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Memórias dos primeiros tempos de produção automóvel no Tramagal

A Mitsubishi Fuso Truck Europe celebrou no dia 12 de Fevereiro os 50 anos de produção automóvel na fábrica do Tramagal, concelho de Abrantes, numa cerimónia com a presença do primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, e que ficou também marcada pela oferta de uma viatura ao Centro de Recuperação Infantil de Abrantes. O MIRANTE falou com alguns dos trabalhadores que viveram esses tempos de viragem.

Foi a 10 de Fevereiro de 1964 que se iniciou na Metalúrgica Duarte Ferreira (MDF), no Tramagal, a montagem do veículo comercial da marca francesa Berliet, marcando para sempre a história da indústria automóvel em Portugal. O Exército Português foi o grande cliente da MDF, adquirindo os camiões Berliet-Tramagal, robustos e de fácil manutenção, para servirem na Guerra Colonial em Angola e Moçambique. Durante o tempo em que a MDF montou o camião Berliet-Tramagal, foram produzidas mais de 3000 viaturas.João Botequilha, engenheiro e primeiro chefe da divisão Berliet-Tramagal, recorda a O MIRANTE que entrou para a MDF em Setembro de 1962 e assistiu “a um esforço colectivo para estar ao nível do que eram as exigências de uma linha de montagem: os ritmos de trabalho, a organização, tudo isso foi excelente”. “Era muito bom trabalhar na fábrica, os dias nunca eram iguais, tínhamos altos e baixos mas nesse período conseguiu-se uma sustentabilidade económica do projecto à base do camião militar que conseguimos aqui produzir”, salienta João Botequilha.Francisco de Jesus Branco, 80 anos, começou a trabalhar para a MDF com 12 anos e ali esteve toda a sua vida laboral como fundidor. A O MIRANTE recorda a fase em que a MDF produziu para a Berliet: “Foi um período complicado porque era um material completamente diferente daquele que fabricávamos e tivemos de parar todo o nosso fabrico para começar a produzir para a Berliet. Aí é que foi a morte da MDF”, sublinha. “Era bom trabalhar para a fábrica”, recorda este ex-funcionário que, com orgulho, refere que “no princípio da MDF, tínhamos o único posto médico do país que era privado, só para os trabalhadores. Era a Caixa de Previdência da MDF”.Armando Maia Alves Rosa, quase a completar 80 anos, trabalhou para a MDF onde fazia caixas de velocidade redutoras. Entrou a 20 de Outubro de 1950, tinha 15 anos. “Gostei muito de ter ali trabalhado”, refere com saudade. Começou como servente e depois passou a torneiro mecânico. Recorda que em 1960 foi fazer o curso na Escola Industrial de Abrantes, que terminou no ano lectivo de 65-66, e passou então a mecânico na MDF. “Fiz o meu curso enquanto trabalhava, ia de bicicleta do Tramagal para Abrantes, a chover, e regressava a casa à meia-noite, chegava a casa ainda tinha de estudar e no dia seguinte de manhã tinha de ir para a fábrica, mas os patrões davam-me duas horas à tarde para ir estudar”, recorda. “Eram patrões bons, já não encontramos patrões assim”, afirma.As regalias sociais dadas pela MDF aos seus trabalhadores são reconhecidas pelos ex-funcionários. Manuel Lopes, 57 anos, entrou na MDF em 1971 a trabalhar como paquete de escritório e salienta que “era muito bom trabalhar ali, o ordenado era superior ao que se praticava nos outros locais e em termos de regalias sociais a empresa proporcionava tudo aos seus funcionários”. Refere que “depois do 25 de Abril não houve quem tomasse as rédeas da empresa e foi o fim”.Recorde-se que a MDF foi intervencionada pelo Estado após o 25 de Abril de 1974 e retalhada em pequenas empresas, muitas das quais viriam a falir. Este processo levou a que muitos trabalhadores ficassem com salários em atraso e indemnizações que não chegaram a ser entregues na sequência dos despedimentos colectivos. Os trabalhadores tiveram de esperar 25 anos para receberem os valores em atraso. Dos ex-funcionários com quem O MIRANTE falou já todos têm a sua situação regularizada mas referem que ainda existem casos de colegas que lutam em tribunal para receber os valores em dívida. Mitsubishi chegou em 1980A Mitsubishi chegou ao Tramagal em 1980 onde se instalou em alguns dos pavilhões antigos da Metalúrgica Duarte Ferreira, dando, assim, continuidade ao passado industrial da MDF.As comemorações dos 50 anos da Berliet - Tramagal, que foram uma vontade de Jorge Rosa, presidente e CEO da Mitsubishi Fuso Truck Europe, tiveram início na manhã do dia 12 de Fevereiro com uma visita, que contou com a presença do primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, às instalações da actual fábrica da Mitsubishi Fuso Truck Europe, no Tramagal, o centro de produção dos veículos comerciais Fuso Canter, que exporta para mais de 30 países na Europa e Israel. A partir deste ano a fábrica do Tramagal passará a exportar veículos também para Marrocos.Entre 2011 e 2014, a fábrica investiu 27 milhões de euros na modernização das operações de produção. Deste montante, cerca de 5,5 milhões de euros serão aplicados este ano na aquisição de novo equipamento e no desenvolvimento do veículo eléctrico Canter E-Cell. O Governo português está também a apoiar esta medida com um investimento de 3 milhões.Durante a cerimónia, a Mitsubishi ofereceu uma carrinha Canter ao CRIA - Centro de Recuperação Infantil de Abrantes, organização sem fins lucrativos que presta assistência a crianças com deficiência e às suas famílias há 37 anos. Para Humberto Lopes, presidente da direcção do CRIA, “esta prenda vai-nos permitir manter a sustentabilidade do nosso projecto de manutenção de espaços verdes”. Núcleo Museológico para perpetuar memória da Metalúrgica Duarte FerreiraA Câmara Municipal de Abrantes, em parceria com a Junta de Freguesia de Tramagal, vai concretizar o sonho antigo da população tramagalense de criar um museu que preserve e perpetue o espólio, a obra e a memória da Metalúrgica Duarte Ferreira.O edifício que vai receber o museu, onde funcionou o escritório principal da MDF, já se encontra em fase de reabilitação. Trata-se de um edifício que pertencia ao Grupo Diorama e que, através de protocolo, foi cedido à freguesia do Tramagal para ali se instalar o museu.O Núcleo Museológico pretende “expor o acervo que ainda existe da MDF, desde exemplares das máquinas e das alfaias que aqui eram produzidas, passando pela documentação da fábrica”, explica a O MIRANTE Lígia Marques, museóloga. “Depois temos os desenhos técnicos que eram feitos à mão, temos também um lagar em miniatura que foi feito pelos trabalhadores da MDF e que funciona e que será também outra das atracções do museu”, salienta.Como não poderia deixar de ser, no futuro Museu poderão ainda ser vistas as máquinas maiores, “desde os camiões civis aos camiões militares, que vão fazer parte de um circuito museológico ao ar livre que se prevê que vá desde o museu até ao monumento que já existe da forja”, refere Lígia Marques.As histórias, vivências e memórias dos tramagalenses também farão parte deste Núcleo Museológico que ainda não tem data marcada para a sua abertura.

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