Morreu Sérgio Carrinho: a sua vida dá um romance

Não há melhor forma de falar de Sérgio Carrinho que recordar o seu gosto pelas velharias, o prazer de conversar enquanto partilhava um cigarro e um copo meio cheio, a facilidade com que metia a mão ao bolso e enchia a mão de quem lhe pedia ajuda.
A minha manhã de hoje, dia 31 de Agosto, em que Sérgio Carrinho adormeceu para sempre, foi passada numa feira de velharias a regatear preços de livros, a saber como vai o preço do ouro e da prata em segunda mão, a ouvir histórias de gente que anda com a casa às costas, almoça e lancha fazendo uso de uma mão, trabalhando com a outra a mostrar a mercadoria ou a receber o dinheiro das vendas.
Não há melhor forma de falar de Sérgio Carrinho que recordar o seu gosto pelas velharias, o prazer de conversar enquanto partilhava um cigarro e um copo meio cheio, a facilidade com que metia a mão ao bolso e enchia a mão de quem lhe pedia ajuda para comprar tabaco, mas também muitas vezes dinheiro para comprar o pão, a botija do gás ou pagar a factura da luz.
A vida de Sérgio Carrinho dava um livro; um romance para ser mais exato. O autor deste texto pode dar uma ajuda a quem se propuser romancear a vida do autarca da Chamusca que vai ficar para a História. Foi ele que me convidou para entrar na política, e foi já como presidente da câmara que o acompanhei durante alguns serões de trabalho no salão nobre dos Paços do Concelho.
Foi sol de pouca dura porque tínhamos tanto em comum que depressa nos cansamos um do outro. Não rima mas é verdade. Nunca deixamos de ser amigos, mas ele era um mouro de trabalho e eu era um jovem irresponsável que queria era putas e música, como se dizia na altura, e acho que ainda hoje se diz, mas sem a palavra puta.
Sim, se alguém escrever um romance e misturar no enredo a vida de Sérgio Carrinho, vai ter que usar muitas palavras chulas, porque ele não as evitava em qualquer circunstância, aliás, quem o conheceu sabe bem que os seus olhos riam quando lhe saía um palavrão que originava quase sempre uma gargalhada.
Soube da sua morte quando cheguei a casa carregado de livros, que ele também adoraria ter na sua estante, com excepção de dois ou três temas que não lhe interessavam, nomeadamente comunicação social e poesia. Sérgio Carrinho era tudo menos um poeta ou um leitor de poesia. Para ele os poetas eram uns chatos, embora fosse amigo de muitos poetas populares, nomeadamente da sua terra, o que não retira verdade ao que acabo de escrever. O seu gosto era pela História, nomeadamente política e social.
A vida que levou como autarca durante trinta anos não lhe deu tempo para fazer uma grande biblioteca ou ler a maioria dos seus autores preferidos. O que mais deixou na memória dos que com ele conviveram foi a ideia de que o mundo só anda para a frente com a força das ideias e do trabalho. Por isso ganhou todas as eleições em que foi a votos. E saiu da política devido à lei da limitação de mandatos que coincidiu, quis o destino, com a sua queda física e mental, embora não simultânea, mas quase, para sua tristeza e desgosto.
Nada disso o impedia de continuar a gargalhar, a gostar de conversar, continuar a queimar cigarros, de vez em quando com as lágrimas mais à flor dos olhos, mas sem mesuras, que mesureiro é coisa que ninguém lhe podia chamar, nem agora que já morreu e não está cá para se defender.
JAE