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Do Cartaxo até ao topo do ciclismo nacional

Do Cartaxo até ao topo do ciclismo nacional

Ases do pedal contam como começou a sua paixão pelo ciclismo num concelho com grande tradição na modalidade. Marco Chagas e Francisco Valada têm muito em comum. São ambos do concelho do Cartaxo, foram ciclistas de topo a nível nacional, trabalharam juntos e conhecem o sabor de ganhar a Volta a Portugal. Recentemente encontraram-se mais uma vez, em Vila Chã de Ourique, onde foram homenageados, e contaram a O MIRANTE como era pedalar há algumas décadas atrás.

Está uma tarde de calor nesse 1 de Maio, Dia do Trabalhador, este ano também dia da mãe e dia de homenagem a dois ciclistas - Francisco Valada e Marcho Chagas - que projectaram o concelho do Cartaxo para lá das suas fronteiras há algumas décadas. Marco Chagas pede-nos para conversar à sombra, pois recupera de uma operação cardíaca de que foi alvo recentemente. “Um problema que felizmente detectei a tempo e que agora está a correr bem”, diz-nos o ex-ciclista que começou a pedalar profissionalmente no ano da revolução, 1974, “ano em que tudo mudou” na modalidade.
Natural da freguesia de Pontével, Chagas tem 59 anos e recorda-nos o início da sua carreira. “O Ramiro Martins, irmão da minha falecida mãe, participou nos Jogos Olímpicos de Roma com o senhor Francisco Valada em 1960, eram quatro representantes e dois eram do concelho do Cartaxo, o que diz bem da qualidade dos nossos ciclistas. Ele acabou a carreira logo com 20-21 anos, mas no fundo foi quem me iniciou: comecei a cheirar as bicicletas, aquelas pomadas”. Aos seis anos teve a sua primeira bicicleta, oferecida pelo pai.
A paixão pelas duas rodas ganhou consistência aos 15 anos com “muitos sacrifícios” dos pais. É na Casa do Povo de Pontével que Chagas começa e algum tempo depois vai prestar provas ao Benfica, onde Francisco Valada era técnico. “Era uma das referências da minha infância e trocar para o Sporting foi uma decisão que me custou muito, porque ele era um excelente treinador, mas a paixão pelo Sporting falou mais alto”, revela-nos o ciclista que seria também treinado por Valada no Águias de Alpiarça e no regresso do Sporting ao ciclismo em 1984.
Na época de Chagas as bicicletas não eram muito diferentes das actuais. “São um bocadinho mais leves, mas não falamos em dez quilos de diferença”, diz, acrescentando que são os pedais de encaixe e as multiplicações as diferenças mais significativas que oferecem “mais possibilidades aos ciclistas”.
A alimentação era cuidada e o ex-ciclista de Pontével conta que teve um treinador que o fez passar por uma dieta “horrível”: “obrigava a comer sempre a mesma comida quando estivéssemos em estágio: uma sopa, pescada cozida e um bife grelhado, ao almoço e ao jantar, durante dias e dias. Nunca mais consegui comer pescada cozida e mesmo o bife dispenso com facilidade”, afirma.
Os treinos implicavam ir para a estrada, um perigo que se acentuou nos últimos anos da carreira do ex-atleta: “Cheguei a apanhar sustos que não me deixaram muito satisfeito e com 33 anos pensei que era altura de parar”, revela. No final da sua carreira, os ciclistas ganhavam bem mas não se pode comparar com os futebolistas. “Temos sempre de multiplicar por dez, no mínimo”, afirma.

Ex-ciclista e treinador, hoje moleiro
Marco Chagas é o português com mais vitórias na Volta a Portugal em bicicleta: 1982, 1983, 1985 e 1986. Em 1984 também ganhou a prova mas foi desqualificado devido a um caso de doping. Francisco Valada foi um dos seus treinadores e revela a
O MIRANTE que na sua época já era um problema: “Mas eu acho que foi sempre psicológico para quem tomava, era como um comprimido para a cabeça”.
Natural do Cartaxo, Francisco Valada comemora a 15 de Maio 75 anos de vida e em 2016 celebra os 50 anos sobre a sua vitória na prova rainha nacional, em 1966, pelo Benfica. Valada trabalha numa empresa de moagem de farinha que o seu sogro lhe deu depois de se retirar do ciclismo e partilha das ideias do seu “discípulo” Marco Chagas quanto às poucas diferenças nas bicicletas de hoje: “pode ser muito levezinha mas se não carregar nos pedais ela não anda”, diz entre sorrisos.
O ciclismo era uma “coisa séria” na década de 60. “Íamos para o lar do Benfica, debaixo do terceiro anel, e comíamos junto aos futebolistas uma alimentação específica”, revela. Para Valada a estrada não era grande problema, mas sim a manutenção das bicicletas. “No Benfica tínhamos de ser nós a comprar o material, não era fácil”, conta.

Uma doença chamada ciclismo
Foi a família Nicolau que entusiasmou a geração de Francisco Valada. “Havia a “doença” do Nicolau, não o José Maria Nicolau (pai), mas o Eduardo Nicolau (filho) de quem andávamos sempre a par das corridas”, conta-nos o ex-ciclista, “e depois o meu pai lá me dá uma bicicleta que comprou ao Nicolau (o velho) por três contos, uma pipa de massa naquela altura!”.
Aos treze anos Valada começou a treinar enquanto aprendia o ofício de mecânico. “O meu patrão era primo direito do meu pai e ia aos arames por eu não chegar a horas para ir trabalhar de manhã. Houve um dia em que caí na asneira de dizer ao meu pai: «ó pai, o primo não me deixa chegar atrasado», e ele disse-me: «então para não chegares atrasado vens-te embora». E na primeira vez que ele começou a ralhar comigo por chegar atrasado fui-me embora. Não me despedi nem disse nada e começou aí o corredor de bicicleta”, conta entre sorrisos.
Nos primeiros tempos como corredor, Valada dependia dos pais e aos 19 anos começou a pedalar no Águias de Alpiarça, conseguindo ser atleta olímpico em 1960, ano em que o clube do Ribatejo o quis na Volta a Portugal. Entretanto, aparece o interesse do Benfica: “Naquele tempo, quando éramos amadores estávamos livres e ser profissional implicava ficar agarrado a um clube o resto da vida se eles quisessem. Então alguém do Benfica disse-me: «não vás à Volta à Portugal senão ficas preso e nós no ano que vem vamos buscar-te para o Benfica», e assim foi”, conta.
Francisco Valada fez oito voltas a Portugal seguidas pelo Benfica e tornou-se treinador do clube tendo feito mais duas provas rainhas nessa qualidade. “Entretanto apareceu o caso de doping no Fernando Mendes e naquele tempo quem sofria as consequências era o treinador. Resultado: o Benfica no final da época mandou-me embora e eu, que já tinha largado as bicicletas, entrei para a Ambar para pedalar durante dois anos”, afirma o ex-ciclista na altura com 30 anos.
Valada esteve no clube ainda como treinador, voltou também a treinar no Benfica e passaria também pelo Sporting e pelos Águias de Alpiarça nessas funções. Sem tempo para acompanhar a par e passo a modalidade a que esteve ligado por 20 anos, admite no entanto que a paixão ainda é grande: “Há-de ir comigo para a cova”.

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