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Cinquenta anos a trabalhar com gado sem nunca tirar férias

Cinquenta anos a trabalhar com gado sem nunca tirar férias

O campino Joaquim Luís tem 76 anos, está reformado mas continua a manter os hábitos de outros tempos

Joaquim Luís, 76 anos, foi campino da casa Pinto Barreiros e nunca tirou férias ao longo de uma vida de trabalho. Não gosta de praia mas mesmo que gostasse a quem teria deixado as 200 vacas turinas? O hábito entranhou-se-lhe. É por isso que ainda hoje, mesmo reformado, refugia-se no Juncal. Dia sim, dia não. Seja Verão ou Inverno. Salta a vedação do caminho de ferro, entre Azambuja e Virtudes, e volta a ser o encarregado do gado manso e das éguas.

Manhã quente de sábado. Joaquim Luís, 76 anos, salta a vedação de arame da linha de caminho ferro, algures entre Azambuja e Virtudes, saltita habilmente pelos carris e dirige-se a uma casa branca de três portas do outro lado da linha. Fica ali o local de trabalho do campino há mais de cinquenta anos. Agosto é sinónimo de trabalho. Sempre assim foi para Joaquim Luís, que nunca gozou férias, e continua a sê-lo. Está na reforma há dez anos mas desloca-se ao Juncal, em Azambuja, como nos velhos tempos da campinagem. Dia sim, dia não. Seja Verão ou Inverno. O hábito está enraizado no campino que foi encarregado do gado manso e das éguas do Juncal, propriedade da casa Pinto Barreiros, para onde começou a ir ainda jovem e de onde só saiu com a família já formada quando a insegurança pairou por aquelas bandas. “Uma vez assaltaram uma quinta aqui perto. Tive receio que a próxima casa fosse a nossa. Decidimos ir morar para outra das residências da casa Pinto Barreiros, no Carregado”, conta. A esposa e a filha, na altura com 15 anos, passaram a pernoitar no Carregado. O campino dividia-se pela lezíria em algumas noites. No Juncal chegou a ter a seu cargo 200 vacas mansas, 80 vacas bravas e 40 éguas. Tinha um ajudante que se deslocava de Virtudes. O encarregado do gado manso e das éguas da casa Pinto Barreiros também lidava com gado bravo. Participou na entrada de toiros na Feira de Maio de Azambuja, ao lado de António Carniça, e em muitas outras que se multiplicam pelo Ribatejo, como Vila Franca de Xira e Benavente. Deixava o traje de trabalho para envergar o domingueiro, que depressa se tingia das cores do trabalhado com o gado. Valia o esforço da companheira que lhe providenciava dois pares de meias brancas para cada dia de feira. “Ou se vai bem vestido para estas feiras ou mais vale não ir”, garante. Joaquim Luís viajou pelo país para acompanhar algumas corridas de toiros com gado da casa Pinto Barreiros. Mesmo essas eram viagens de trabalho. Entrava na arena como campino para recolher os cabrestos. Nunca teve férias mas não se queixa do cansaço acumulado. Ainda hoje não sabe o que isso é. “Os patrões eram meus amigos. Mas mesmo que quisesse ter tirado férias a quem teria deixado as 200 vacas turinas?”, interroga-se à distância de algumas décadas. Todo o modo, admite, se o tivesse feito o patrão teria certamente “ficado com a cara ao contrário”. O gado que criava por sua conta e a horta também pesaram na decisão. Joaquim Luís ajudava os animais na hora de parir e confessa que viveu muito a sua profissão. Frente à casa branca de três portas avista-se agora um campo semeado de arroz. É por ali que Joaquim Luís se sente em casa apesar de ter nascido no Carregado a 25 de Abril de 1935, na Casa Pinto Barreiros, onde o pai já trabalhava e onde ainda hoje vai cavando umas “mantas” de terra e roçando erva.A porta do meio da casa branca, onde em tempos funcionou uma cocheira, dá para um espaço vazio. Nem vacas nem éguas pastam por ali perto. Hoje o Juncal tem laranjeiras, um pedaço de horta amanhada e uma mula. Joaquim Luís não lhe deu nome. “É a mula «vira à esquerda e vira à direita»”, diz com humor. Usou-a para transportar as vedações que ladeiam o Juncal. Está à venda. Joaquim Luís nunca tirou a carta de condução e hoje torce a orelha. A esposa faz questão de lembrar-lhe a má opção. A sua montada é agora uma motorizada verde com cabine que usa para deslocar-se entre o Carregado e Azambuja. Voltará, dia sim, dia não, ao seu posto de encarregado do gado manso e das éguas, enquanto tiver ganas para saltar a vedação. É certo que as 200 vacas turinas já não lá estão mas quem foi campino assim tão intensamente será campino a vida inteira.
Cinquenta anos a trabalhar com gado sem nunca tirar férias

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