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A fadista traída que cantava a história em verso com o marido a chorar entre o público

A fadista traída que cantava a história em verso com o marido a chorar entre o público

Luísa da Copa Pinto que agora é viúva continua a cantar o mesmo fado de lágrimas nos olhos

É uma história de amor traído que deu em fado com a particularidade de a esposa traída o cantar em público, chorosa, com o marido adúltero na plateia chorando também de efémero arrependimento.

“Podes ter quantas quiseres/ Mas entre tantas mulheres/ O meu amor desejado/ Não encontras podes crer/ Quem saiba ser tão mulher/ Como esta que canta o fado”. Os versos foram escritos por Mário Silva, um fadista amador de Vila Franca de Xira, a história do poema é a história do amor sofrido de Luísa por Jaime Copa Pinto, seu marido, adúltero assumido a quem ela perdoou por tanto amar e a quem ele nunca amou mais do que às outras. Jaime Copa Pinto, forcado amador, D. Juan, marialva sem vergonha já morreu há 18 anos. A viúva, com 74 anos feitos continua a abrir as suas actuações com o fado da sua vida. Luísa Copa Pinto é uma das mais antigas, senão a mais antiga fadista amadora de Vila Franca de Xira. As pessoas ligadas ao meio conhecem a história. Quando o marido era vivo Luísa pedia-lhe autorização para cantar o fado e cantava-o de lágrimas a escorrerem-lhe pela cara, com o marido na plateia a chorar também. Um fado dentro de um fado. O fado chama-se “Sem razão” (o mesmo título de um outro fado de Fernando Farinha que pertencia ao reportório de Amália Rodrigues) e na verdade a razão não pode explicar coisas do coração. Ainda hoje, quando o canta, a fadista não consegue esconder uma lágrima. Luísa tinha 23 anos e estava emigrada na Holanda quando casou com Jaime por procuração. Foi uma prima que a representou. Uns meses depois ele iria viver com ela e só regressariam a Portugal 14 anos depois. A viúva sempre lhe perdoou as infidelidades e ainda hoje culpa mais as mulheres do que o defunto. “A qualquer lado que íamos as mulheres comiam-no com os olhos. Ele às vezes nem percebia e eu só pensava que elas eram umas filhas da mãe”, explica. As infidelidades eram sempre perdoadas. “Aquilo passava e não voltávamos mais a falar no assunto. Só assim é que se vive. Ele tinha coisas como os outros homens”, desculpa-o. E acrescenta: “Era um amor à antiga”.O marido que chorava na plateia durante o fado “Sem razão” e cujas lágrimas eram atribuídas aos remorsos que sentiria pelas facadas no matrimónio, só elogiou uma única vez as suas qualidades de cantadeira. Pouco antes de morrer, aos 54 anos, vítima de um aneurisma, Jaime da Copa Pinto confidenciou a uma amiga algo que tocou a fadista. “Disse-lhe que eu não tinha sido a sua grande paixão mas que sabia que ele era a minha, porque só uma pessoa que ama como eu é que conseguia perdoar tanta coisa. Disse-lhe também que jamais seria capaz de me deixar por outra mulher porque ninguém me conseguiria substituir”, conta Luísa Copa Pinto que ainda não conseguiu tirar o luto. Hoje, sempre que canta, Luísa Copa Pinto sente que o seu marido está ali ao lado, a ouvi-la e a dar-lhe força, e a chorar até não poder mais, quando começa o “Sem razão”. Há amores assim. “Serei tua até à morte / Mesmo com boa ou má sorte / E mesmo para que eu não te intrigue / Ó meu amor adorado / Se é crime cantar o fado / Então que Deus me castigue”.Quando o fado apaga todas as doresLuísa Copa Pinto cresceu em Vila Franca de Xira numa família de sete irmãos. O pai era pescador e a mãe varina. A mãe já cantava alguns fados e Luísa começou a acompanhá-la. Em casa ouvia-se Amália Rodrigues. Lembra-se de ser pequenina e uma tia já a levar a Fátima para cantar o fado. Já adolescente ainda ajudou a mãe a vender peixe, antes de emigrar durante 14 anos, primeiro para a Holanda e depois para Inglaterra, onde trabalhou nas limpezas. Já em Portugal, trabalhou numa padaria de Vila Franca de Xira antes de se reformar. Diz que nasceu para cantar. “Posso andar o dia todo com dores, que mal vejo uma guitarra fico logo bem. Mal começo a cantar esqueço-me de tudo”, explica a fadista amadora que já soma mais de 50 anos de espectáculos. Não gosta de ver crianças a cantarem alguns fados por “ainda não terem vivido o suficiente para sentirem o que cantam”.
A fadista traída que cantava a história em verso com o marido a chorar entre o público

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