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“Quando a economia afundava a agricultura estava a crescer”

“Quando a economia afundava a agricultura estava a crescer”

Ministra da Agricultura e Mar, Assunção Cristas, diz que quanto mais competências forem dadas ao privado mais pujante é o sector

Nesta entrevista que a ministra da Agricultura e Mar deu a O MIRANTE no seu local de trabalho no Terreiro do Paço são abordados vários assuntos da agricultura e da floresta que interessam ao Ribatejo, um dos mais ricos territórios de produção agrícola. Assunção Cristas fala de bons exemplos que existem no distrito de Santarém, como a exploração de pinheiro bravo em Aldeia do Mato, Abrantes, e o projecto de emparcelamento de Golegã e Chamusca que tem condições para avançar.

Qual é o marco da sua governação? Ter sido possível por a agricultura e o sector agro-alimentar no mapa da nossa economia, com um lugar de relevo. O sector trabalhou muito e executámos a 100 por cento os fundos comunitários, pela primeira vez. Conseguimos ter alguns problemas crónicos da agricultura resolvidos e que o sector agro-alimentar passasse a ser um forte exportador. No ano passado conseguimos 10,5 mil milhões de exportações de bens ligados à agricultura e à transformação agrícola e florestal. Exportamos para muitos mais países. Quando chegámos ao Governo havia 35 mercados abertos, neste momento temos 208 mercados. A agricultura pode ser uma oportunidade? Num momento em que a economia portuguesa afundava, a agricultura estava resiliente e a crescer com jovens agricultores e com a capacidade de os atrair. O ministério passou muitas das suas competências para o sector privado, para as organizações de produtores. De que forma isso teve influência no sector? A reforma do sector foi feita no passado com muitos custos negativos mas agora de forma mais positiva. Quando damos mais palavra e liderança ao sector privado estamos no bom caminho. Neste momento estamos a sedimentar os centros de competência, como o do tomate e da cortiça. Se criticam que a investigação não é aquela que precisamos, isso só é ultrapassado envolvendo os privados, as associações. Não há quem conheça melhor o sector do que quem trabalha nele todos os dias. As coisas são mais dinâmicas, há um trabalho mais cooperativo e a preocupação de ter no ministério gente que interage. Está a conseguir pacificar o sector. Se há coisas que correram muito bem foi pagar a tempo e horas os apoios do Proder. Acabámos com atrasos nos pagamentos e sempre que podemos antecipamos, como já aconteceu este ano. Há ainda uma questão negativa que é o fraco envolvimento das escolas agrárias, como a de Santarém, junto dos agricultores. As escolas agrícolas tiveram um momento muito baixo e estão numa fase de se reconfigurarem, de ganharem gente, de procurarem ter cursos mais ajustados ao que é o mercado. Acho que de seguida vem essa abertura ao sector. As escolhas estão a reganhar identidade. Tenho visitado escolas já com forte ligação aos territórios, às empresas e aos produtores. Havendo algumas que começam a apresentar trabalho as outras vão segui-las. Estou confiante que essa valência da envolvência da formação com a produção vai acontecer. O ministério tem uma estrutura ainda muito pesada. Não tanto como foi. Em algumas áreas sinto que continuamos a precisar de reajustar as funções. Trabalhamos no domínio de uma política agrícola comum, a política agrícola europeia mais antiga, com 50 anos, com exigências enormes e muitos regulamentos para cumprir, muita fiscalização no terreno, e às vezes sinto falta de gente mais nova e mais qualificada. Mas o ministério tem muitos funcionários. O ministério chegou a ter 14 mil pessoas e neste momento tem 6.500 nas valências de agricultura, floresta e mar. Houve um esforço muito grande de contenção nas estruturas. Nalgumas áreas precisamos de gente mais nova com formações mais específicas, em outras certamente teremos um excesso. Isto são processos muito difíceis. No tempo do ministro Jaime Silva foi feita uma reforma muito infeliz do ministério, com consequências muito negativas, e ainda hoje estamos a pagar por isso. Estamos a reintegrar funcionários dessa altura que ganharam acções em tribunal. O grosso das pessoas do ministério está nas direcções regionais, sobretudo no Norte. Não a preocupa que técnicos do ministério acumulem funções no privado? É uma matéria delicada porque há algumas áreas em que se terminarmos com as acumulações deixamos de ter funcionários. Há outras em que não é assim. É uma matéria que está submetida a regras de incompatibilidade. Certamente às vezes a simples aparência acaba por descredibilizar, mesmo quando não acontece nada de mal. Proibir as incompatibilidades em tese é uma boa ideia, na prática pode levar-nos a perturbações graves porque não temos massa crítica suficiente. Considera-se o exemplo de que não é preciso saber de agricultura para se ser governante nesta área? Muitos dos meus antecessores não tinham formação na área e foram óptimos ministros da agricultura. É importante ter curiosidade, interesse pelo sector, entusiasmo e capacidade de aprender e fui procurando ter isso. Fui aprendendo muito no terreno e nas reuniões. É melhor o ambiente e a agricultura estarem num único ministério como estiveram? O ambiente e a agricultura juntos tiveram frutos muito positivos, as sementes ficaram e continuarão a dar alguns bons resultados. Permitiu ter um ambiente mais sensível às questões agrícolas e a não ser, algumas vezes, uma situação de conflito mas sim uma situação mais cooperante. A bolsa de terras, uma das bandeiras deste Governo, não teve o sucesso que se esperava. A bolsa de terras está a funcionar mas precisa, para ter um salto grande, da revisão do IMI para as pessoas que põem as terras na bolsa ou que as trabalham directamente terem isenção. 25 por cento das terras que passaram pela bolsa já foram transaccionadas e já passaram pela bolsa 14 mil hectares de terras. Quando não existia nada não me parece assim tão pouco. Estamos a preparar o segundo concurso das terras do Estado que privilegia os jovens agricultores e pelo meio fizemos uma reforma da fiscalidade verde que inclui a fiscalidade florestal. É preciso recuperar floresta de pinheiro bravo como está a ser feito em Abrantes Quando é que se consegue controlar a desorganização do território florestal, como a que existe no norte do distrito de Santarém. Temos uma realidade fundiária que é muito própria do nosso país. Nos outros países há uma floresta tipicamente pública, enquanto Portugal tem dois por cento de áreas de floresta pública. No privado estamos a falar de floresta detida a nível nacional por cerca de 400 mil proprietários, muitos com muito pequenas parcelas. Qual é a solução? Perguntam-me às vezes se deve-se acabar com a pequena propriedade e juntar tudo em grandes propriedades. Isso não se pode fazer num país que tem enorme respeito pela propriedade privada e onde, em contextos rurais, há muitos conflitos ligados à propriedade. Mas há exemplos muito bem-sucedidos como é o caso de termos quase um milhão de hectares cobertos por Zonas de Intervenção Florestal (gestão comum dos terrenos). Há muitas Zonas de Intervenção Florestal ou organizações de produtores que estão a caminhar para criarem estruturas económicas rentáveis para os seus proprietários. E não é importante a elaboração do cadastro florestal? Há condições para crescermos e precisamos de resolver o problema do cadastro. Tenho pena que ainda não se tenha conseguido concluir o processo legislativo nesta matéria. Mas este cadastro será muito mais barato, simples e rápido. Isto é importante porque temos uma riqueza extraordinária e uma indústria a pedir mais matéria-prima, em fileiras como a cortiça, o pinho, eucalipto, as espécies autóctones. Esta questão já anda enrolada há muito tempo. Foi desenrolado por nós com um modelo muito diferente. Quando cheguei disseram-me que o modelo de cadastro que tinha sido pensado demorava 30 anos e custava mil milhões de euros. O modelo que está agora pensado, mais rápido e mais barato, faz uso dos cadastros já existentes, junta a informação das administrações públicas, casa a informação da matriz com o registo predial e o cadastro geográfico e aproveita a informação das câmaras municipais. Antes o que estava em marcha para sete “concelhos piloto” tinha um custo de 20 milhões de euros.Mas o estado da floresta tem muito a ver com os incêndios. O problema dos fogos no que respeita ao clima não vai melhorar. Comparem este ano com o do ano passado. A prevenção e a sensibilização existiram na mesma no entanto há mais fogos. A maior parte das causas dos incêndios está ligada à negligência. Não é uma situação fácil mas uma boa gestão e valorização da floresta ajudam muito. A floresta é um potencial com muito ainda para explorar? Basta olhar para a quantidade de investimentos que apareceram para a floresta, mais de 160 milhões de euros de candidaturas ao Proder, para perceber que as pessoas estão a despertar para este potencial de riqueza. A possibilidade de alargamento do território de eucalipto é uma cedência à indústria? Isso não a preocupa? Quando olho para os números da produção de eucalipto na década de 80 e para os de agora estamos a falar essencialmente de reconversão de povoamentos já existentes e marginalmente de novos povoamentos. Não acho isso preocupante. A indústria tem como principal preocupação que é não importar tanto eucalipto e garantir que o que existe seja bem gerido. O ministério consegue controlar a plantação do eucalipto? Temos neste momento o regime jurídico de arborização e rearborização, que foi injustamente criticado, mas que nos permite, pela primeira vez na nossa história, saber o que está a ser plantado e onde. E fazemos uma fiscalização por amostragem no terreno ou por denúncia. Vejo muito interesse pelas espécies autóctones, pelo pinheiro, e há medidas de apoio a 100 por cento de fundos comunitários para esta área que espero que sejam bem aproveitadas. A exploração do pinho tem alguma comparação com a do eucalipto? Tenho visitado boas explorações de pinheiro bravo como na Aldeia do Mato em Abrantes. Os números globais do país mostram que o eucalipto está à frente mas não é a uma distância tão grande. Precisamos de aproveitar as imensas áreas de regeneração natural de pinheiro bravo. Estou convicta que é possível, com os apoios comunitários, recuperar o pinheiro bravo até porque há necessidade de matéria-prima. Em que medida é que o Estado tira proveito da exploração do eucalipto? É uma fileira que contribui para a fileira florestal. Se falarmos num défice agro-alimentar que tem vindo a ser reduzido na área florestal há um superavit na balança comercial. Temos 2,5 mil milhões de euros de superavit que quase compensa os menos 2,8 mil milhões da área agro-alimentar. O país não está em condições de não querer a indústria ligada ao eucalipto. Queremos esta mas queremos também as outras, o pinheiro, os pinhões, as nogueiras, mais e melhores sobreiros… A floresta é muito mais diversa que a questão do eucalipto. Doutora em Direito e vice do CDS-PPAssunção Cristas nasceu em 1974 em Luanda, Angola. Ainda nova foi viver para Alvaiázere, distrito de Leiria, e posteriormente para Lisboa. É doutorada em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa. Foi directora do Gabinete de Política Legislativa e Planeamento do Ministério da Justiça de 2002 a 2005 e posteriormente consultora na sociedade de advogados Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Silva e Associados. É desde 2009 a vice-presidente do CDS-PP. Foi deputada à Assembleia da República na legislatura de 2009-2011 pelo distrito de Leiria, tendo sido reeleita em 2011. Recentemente o seu nome chegou a ser falado para cabeça de lista da coligação PSD/CDS-PP pelo círculo de Santarém mas nas próximas legislativas vai voltar a concorrer por Leiria, no quarto lugar da lista.Reagrupamento de serviços na Estação ZootécnicaA Confederação dos Agricultores de Portugal é a maior organização de agricultores. Sente-se refém da CAP? Tenho muito boa relação com a CAP, a CNA, a Confagri, a AJAP. Sendo a CAP a mais representativa é a que consegue tocar mais assuntos com mais profundidade. Da CAP ouço preocupações em primeira mão. A CNA tem preocupações muito específicas e é preciso não esquecer que tem por trás o Partido Comunista que também tem uma agenda política e partidária muito própria. Temos trabalhado com todos. Faz sentido o Ministério ter uma participação no capital do CNEMA que organiza a Feira Nacional de Agricultura e em que a CAP é o maior accionista? O ministério tem uma participação muito residual porque o Estado não precisa de ter um parque de exposições. O papel do Estado é produzir legislação, planear, fiscalizar, regular. No Governo anterior o ministério alugou instalações ao CNEMA para instalar serviços quando o Estado tem edifícios em Santarém. Tem havido junção de organismos. Na Estação Zootécnica, na Fonte Boa (Vale de Santarém), tem havido um reagrupamento de serviços. Mas mais parece uma situação de favorecimento do CNEMA e da CAP. Não fui eu que tomei a decisão e assumo que o assunto nunca me foi apresentado. A orientação geral é concentrar sempre que for relevante e possível. Já está a acontecer na Fonte Boa. Da minha parte tem havido uma preocupação de racionalização dos espaços do ministério. Emparcelamento da Golegã e Chamusca é um bom projectoO emparcelamento parece que anda arredado do programa político. Foi aprovada no parlamento a lei da estruturação fundiária, onde aparece o emparcelamento. Essa é uma matéria relevante. Começámos por outro lado, pela revisão das zonas de intervenção florestal e pela bolsa de terras mas também fomos ao emparcelamento. Há projectos de emparcelamento que estão para avançar há 10 anos ou mais, como o da Chamusca e Golegã. É um bom projecto e está pronto para ser candidatado a fundos comunitários para ser terminado. Quando cheguei os fundos comunitários já estavam comprometidos e não havia verba para isso. Mas agora há verba e espero que o projecto seja apoiado e concluído. Há dois projectos no país bons, bem-feitos, é este e o de Monção. Há que ter a noção que o emparcelamento é muito difícil. Este projecto pode servir de exemplo nacional? Pode ser e deve ser um exemplo. O emparcelamento, sendo um instrumento de primeira linha, é difícil de o levar em frente com aquilo que é o nosso país e as nossas pessoas. Ter bons exemplos ajuda.
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