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A sorte mais adversa

José Miguel Noras

Acresce, ainda, que os dispositivos do mercado tornaram as (“grandes”) empresas cada vez mais apátridas. As suas tendas, desmontáveis, estão sempre prontas a mudar de local, ao sabor das conveniências financeiras e fiscalistas da respectiva empresa. Não existem instrumentos eficazes que permitam aos governos (sejam eles quais forem) travar os ventos desta fatídica tempestade por mais que, a cada momento, as pesquisas de opinião apontem rumos contrários. Se uma maioria de “50 milhões de pessoas disser uma tolice, não deixará por isso de ser uma tolice” (Bertrand Russel)!

Quando alguém quer trabalhar e não consegue encontrar onde fazê-lo fica perante a visão mais triste que a sorte mostra sob o sol - escreveu Thomas Carlysle (tradução minha). É certo que um homem carregado de grave enfermidade ou culpabilizado por um crime que não cometeu experimenta algo mais cruel ainda. Porém, socorro-me daquele frase empolada de Carlysle para enquadrar a penosa realidade que se vive, hoje, em Portugal: o desemprego aumentou 50% num ano só. São, agora, mais de 400 mil portugueses que querem trabalhar sem que a sociedade lhes proporcione tal desiderato.No entanto, o pior é que existe uma constatação que atravessa todas as análises da especialidade: a taxa de desemprego vai continuar a crescer porque o emprego e a austeridade (ligada a grandes exigências de saneamento orçamental) nunca foram feitos um para o outro.Actualmente, a taxa de desemprego, no nosso país, eleva-se a mais de 7%. Quando for maior ainda, como será? Portugal e os seus cidadãos aguentarão? Alguém poderá manter um sorriso aberto sabendo que mais de 400 mil portugueses têm as portas do seu trabalho completamente fechadas? Será aceitável pensar em guerras quando já existe, entre nós, um conflito socialmente tão explosivo como este que acabo de descrever?Na penúltima edição do Livro aberto, aludi ao papel supletivo dos municípios no que respeita ao desenvolvimento e às suas relações com o mercado de trabalho. Todavia, tal como assinalei, as autarquias não têm a tutela económica e estes problemas escapam às suas competências. Dói ver o esforço sério e empenhado dos líderes de Castelo de Paiva e de Estarreja (por exemplo) perderem as suas causas só porque os estômagos multinacionais preferem digestões de salários, ao preço de uma “Alka- Seltzer” da Ásia ou da Europa de Leste.No município de Santarém, a taxa de desemprego é, significativamente, menor do que a respectiva taxa média do nosso país. Aqui está um domínio onde necessariamente somos conservadores. Conservadores no sentido que Lawrence Munford deu a esta palavra: “ser pessimista quanto ao futuro e optimista quanto ao passado”. Um passado cuja “repristinação política” já é (de acordo com todas as sondagens) uma meta da maioria dos portugueses.Sempre que o presente quer fugir para o passado é sinal que o fracasso triunfou no presente e que não será fácil suplantá-lo, com sucesso, no futuro.Observação — Para escapar à seringa da parcialidade importa juntar uma pergunta às questões já formuladas: seria possível alterar a situação que se vive (hoje) em Portugal e, simultaneamente, cumprir as exigências orçamentais decorrentes da nossa adesão à União Europeia? Acresce, ainda, que os dispositivos do mercado tornaram as (“grandes”) empresas cada vez mais apátridas. As suas tendas, desmontáveis, estão sempre prontas a mudar de local, ao sabor das conveniências financeiras e fiscalistas da respectiva empresa. Não existem instrumentos eficazes que permitam aos governos (sejam eles quais forem) travar os ventos desta fatídica tempestade por mais que, a cada momento, as pesquisas de opinião apontem rumos contrários. Se uma maioria de “50 milhões de pessoas disser uma tolice, não deixará por isso de ser uma tolice” (Bertrand Russel)! Post ScriptumBuracos e remendosCom a chegada do gás natural, as ruas das cidades ribatejanas transformaram-se em mantas de retalhos.De facto, nunca houve progressos sem dores de parto. Das duas uma: ou há obras com os transtornos que lhes são inerentes ou ficamos livres desses incómodos mas também perderemos as respectivas obras.Quanto aos buracos, ninguém poderá reivindicar, conscientemente, repavimentações instantâneas em condições ideais. Só após o indispensável assentamento dos solos remexidos (o que carece de algum tempo), essa tarefa poderá ser cumprida, seguindo os mesmos padrões de qualidade (elevada) anteriormente adoptados. A questão é que os trabalhos de reposição de pavimentos só ficarão correctamente efectuados se for aplicada uma camada uniforme de massas asfálticas (em toda a extensão de cada rua agora esburacada). Só esta é a terapia susceptível de impedir o desnivelamento dos remendos colocados, a leitura inestética que origina e os danos que, inevitavelmente, infligirão aos pavimentos e às respectivas drenagens. Até que essas obras surjam, caberá às empresas promotoras do empreendimento em causa suportar (nos termos da lei) todos os prejuízos que, tanto os buracos, como os maus remendos provoquem aos automobilistas e aos cidadãos em geral.Caso contrário, as ruas não seriam do domínio público mas do domínio privado, como, por vezes, até parece acontecer em algumas cidades ribatejanas.Do TempoMuitas vezes, nas discussões políticas, a importância dos temas “abordados” varia na proporção inversa do tempo que lhes é dedicado. Há casos, sobretudo nos “parlamentos autárquicos”, em que as questões de fundo são votadas, sem prévia discussão, enquanto que as “ninharias” conduzem a enérgicas apreciações quase inesgotáveis.Nesses acalorados despiques políticos à volta do que é acessório, descobre-se um valor para a futilidade e um sentido para a especulação abstracta, mas destrói-se “tempo sem conta” e confere-se uma actualidade incrível ao que Frei Castelo Branco escreveu (há mais de 300 anos):

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