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“Quando disse que ia abrir uma agência funerária ninguém acreditou”

“Quando disse que ia abrir uma agência funerária ninguém acreditou”

Mafalda de Sá, 35 anos, Funerária Pacheco, Entroncamento

É uma jovem empresária que gere há dez anos a Funerária Pacheco, no Entroncamento, juntamente com o marido, Carlos de Sá. É nas brincadeiras com os dois filhos pequenos que encontra o escape para as tarefas que desempenha, sem horário definido, confessando que ainda não se habituou à ideia de lidar com a morte. Sem tempo para férias, o seu lema de vida passa por pensar que “o amanhã é sempre melhor”.

Ninguém estava à espera que eu abrisse uma agência funerária. Foi o meu marido, que nunca tinha visto um morto, que me incentivou a abrir este negócio. Trabalhei quatro anos noutra agência onde tratava de todos os procedimentos administrativos quando falecia alguém. Após o funeral também era eu que tratava das coisas. Não vestia os defuntos mas via como faziam. A certa altura fiquei desempregada e, como tinha um bebé, era difícil arranjar emprego. Foi aí que decidimos avançar para a criação da nossa empresa. Alguns familiares pensavam que estávamos a brincar.Este é um trabalho que tem que ser feito mas acho que nunca me vou habituar. Cada funeral é único porque as pessoas também são únicas. A maneira de se lidar com a morte varia de pessoa para pessoa. Quem trabalha neste ramo aprende a dar mais valor à vida e a desvalorizar as pequenas questões. A maior recompensa é a gratidão das pessoas que nos contratam pela ajuda que demos em organizar uma cerimónia digna da memória da pessoa falecida.O serviço que mais me custou fazer foi o funeral de um bebé. Não o conhecia mas tinha tido a minha filha mais nova há pouco tempo e, no dia seguinte, não conseguia estar na agência. Sentia-me muito mal disposta. E, no entanto, já tinha feito centenas de funerais. Falo com outros agentes funerários que aparentam algum distanciamento. Não sei se sempre foram assim.. Ao longo da vida vão surgindo oportunidades que se aproveitam ou não. Morava em frente a uma agência funerária e precisavam de uma funcionária. Foi o meu primeiro emprego. Em criança nunca tive o desejo por ser isto ou aquilo. Estudei até ao 12.º ano no Entroncamento e, entretanto, tirei um curso de burótica (secretariado administrativo). Gosto muito de papéis e esta é uma área que tem muita burocracia associada. Abrimos a funerária “Pacheco” a 9 de Abril de 2001.“Pacheco” é um dos meus apelidos, por via paterna. Achamos que era um nome que ficava no ouvido das pessoas. “Agência Sá” não resultava (risos). É um trabalho difícil mas conhece-se gente muito interessante nesta área. Lidamos com pessoas numa altura em que estão a sofrer e acabamos por conhecer o seu lado melhor. Não tenho muitas palavras de conforto para dizer. Quando tenho que animar alguém prefiro um gesto. Um abraço, um aconchego. Nestas ocasiões, acho que não há palavras que confortem quem passa pela situação de perda de um ente querido. É terrível fazer o funeral de uma criança ou enterrar o filho de alguém porque é algo contranatura.Quando tenho que preencher um formulário, por norma, indico como profissão gerente. Certa vez aconteceu-me uma situação engraçada. Fui tratar de um funeral a casa de uma pessoa e disseram: “não feches a porta porque ainda vem o paizinho da senhora atrás”. Isto, porque normalmente, as funerárias vão passando de pais para filhos. Um dia a esposa e a filha do defunto começaram a gritar que o senhor estava vivo. Foi num dia de muito calor e por qualquer motivo entraram em pânico. Foi um familiar que conseguiu resolver a situação. Também já tive que chamar os bombeiros a um cemitério para assistirem uma pessoa. Apesar dos nossos conselhos, as pessoas não se alimentam, estão fracas e desfalecem com a emoção.Estamos contactáveis 24 horas por dia, 365 dias por ano. Já fomos contactados às duas, três da manhã. Neste ramo não há horários. Férias estão fora de questão. Os meus filhos vão para a praia com os avós. O meu “escape” acabam por ser os meus filhos e encontrar-me com pessoas amigas. E depois acho que um banho de água bem quente é a solução para tudo. Gosto muito de ler e de fazer trabalhos em ponto cruz. É muito fácil trabalhar com o meu marido. Com namoro incluído, estamos juntos há vinte anos. Falamos de trabalho em casa mas é com naturalidade que o fazemos. Acho que é fácil lidarem comigo apesar de ser um pouco temperamental. O meu lema de vida é pensar que o dia de amanhã é sempre melhor que o de hoje. Quando, como eu, se lida diariamente com pessoas em sofrimento aprende-se que por muito mal que nós estejamos há sempre alguém pior que nós. Sei que vou morrer mas gosto muito de cá andar.Elsa Ribeiro Gonçalves
“Quando disse que ia abrir uma agência funerária ninguém acreditou”

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