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Evocação rimando com Ascensão

Evocação rimando com Ascensão

Memórias da Ascensão. “A memória é a consciência inserida no tempo.” Fernando Pessoa

Esta primavera caprichosa e a aproximação de Quinta-Feira de Ascensão trouxeram-me à memória recordações longínquas de quando conheci António Dores do Carmo (1897-1982), um alentejano nascido em Elvas mas chamusquense por adopção, que à Chamusca deu o melhor de si numa acção esforçada de bem-fazer, defendendo a causa dos desvalidos, especialmente os idosos, os doentes e a chamada “pobreza envergonhada”.
No início dos anos 1950, o Senhor Carmo era o Chefe da Repartição de Finanças e eu uma espécie de moço de recados que, ao longo do tempo, foi sendo reconhecido como um jovem colaborador confiável. Como tinha uma secretária ao lado da sua, pude acompanhar de perto algumas preocupações suas relacionadas com a acção que desenvolvia enquanto membro da Santa Casa da Misericórdia, em particular quando teve o pelouro da Praça de Touros.
Com o aproximar da Quinta-Feira de Ascensão, essas preocupações diziam respeito sobretudo ao tempo que faria no dia da tradicional corrida. Tanto trabalho e ralações, sempre na expectativa de alguns proventos mais para a Santa Casa, poderia transformar-se num pesadelo se a chuva aparecesse e afugentasse os forasteiros.
Em vésperas de corrida, via-o ir amiúde à janela do gabinete espreitar o céu, a que se seguia um comentário de esperança ou um desabafo de dúvida. Quando algum conhecido passava por perto, era sobre o tempo que falavam, cada um dando o seu palpite, parecendo técnicos de meteorologia sem recursos para fazer previsões.
Grande aficionado, muito alegrou as nossas gentes promovendo corridas que deram brado, para as quais contratava as maiores figuras do toureio, cujas actuações eram depois motivo de muita conversa. Não poucas vezes, fez preceder as corridas que organizou de entusiasmantes entradas de touros, Rua Direita acima. “Lá vêm eles”!, gritava-se com arrebatamento, como agora, aliás, que as tradições são isto mesmo: uma perpetuidade comungada de sentimentos genuínos.
Quem fará ideia do trabalho que tudo isto dava? Talvez um homem com o passado de Alberto Frederico Empis, que, em Julho de 1950, lhe escrevia uma extensa carta de agradecimento pelo convite formulado para estar presente a 3 de Agosto na festa de aniversário da praça de touros, dizendo no final: Aproveito esta ocasião para lhe remeter em separado alguns programas antigos e uma medalha comemorativa da inauguração da Praça, que estou certo lhe dará prazer e mais do que qualquer outra pessoa a ela tem direito.
Como a memória dos homens é curta e nem sempre grata, faz bem à alma recordar António Dores do Carmo, um enorme exemplo de dedicação à Chamusca, como porventura o reconhecerão ainda alguns chamusquenses.

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