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Um homem fiel às origens

Jorge Justino, presidente do Instituto Politécnico de Santarém

O presidente do Instituto Politécnico de Santarém, nasceu, cresceu e viveu sempre em Santarém. As saídas pontuais só ocorreram para se formar. A assumida ligação às raízes é uma das paixões deste benfiquista, praticante de ténis e de karaté. O ensino é a sua vida desde que se formou em engenharia química no Instituto Superior Técnico. No último mandato à frente do IPS, Jorge Justino confessa que tem sido sempre um não alinhado em termos partidários, mas não fecha a porta a uma ligação mais profunda à vida política.

À primeira vista, quem olha para Jorge Justino não descobre nele o praticante de karaté ou o amante do ténis. A pose, o fato e a gravata que habitualmente usa associam-no a funções institucionais que efectivamente desempenha. Em Santarém, sempre em Santarém, onde preside ao Instituto Politécnico. É o que se pode chamar um scalabitano de gema, genuíno. De Santarém só saiu para se formar em engenharia química e tirar o mestrado no Instituto Superior Técnico, em Lisboa. E mais tarde, durante o doutoramento, quando fez parte da formação em Inglaterra. Mas a nível profissional nunca conheceu local de trabalho que não fosse na sua cidade natal. É um homem ligado às raízes.Nascido em 1948 no seio de uma família burguesa, Jorge Justino fez a primária na escola de São Bento e prosseguiu os estudos no Liceu Nacional de Sá da Bandeira. Aí começou a desenhar-se uma carreira docente e académica que o levaria à Escola Secundária Ginestal Machado e à Escola Superior Agrária. “Sempre senti o gosto pela ciência, pelo desporto e pela cultura, daí a minha opção pelo ensino”. Opção que atingiu o patamar mais alto com as funções que actualmente desempenha, embora tenha sido obrigado a abdicar de dar aulas. “Ainda tentei no primeiro mandato, mas não era possível”, afirma.A estadia no Técnico, em Lisboa, na primeira metade da década de setenta, coincidiu com um dos períodos mais ricos da nossa história contemporânea. Jorge Justino viveu no epicentro a agonia do antigo regime - a chamada Primavera Marcelista - e ainda o período conturbado pós-revolução do 25 de Abril. Mas nunca esteve engajado politicamente, nunca entrou em manifestações, nunca se pronunciou contra a guerra colonial, preferindo concentrar a atenção nos estudos. Pragmático, preferiu a linguagem científica, as equações, as fórmulas, o desafio dos problemas por resolver, do que a militância política activa ou a retórica ideológica tão ricas como muitas vezes falhas de aplicação prática. Embora não fosse alheio ao que se passava à sua volta. “Tinha consciência da situação política da época e dos seus pontos negativos, mas a minha preocupação fundamental era o estudo”, refere.Aliás a política, para ele, é um caminho ainda por desbravar, apesar de assumir posições críticas relativamente a algumas matérias. A sua participação mais empenhada consistiu no apoio público à recandidatura de Jorge Sampaio a Presidente da República. Mas no ar deixa a hipótese de repetir a dose e de se embrenhar com outro ânimo nessa área. “Até ao momento tenho-me mantido isento politicamente em termos de filiação partidária ou no apoio directo a partidos. Mas não podemos prever o futuro...”, diz.No seu espaçoso gabinete, de onde se disfruta uma invejável panorâmica sobre Santarém, os processos, pastas, papéis e mais papéis, são omnipresentes. Aparentando ser homem de poucas palavras, Jorge Justino debita um discurso sereno, pausado, que ganha outra dimensão sobretudo quando se fala dos temas que lhe são mais caros: a educação, o ensino.KARATÉ, MOZART E BENFICAMas as suas predilecções não se ficam por aí. O seu quotidiano não se resume exclusivamente ao trabalho. Há outros pontos de interesse na vida e um deles é o desporto. Sempre que pode, joga ténis, pratica karaté e até ajudou a fundar o núcleo dessa arte marcial no Politécnico de Santarém. Uma forma, diz, de incentivar os alunos à prática dessa disciplina oriental.Ainda no desporto, é um observador atento do nosso futebol e gosta de ver, sempre que possível, o seu Benfica jogar. “Este ano está muito mau, estamos em situação crítica. Aliás não é de agora”, diz com um sorriso que raramente desponta ao longo da conversa.A gestão do instituto rouba-lhe grande parte do tempo e amputa-lhe o convívio familiar. Casado e pai de um filho já adulto, considera-se um homem interessado pela cultura nas suas várias vertentes, mas também para ela a disponibilidade não é aquela que desejaria. Gosta de ler o brasileiro Paulo Coelho e o último livro que desfolhou foi “O Mundo é Pequeno”, de David Lodge. De José Saramago, que agora lançou o seu último livro, diz “já não apreciar tanto”, embora reconheça que as suas obras são interessantes – “não gosto muito é do estilo de escrita”. Mas o que lê mais mesmo são livros científicos.Na música, Jorge Justino dá preferência aos clássicos – “gosto sem dúvida de Mozart” -, e no cinema um dos filmes que mais o marcou nos últimos tempos foi “Beleza Americana”, de Sam Mendes, que ganhou vários Óscares há poucos anos.O algodão não engana e a silhueta de Jorge Justino também não. O presidente do Politécnico de Santarém é, “infelizmente”, um bom garfo e admite sem quaisquer pruridos que “podia fazer um bocadinho mais de contenção e uma dieta mais rigorosa”. Na cozinha não é propriamente um ás e pouco colabora nesse campo, até porque o tempo não lhe o permite. Além de presidente do IPS é também vice-presidente do Conselho Coordenador dos Institutos Politécnicos – “estou sempre a ser solicitado para reuniões, é uma actividade que me ocupa a cem por cento. Quando não estou cá estou na mesma a trabalhar para o IPS mas fora dele”, explica.No corrente ano foi eleito para o terceiro mandato consecutivo como presidente do Politécnico de Santarém. É o seu último mandato, já que o regulamento não permite nova candidatura. Essa parte da sua história fica escrita daqui a pouco mais de dois anos. É mais um capítulo a acrescentar ao extenso currículo. Nessa altura, diz, deve dar-se o regresso como professor à Escola Superior Agrária... De Santarém, claro! Ou não fosse Jorge Justino um scalabitano de gema.Presidente do IPS fala do estado do ensino superior em Portugal Tempos difíceisP – Vários directores de escolas do Instituto Politécnico de Santarém (IPS) e o senhor, enquanto presidente dessa instituição, revelaram recentemente a sua preocupação pelo insuficiente financiamento do ensino superior. Em que medida é que essa situação está a colocar em causa a qualidade de ensino?R – Sempre que há um financiamento mais reduzido é óbvio que a qualidade de ensino é afectada. É o que acontece este ano. Já no ano passado houve uma pequena redução ao nível do financiamento global, este ano ainda mais, e penso que em 2003 ainda será mais grave. Estamos a passar por tempos muito difíceis, mas há que superar esta situação. De facto, em tempos difíceis é que se constatam as lideranças fortes. O IPS está sólido com as suas cinco escolas e toda a comunidade escolar está empenhada em superar estes problemas.P – Acha que as propinas dos alunos estão a ser bem aplicadas?R – Não. Quanto a mim deveriam ser mesmo aplicadas, como a lei estabelece, ao nível da qualidade de ensino. Hoje em dia o dinheiro das propinas entra no bolo global e pode até ser utilizado para pagamento de vencimentos. P – O que é que fica concretamente em causa quando se diz que a falta de financiamento põe em causa a qualidade de ensino?R – O que fica em causa é mais a nível de investimento, a nível de infraestruturas. A nível de formação de professores e de funcionários, de organização de colóquios...P – O problema do ensino superior é só escassez de dinheiro, ou falta mais qualquer coisa?R – Acho que deve haver uma reforma, que já está prevista, ao nível do ensino secundário. Até porque apercebemo-nos que o aluno quando chega ao ensino superior vem com muitas dificuldades. Isso revela-se sobretudo nas notas que apanham nos exames das provas específicas. Tem que haver uma maior ligação entre ensino secundário e ensino superior. Não haver ali uma barreira nítida. Os alunos têm que ter mais conhecimentos no ensino secundário. Daí aprovar esta medida do ministro no sentido de reduzir a carga horária das disciplinas, para em certa medida terem mais tempo para se poderem dedicar a essas disciplinas.P – Como é que se explica que alunos licenciados saiam das universidades sem noções básicas de geografia, de história ou de língua portuguesa?R – E não só, também de física, de matemática... Isso está relacionado com aquilo que disse. É resultante da má formação dos alunos no ensino secundário. Há que motivar os alunos para a aprendizagem.P – Outro problema com que o ensino se tem debatido é com a recessão demográfica. Ou seja, há as mesmas escolas para cada vez menos alunos. A sensação com que se fica é que ninguém antecipou esta realidade em devido tempo.R – Nós sentimos esse problema presentemente. O próprio ministro está a tentar resolver essa situação, com o apoio dos líderes das instituições do ensino superior, no sentido de eventualmente em termos futuros ser admissível a possibilidade de extinguirmos alguns cursos, e não só. Prevê-se também a associação de instituições do ensino superior de forma a que algumas áreas científicas possam ser dadas num determinado local, numa escola, mas com a ministração de docentes de várias instituições. É natural que alguns cursos possam desaparecer numa instituição mas sejam dados na instituição próxima.P – Isso poderá suceder com a Escola Superior Agrária de Santarém, onde houve pelo menos um curso que ficou sem alunos? R – Pode acontecer com as escolas agrárias em termos futuros. Relativamente a essa situação não há nada previsto. P – Por outro lado há cursos que alguns responsáveis políticos dizem ter alunos a mais. É o caso dos cursos de formação de professores. Qual é a sua opinião sobre o assunto?R – Penso que nessa área é muito importante todo o trabalho desenvolvido pelas escolas superiores de educação, que têm uma grande experiência profissional nesse domínio. E esse trabalho deve ser valorizado. De forma alguma entendo que essas escolas deixem de formar professores. Embora em termos futuros se possa pensar na existência de um curso ou outro que se possa suspender temporariamente.P – Como está o processo de criação de duas novas escolas superiores no seio do IPS?R – Da parte do IPS houve essa vontade e o projecto foi apresentado à tutela. Mas esta altura é difícil para criação de novas escolas e o processo está em stand by, eventualmente à espera de tempos melhores. Também pensamos que esta altura não é oportuna para reforçar o pedido.P – A nota mínima de 9,5 valores no acesso ao ensino superior pode ser uma forma de credibilizar o ensino, mas vai restringir ainda mais o número de alunos que tem acesso aos politécnicos e universidades, que tem vindo a diminuir drasticamente. É um risco que é necessário correr?R – Essa decisão pode ter a vantagem de termos alunos com maiores capacidades, com melhor qualidade de formação, e é óbvio que qualquer presidente de uma instituição de educação pretende alunos bons na sua instituição. Mas há essa contrapartida de em termos futuros haver cada vez menos candidatos nessas condições. Sobretudo nessas disciplinas específicas da matemática, física, química e eventualmente biologia. Há um grande leque que poderá ficar de fora e ao nível das instituições também seria grave, porque se o número de candidatos já está reduzido, nessas condições seria ainda diminuído.P – Outra situação que não deixa de ser curiosa é a de se criarem escolas superiores sem haver a preocupação de as dotar logo de início com as instalações adequadas. Lembro-me, por exemplo, da Escola Superior de Desporto de Rio Maior. Não seria mais lógico o contrário: primeiro garantir instalações e depois abrir as portas?R – No caso concreto de Rio Maior, presentemente estão a ser ministradas aulas num local onde antigamente era uma escola profissional. Mas é óbvio que esse local torna-se pequeno para as exigências que temos. De qualquer forma, para início de formação, aquelas instalações serviam perfeitamente. Agora, da parte do Governo tem que haver a capacidade de resposta, não fazer passar muito tempo entre a fase de arranque com instalações provisórias e a fase definitiva em que a escola deve criar as novas infraestruturas.P – Não estava à espera que o processo se arrastasse tanto?R – Arrastou-se de facto mais tempo do que o previsto e isso para mim é um factor negativo. De qualquer forma, a nível do PIDDAC houve já a autorização para início da construção das novas instalações, embora só a partir de 2004. Mas houve uma preferência por parte do senhor ministro pela área social, e daí vamos começar pela residência de estudantes e pela cantina.P – A criação de dois institutos politécnicos no distrito (Santarém e Tomar) torna-nos num caso único a nível nacional. Dada a dimensão da região e do país, acha essa medida ajustada?R – Para já há um aspecto importante: é que as áreas de ensino não sejam concorrenciais. As áreas fortes do Politécnico de Tomar são as tecnologias, o que nós não temos. Desde que não haja uma interpenetração de áreas não há problemas de maior. Quanto ao facto de haver dois politécnicos no mesmo distrito, tratou-se de uma opção política.P – Os jovens fazem bem em optar pelo ensino politécnico? Não correm o risco de andar quatro ou cinco anos em formação e depois deparar-se com um mercado de trabalho que não absorve os seus conhecimentos?R – Até o próprio ministro quando se refere ao ensino superior politécnico diz que o mesmo deve ser profissionalizante. A partir daí é óbvio que o tipo de formação que vamos dar aos nossos alunos é mais específica, com actividades que eles depois vão desenvolver na vida prática. O objectivo principal é que fiquem preparados para o mercado de trabalho. P – Acha que o mundo empresarial dá a devida importância à qualificação da mão de obra, que habitualmente é mais cara?R – Acho que cada vez mais está a dar. É importante haver nas empresas mão de obra qualificada, que sai mais cara mas, por outro lado, vamos ter uma melhor gestão de recursos humanos, uma maior qualificação da empresa e um melhor desenvolvimento da mesma em termos futuros. É um investimento que as empresas devem fazer.P – O que pensa das praxes académicas?R – As praxes têm a sua razão de existir, até pela tradição, mas têm que ser controladas até pelos próprios alunos. Porque havendo abusos os próprios alunos estão a dar um mau exemplo, pelo menos os veteranos aos caloiros, e eu não gostaria que isso acontecesse.P - Já foi obrigado a intervir?R – Já. Infelizmente quase todos os anos sou obrigado a intervir. Preocupo-me sempre com as queixas que recebo, no sentido de eliminar essas situações.João Calhaz

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