por um grupo novo. O que pesa mais é o investimento.

Pode dizer-se que com os agora muito propagandeados grupos SMR, de baixa potência, o investimento inicial é bastante menor. Só que se perde o efeito de escala que levou a passar-se dos grupo nucleares iniciais de 150 a 300 MW - alguns dos primeiros ainda menos -, para 500-600 MW e, depois, para os grupos gigantes de 1.000 MW e 1.500 MW. Também a concentração de vários grupos numa mesma central baixava muito o custo do kW investido. Com os SMR tal não faz sentido, porque se pretende que cada empresa invista o menos possível. A haver vários SMR num mesmo local, então será preferível um grupo gigante.

O custo do kWh será com os SMR muito mais elevado do que com os grupos gigantes e ainda muito mais do que com as energias renováveis.

As grandes tecnológicas dos EUA poderiam utilizar energia eólica ou solar, evitando recorrer a grupos nucleares muito velhos (Palisades com 53 anos e Three Mile Island com 46) ainda mais susceptíveis a acidentes do que os novos, devido ao desgaste de todos os materiais, mesmo o cimento, por acção do tempo e das radiações. Mas uma diferença mesmo pequena no custo do kWh entusiasma-os, proporcionando lucros mais elevados, embora os riscos que supõem nunca os atingir possam atingir as populações. Por isso, a reabertura daquelas centrais já motivaram acções de várias organizações cívicas junto da NRC.

Esses empresários fingem Ignorar os grandes acidentes de Three Mile Island, Chernobyl, Fukushima, das mortes por cancro daí resultantes, do incêndio na instalação de Windscale (no Reino Unido), dos milhares de casos de libertação de produtos radioactivos (os chamados “incidentes”; só em Espanha contabilizam-se cerca de dois mil), das 250 mortes por cancro comprovadas na mina de urânio da Urgeiriça e mortes noutras minas em diversos países, das declarações de confidencialidade que trabalhadores das centrais são obrigados a assinar, para que não se saiba o que se passa no seu interior.

Para além da questão económica na opção referida, a nova Administração dos EUA prometeu facilitar os licenciamentos e amenizar a fiscalização. Daí só pode advir maior risco de acidentes graves e maior risco de fuga de produtos radioactivos.

Recordemos que o Presidente estadounidense Jimmy Carter aprovou em 1977 (portanto, antes de Three Mile Island, mas depois da crise do petróleo de 1973/74), um programa energético que apostava nas energias renováveis, concedendo elevados fundos para a sua investigação, o que, apesar dos boicotes e campanhas das empresas petrolíferas e de carvão, permitiu dar um salto no seu aperfeiçoamento e progressiva melhoria de competitividade, para se chegar à situação de hoje de preços muito baixos destas energias.

Bem podiam as grandes tecnológicas seguir esse exemplo.

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