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O “bichinho” da arqueologia

Carlos Batata trabalha agora nas escavações do Largo do Seminário, em Santarém

Carlos Batata começou desde muito cedo a interessar-se pela arqueologia. Tanto que, enquanto estudante, foi convidado a integrar uma associação de defesa do património em Tomar, onde nasceu, e a participar em várias escavações arqueológicas. Passadas mais de duas décadas sobre a sua primeira experiência e com muitos empregos pelo meio, Carlos Batata concretiza o seu sonho – ser arqueólogo a tempo inteiro. “O bichinho instalou-se desde muito cedo e nunca mais me largou”, confessa.

A arqueologia é para Carlos Batata um amor desenfreado, daqueles que tanto se ama como se odeia. Apesar de sempre ter gostado de descobrir coisas dos nossos antepassados através dos objectos enterrados ao longo de séculos, houve uma altura em que Carlos Batata virou costas à arqueologia. Foi na universidade, quando decidiu enveredar por um curso de línguas e literaturas modernas.Ao fim de dois anos de faculdade Carlos decide mudar para o curso de História, variante de arqueologia, na Universidade de Coimbra. “Gosto muito de ler mas a ideia que levava da literatura, dos autores que lia, não correspondia à realidade das aulas. Eu queria discutir literatura, os professores queriam dar matéria”.A fase do “ódio” à arqueologia transformou-se e a antiga paixão voltou de imediato. Não se pense que Carlos Batata não sabia o que queria da vida. Pelo contrário, o arqueólogo fez de tudo um pouco para poder concluir o curso em quatro anos. Coisa nada fácil para quem iniciou a vida académica aos 26 anos de idade.Na altura o dinheiro não abundava e para conseguir o ambicionado canudo Carlos Batata trabalhava de dia e estudava à noite. Trabalhou em hipermercados, no infantário da universidade – “a passar roupa, imagine” – a servir às mesas na cantina da faculdade. No final do “expediente” diurno não havia tempo para o merecido descanso já que as aulas esperavam por ele. “Foi uma fase louca mas consegui acabar o curso em quatro anos”, diz com um brilhozinho de orgulho nos olhos.Se há homens que têm sete ofícios, Carlos teve mais de uma dezena. Antes de enveredar pela vida universitária ainda teve uns bons anos de “suor”. “Deixei de estudar muito novo, aos 16 anos, porque não havia dinheiro para continuar”, diz. Foi leiteiro, gasolineiro, trabalhou na construção civil. Depois da tropa decidiu tirar um curso de formação profissional – electricista auto. Foi já depois deste curso, quando trabalhou numa oficina de automóveis, que Carlos Batata terminou o 12º ano. E não mais parou de estudar até terminar a licenciatura em história, vertente arqueologia.Mas as dificuldades não acabaram com o fim do curso. Sem perspectivas de trabalho em arqueologia, acabou por fazer o que a grande maioria faz – dar aulas. Primeiro em Coimbra, depois em Pedrógão Grande. Na altura estava já casado com uma colega de arqueologia que conheceu na faculdade. Quando a mulher foi colocada na Câmara de Abrantes decidiram ir viver para Vila de Rei, primeiro, depois para o Sardoal e finalmente para a zona histórica de Abrantes. Há pouco tempo optou por construir uma vivenda na zona limítrofe da cidade, onde tem mais espaço para “espalhar os cacos”.Enquanto dava aulas fazia já trabalhos relacionados com a arqueologia, pequenos levantamentos. Largou as aulas quando foi convidado para trabalhar como arqueólogo pela Câmara da Sertã, onde esteve três anos. Em 1999 trabalhou para o Instituto Português de Arqueologia e há um ano apenas lançou-se na “aventura” de ser arqueólogo por conta própria, a trabalhar a tempo inteiro. Já este ano criou a sua empresa de prestação de serviços de arqueologia.Se o bichinho da arqueologia nunca o largou, o gosto para a escrita revelava-se de tempos a tempos. Não é de estranhar por isso que tenha já publicado quatro obras ligadas à arqueologia, em colaboração com as autarquias por onde passou. “Costumo dizer que sou um escritor frustrado, como não segui a literatura, que era aquilo que gostava, agora vingo-me um bocadinho e escrevo uns livros técnicos para ter algum descargo de consciência”.À paixão da arqueologia dedica agora 24 horas por dia. “Sobram os domingos, às vezes, para a família”, diz, adiantado que a mulher e os filhos saem prejudicados pelo enorme volume de trabalho que tem. O que vale é a compreensão da esposa, arqueóloga na Câmara de Abrantes. Já chegou a esquecer-se de fazer refeições e há dias em que, quando sai às seis da manhã e chega às dez ou onze da noite, cai na cama como uma pedra.“A minha mulher costuma dizer que eu estou como quero porque posso escolher os trabalhos e fazer apenas os que à partida me irão dar mais gozo, o que em parte é verdade”, refere, acrescentando no entanto que é “escravo do próprio tempo, porque tenho compromissos que tenho que assumir e respeitar”.Diz que a opinião pública tem uma imagem cor-de-rosa da profissão, ao jeito de Indiana Jones, e geralmente não mostram a outra faceta menos agradável – o frio, o sol, a chuva e o desgaste físico também fazem parte da profissão, diz dando como exemplo as escavações que actualmente está a realizar no Largo do Seminário, em Santarém – “chove que se farta, aquilo está tudo enlameado mas há um compromisso que temos de respeitar”.Margarida Cabeleira

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