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Professores

Ser professor é um privilégio. Em boa verdade, vale a pena ser professor não pela mineralogia, nem tão pouco pelas falhas da geologia, é pelos alunos. A “matéria-prima” que todos os anos se renova e que tem a impar característica de não envelhecer, “obriga-nos” a estar sempre no topo.

Saber alguma coisa sobre minerais possibilita compreender quase tudo o que se passa na superfície da Terra; até a riqueza e a pobreza, conforme hoje se considera, de acordo com a distribuição dos minerais na crosta terrestre. Siga-se qualquer caminho e esbarramos nos ditos, pois eles estão presentes em tudo e também na cadeia alimentar e na qualidade da água.
Voltei aos minerais e para saber um pouco mais, designadamente com outro olhar, bem mais experiente na matéria e, muito importante, com enorme experiência aplicada, participo, com imensa gratidão, nas aulas da minha colega Rita. É um privilégio poder ouvir a Rita. Hoje na aula, com os meus botões, pensei que depois da química, da física e da cristalografia, quando temos um mineral na mão é como ter uma maçã, a prova de que Deus existe. Mas isto não faz parte do programa. Muito interessante nestas aulas é compreender que a fronteira entre a biologia e a geologia só existe nas cabeças mais duras, quanto muito não passa de um ténue tracejado. É por isso que quando se “mexe” nalguma componente dos ciclos naturais todas as outras o sentem. E assim, uma mina mal laborada tem consequências catastróficas ao nível da biosfera.
O mais extraordinário é que os minerais, no limite, explicam a fronteira natural entre o baixo e o Alto Alentejo ou o Vale do Tejo. As Portas do Rodão são mineralogia; a geodinâmica externa faz o resto. A diversidade, até cultural, do nosso país tem como fundamento mais essencial a geologia, isto é os minerais no seu mais profundo significado. Mas porque há dias viajei de Beja para Évora volto ao Tejo de cá. A dada altura, uns quilómetros depois de sair de Beja, na tal imensa planície (à nossa escala) alentejana vemos no horizonte um evidente contraste morfológico, a falha da Vidigueira, terra que como se vê não tem só bom vinho e pão. É esta falha que faz a fronteira entre os alentejos e, quiçá, faz com que as açordas a norte sejam diferentes das do sul e que no norte se cantem as Saias e no sul o Cante. É também esta falha que convida o grande rio do sul (Guadiana) a fazer uma enorme inflexão e, porque não, a justificar as nuances culturais da margem esquerda (Moura, Serpa) – queijo, vinho, azeite etc.
Pelo mesmo motivo, uma falha geológica, o grande rio Tejo, depois de atravessar bem mais de meia península, assume um dos maiores estuários da Europa e aperta-se no gargalo que possibilita uma ponte tão curta entre Lisboa e Almada. Que outra razão poderia justificar um estrangulamento destes senão uma falha?
Mas voltemos à sala de aula e à bênção do que é ser professor. Em boa verdade, vale a pena ser professor não pela mineralogia, nem tão pouco pelas falhas da geologia, é pelos alunos. A “matéria-prima” que todos os anos se renova e que tem a impar característica de não envelhecer, “obriga-nos” a estar sempre no topo. Muito para além do curso, do programa e do maior ou menor interesse de cada um pela matéria, é a dimensão humana que prevalece. Sempre assim é e sempre assim será, muito para além de todos os indicadores e números que nos peçam. No fim da aula de minerais, uma aluna, nitidamente tímida, muito jovem, ganhou coragem e disse-me particularmente: “Professor, desculpe às vezes olhar muito para si mas faz-me lembrar o meu pai que já faleceu.” É essencialmente por esta dimensão humana que estou muito grato em ser professor.
Carlos Cupeto – Universidade de Évora

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