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Tributo a José Saramago

“Como se caracteriza como poeta? Identifica-se mais como poeta ou como romancista?”, perguntou a jornalista Clara Gomes a José Saramago, no dia 10 de Dezembro de 1982, durante a apresentação de Memorial do Convento, em Santarém.A resposta (que se encontra publicada na revista Informa, n.º 2, Janeiro/Fevereiro de 1983, p. 5) foi a seguinte: «Eu neste momento não sou poeta. Eu passei em 66 por uma crise daquelas que levam os adolescentes a fazer poemas, só que os fiz mais tarde. Mas sinto que o meu modo próprio de me exprimir é de facto a prosa. O teatro surge também acidentalmente. Mesmo que escreva mais uma ou duas peças, nunca me considerarei um dramaturgo (homem de teatro era o Santareno, esse sim). O que acho que sou realmente é um prosador, um romancista.».27 anos depois (em 19 de Janeiro de 2010), José Saramago viria a escrever: «Há grandes poetas na nossa terra, mas eu não sou um deles. […] como poeta não fui além do normal de quem tinha algum talento, mas por aí se ficou.».Curiosamente, naquele dia 10 Dezembro de 1982, mostrei a José Saramago um exemplar da revista Contravento (o n.º 4, de Dezembro de 1971), juntamente com as obras que levara para autografar. «Eu não escrevi nada aí!». Porém, aberta a Contravento, na página 37, lá estava um bloco de ouro em poesia, “Os mais velhos”. «Eu não tenho isto. Já nem me lembrava. Não me mandaram a revista.», concluiu José Saramago.Com a devida autorização do autor, o Grupo “Mais Saramago” publicou, em 2009, uma edição (muito restrita) de “Os mais velhos”. Este seu poema tem um brilho que desafia as leis do tempo. Não lhe é permitido, nem viável, continuar escondido:Os mais velhosSão de pedra, os mais velhos. Ermos, sós.O gesto hirto, como as mãos perdidasDa remota brandura, como prantoVidrado e recolhido, água rasa:Nada o mundo vos deu (sois vós, e basta).Inocente da morte que aceitais,Recolho dessas mãos de cardo secoA herança dos nardos imortais.José Saramago, 1971.Sobra riqueza ao poema. O seu autor encheu-lhe as medidas com grãos de ouro fino (de cara lavada). E não há melhor quilate do que o do carácter de José Saramago. É um espelho de virtudes éticas onde a inteireza de princípios se assume como resposta permanente a uma exigência da sua dignidade humana.Quem ler Saramago (romancista, dramaturgo ou poeta) não poderá ficar do mesmo tamanho. Com o autor de Levantado do Chão, torna-se possível aprender, viver e construir, no espaço da cultura, o processo do nosso próprio crescimento.Póvoa da Isenta – Santarém, 28 de Outubro de 2012José Miguel Correia NorasNota da redacção: José Saramago faria 90 anos no dia 16 de Novembro data de aniversário de O MIRANTE

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