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A vereadora que despacha todos os processos no próprio dia

A vereadora que despacha todos os processos no próprio dia

Helena Pereira de Jesus é eleita da Coligação Novo Rumo na Câmara de Vila Franca de Xira

Helena Pereira de Jesus, 41 anos, advogada, é vereadora da Câmara Municipal de Vila Franca de Xira a meio tempo. É eleita pela Coligação Novo Rumo [PSD, CDS-PP, MPT, PPM], que governa a câmara em colaboração com o PS, e tem a seu cargo a divisão de actividades económicas, assuntos jurídicos e áreas de toponímia e condicionamentos de trânsito. Participa pouco nas reuniões de câmara mas a sua organização salta à vista. Despacha os assuntos no próprio dia. Quando chegou à câmara alguns processos demoravam dez dias só a chegar ao seu gabinete.

É notório que é um dos elementos do executivo da Câmara Municipal de Vila Franca de Xira que menos participa nas reuniões públicas. Por que razão tem essa postura?Talvez os assuntos que tenho a meu cargo sejam relativamente pacíficos. Estava à espera que fossem levantadas algumas questões sobre o regulamento de toponímia, por exemplo, e isso não aconteceu. É verdade que já levámos tudo muito estudado para a reunião de câmara. Acho que há várias maneiras de fazer chegar os assuntos à reunião de câmara. Às vezes discutem-se certos assuntos por discutir. Discute-se porque se é político… Considera-se pouco política?O que é ser político? Já fui presidente do Rotary de Vila Franca de Xira e da delegação da Ordem dos Advogados. Tudo isso é política. Se me falar de política partidária digo-lhe que sou militante do PSD desde os 18 anos e não faço intenções de alterar a minha vocação partidária. Estou pela primeira vez num cargo político embora tenha feito parte da JSD quando era mais jovem. Na câmara, estando nós [Coligação Novo Rumo: PSD, CDS-PP, MPT, PPM] com um acordo com o PS, temos que ter cuidado na maneira como abordamos ao assuntos em público. Não estamos na oposição. Fazemos parte do executivo. Trabalhamos em conjunto. Trabalham em conjunto porque existe uma coligação mas daqui a dois anos teremos eleições… Não temos um letreiro na testa a dizer PSD ou Coligação Novo Rumo. Não estou a fazer campanha para a próximas eleições autárquicas. Estou a tentar fazer o melhor possível para servir os munícipes deste concelho. Se as pessoas quiserem manifestar isso nas próximas eleições melhor.Há quem já tenha reparado que aproveita as reuniões de câmara para despachar processos… Tenho os meus assuntos despachados ao dia. Não deixo nada atrasado. Não faz parte da minha maneira de trabalhar. Se na quarta-feira, dia de reunião de câmara, despachei de manhã e se à hora de almoço surgiram mais situações, é natural que tenha levado mais para a reunião de câmara para despachar. Não quero acumular. Quando percebi que alguns processos demoravam vários dias a chegar ao meu gabinete perguntei porquê. Se estava a despachar ao dia não compreendia por que razão os assuntos demoravam dez dias ou duas semanas a chegar até mim. Há vereadores que não fazem isso…Não sei como os outros vereadores se organizam mas faço gosto em que comigo seja assim. O desafio de trabalhar como vereadora está a corresponder ao que esperava?Sou autarca na pior fase possível porque os tempos estão difíceis e não há disponibilidade financeira mas apesar de tudo estou a gostar do desafio. A minha vida sempre foi o papel e por isso o volume dos processos não me assusta. As divisões que me foram atribuídas têm excelentes profissionais. Já resolveu algum assunto que a tenha deixado particularmente satisfeita?Recebemos e-mails de agradecimento porque determinadas situações são resolvidas. Falamos às vezes de uma mera certidão de que as pessoas precisavam para uma escritura, por exemplo. Pedem para que seja no dia seguinte e que ficam extremamente agradecidas porque a certidão é emitida às vezes no próprio dia. Essas são as indicações que dou e os serviços colaboram. Na altura em que se candidatou teve esperança de vir a ser eleita?Achei que o actual vereador João de Carvalho era um óptimo candidato e que iria ter uma votação boa como teve. Também nós que fazemos parte da lista acreditamos que possamos ter tido algum mérito (risos). João de Carvalho conseguirá ser eleito presidente nas próximas eleições?Acredito que sim. Estamos num momento de viragem. Isso aconteceu a nível nacional e acho que vai acontecer a nível autárquico. Mesmo tendo em conta o tecido eleitoral que é tendencialmente de esquerda no concelho? Acho que as diferenças entre a esquerda e a direita começam a ser mais ténues. As pessoas nas eleições autárquicas votam em pessoas e não em partidos. “Recusei defender um cliente acusado de pedofilia que traiu a minha confiança”Como advogada seria capaz de defender o violador de telheiras, por exemplo?Por acaso não acompanhei a situação em pormenor. Tive um cliente que uma vez me contactou porque estava a ser acusado de pedofilia. Disse-lhe que iria patrociná-lo mas que ele teria que contar-me toda a verdade. Esse cliente falhou comigo. Negou tudo mas eu fui consultar o processo e vi que havia provas. Recusei defendê-lo. Tem que haver uma relação de extrema confiança.É difícil para si fazer de “advogada do diabo”?Há uma coisa que tento transmitir a quem faz o estágio comigo: quando somos advogados temos que conseguir defender tanto um lado como outro. Existem na lei uma série de subterfúgios que os advogados têm que usar. De outra forma bastariam os tribunais. Como é que vê a questão da morosidade dos processos em tribunal?Quando as pessoas que não estão inseridas na máquina da justiça, como eu como advogada considero que estou, falam como falaram das férias judiciais e como falam da morosidade dos processos. Não têm noção. É humanamente impossível um juiz despachar 3500 processos na celeridade de que as pessoas gostariam. Os nossos procedimentos penais têm regras e os juízes cumprem-nas. Os tribunais estão assoberbados de processos. Talvez por ter essa experiência é que não gosto de acumular nada. Há a ideia de que alguns juízes se sentem uma classe superior...Em todas as profissões há bons e maus profissionais. Eu não tenho essa opinião. Obviamente já encontrei um ou outro magistrado com o qual não houve empatia. Acho que são pessoas extremamente esforçadas que têm que gerir uma agenda terrível. Admiro a magistratura. Orgulha-se de algum feito como presidente da delegação da Ordem dos Advogados?A aproximação dos colegas. Em tribunal estamos em litígio, há partes contrárias mas entre advogados não deverá haver litígio. Houve uma grande aproximação dos advogados à delegação e entre si. Tínhamos uma grande percentagem de adesão às iniciativas que organizávamos. Já foi presidente do Rotary Club de Vila Franca de Xira que está actualmente parado.O facto do Rotary Club de Vila Franca de Xira estar parado tem a ver com os condicionalismos que estamos a viver. As pessoas têm cada vez menos tempo para dar aos outros. Não têm apetência para acções de solidariedade social. Quando o meu pai faleceu, faleceu o coração do Rotary Club Vila Franca de Xira. O meu pai foi um dos fundadores e impulsionava o projecto de alma e coração. Se disser que foi um pouco o princípio do fim acho que não vou ferir susceptibilidades. A juventude de hoje preocupa-se com aspectos materiais. No meu tempo ia com um grupo de jovens recolher alimentos e entregar ao Bairro da Pedra Furada e da Alfarrobeira. Como foi crescer em Vila Franca?Vivia na rua dos bombeiros voluntários, no centro da cidade. Andava de bicicleta na rua o que hoje em dia não se consegue. Não havia trânsito. Íamos a pé para todo o lado. Foi uma vida de província apesar de estarmos perto de Lisboa. Teve uma infância protegida?Não passei fome. Os meus pais tinham uma vida económica confortável. Sempre me transmitiram o que tento agora transmitir às minhas filhas: é preciso lutar por alguma coisa na vida. Fiz o estágio de advocacia em Lisboa. Ia no comboio operário das 6h55. Chegava ao escritório no Chiado às 8h00. Regressava no rápido das 20h25. No escritório perceberam que não estava a fazer um estágio por fazer e começaram a pagar-me. Não precisava daquele dinheiro para viver porque os meus pais pagavam-me o comboio, a alimentação e o vestuário. O que fiz? Poupei o dinheiro que ganhei no estágio (60 contos por mês) e abri o escritório.“Acho que todos os homens desejam secretamente ter a mulher em casa como antigamente”É a única mulher do trio da Coligação Novo Rumo na Câmara de Vila Franca. Sente que foi colocada na lista por causa das quotas?Não sinto isso nem sei se foi isso que levou o PSD a fazer-me o convite. O que é certo é que não sou a única mulher no PSD e em Vila Franca. Não vivo preocupada com isso. Concorda com as quotas? Vivemos numa época de direitos iguais para homens e mulheres. Obviamente que noto que nós mulheres temos mais dificuldades porque temos que conciliar a vida familiar com a profissional. Os homens também mas de maneira diferente. Acho que as quotas não deveriam ser necessárias para que pudéssemos participar na vida política. Até porque fazemos um bom trabalho e às vezes melhor que os homens. Como concilia a actividade de autarca com a profissão de advogada e com a condição de mãe?Já me têm dito para não me esquecer que não sou de ferro (risos). Durmo pouco. Durante a semana quatro a cinco horas por dia. Vingo-me ao sábado e ao domingo. A verdade é que sempre tive mais qualquer coisa além da profissão. Não é que não tenha necessidade de dormir mas a determinada altura da minha vida criei um ritmo. Não consigo estar sem fazer nada. Costumo dizer que se alguém viesse assaltar-me a casa e me levasse o sofá e a televisão só daria por isso dias depois...Lá em casa delega as tarefas domésticas?Delego algumas tarefas domésticas numa empregada que vai lá a casa três vezes por semana. Já me têm perguntado porque não tenho uma empregada para dar banho às minhas filhas e fazer o jantar mas faço gosto nisso. Quero ter um papel activo na vida das minhas filhas. Quando chego a casa estou disponível para elas. Depois de adormecer as minhas filhas, arrumo a cozinha, vejo se está tudo em ordem e pego na pasta para pôr os assuntos em dia. É como faço na câmara. Não gosto de deixar para o dia seguinte. Há alguma coisa em casa que não se importe de fazer?Gosto de estender a roupa mas a minha organização reflecte-se também aí. Estendo a roupa como a minha avó me ensinou. Por peças. Não vou estendendo consoante saem da máquina. As mulheres continuam a ser o elo mais fraco na sociedade?Acho que não. Temos um raciocínio muito rápido porque estamos habituadas a fazer muitas coisas ao mesmo tempo. Somos mais pragmáticas e chegamos ao cerne da questão mais facilmente. Claro que há excepções mas a sensibilidade feminina faz com que consigamos lidar com as situações e com as pessoas de maneira diferente. As mulheres emanciparam-se demasiado sem assegurar o equilíbrio da família? Acho que nunca se anda demais. Neste momento os pais já participam muito mais na vida doméstica e dos filhos. Se me perguntasse se achava que o desejo dos homens era ter a mulher em casa para ter o jantar na mesa e os filhos tratados responder-lhe-ia que sim. É o desejo de qualquer homem. Só que é um desejo que já não transmitem nem podem porque já não se adequa à realidade. Ainda continua no espírito dos homens o machismo de há muitos anos atrás.Advogada, autarca, mãe e dona de casaHelena Pereira de Jesus tem 41 anos, é mãe de duas meninas, advogada e vereadora da Câmara Municipal de Vila Franca de Xira a cumprir o primeiro mandato pela Coligação Novo Rumo. Apesar de ter uma vida profissional intensa, seja no escritório, seja no gabinete da autarquia, não dispensa algumas tarefas domésticas lá em casa. Gosta de cozinhar. Coisas rápidas durante a semana e pratos mais elaborados ao fim de semana, dois dias em que se dedica com mais tempo às filhas. Nasceu em Lisboa mas foi registada em Vila Franca de Xira onde ainda reside. É militante do PSD desde os 18 anos e sofre pelo Futebol Clube do Porto. Pratica ginástica quando pode. Anda de carro na cidade porque o peso dos processos assim obriga. Não tem tempo para massagens mas confessa que vai ao cabeleireiro todas as semanas. Há dias em que sai do trabalho às dez da noite e tem energia para ir comprar roupa a um centro comercial. É metódica e organizada. Não descura o visual. É de fácil trato mas ao cruzar-se com um colaborador nos corredores do edifício onde tem o gabinete da autarquia não perde a oportunidade de lembrar o trabalho que há para o dia seguinte. O seu gabinete não poderia ser mais simples. Tem a fotografia das filhas, alguns quadros da autoria da irmã e uma mesa redonda de reunião que foi reciclar ao armazém da autarquia. No escritório que montou como advogada em Vila Franca de Xira já tem outros profissionais a trabalhar consigo. Mudou quatro vezes de espaço. Recorda o primeiro caso mais interessante que defendeu. Foi um rapaz acusado de roubar uma carteira. O cliente, um dos primeiros a recorrer aos seus serviços, acabou por ser absolvido já que o queixoso não tinha a certeza de quem tinha cometido o delito.
A vereadora que despacha todos os processos no próprio dia

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