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Bicicleta de madeira

Pessoalmente tenho outra certeza: a última coisa que quero na vida é uma bicicleta de madeira.

Num dos corredores da universidade onde trabalho, surgiu agora, exposta, uma bicicleta de madeira. Para que serve uma bicicleta de madeira? Não consigo encontrar uma resposta que valha a pena. É uma inutilidade como tantas outras que para nada serve a não ser entreter um conjunto de gente que assim se sente ocupada e útil. Muito provavelmente o país evita assim maiores despesas com tratamento de depressões, baixas, desemprego etc. É a sociedade que somos. Todavia esta inutilidade interessa ao leitor porque assim fica a saber onde se gasta muito do dinheiro dos seus impostos. Este mal não é português, é geral. A Europa padece desta prática - inovar com inutilidades e chamar a isso empreendedorismo. A bicicleta de madeira simboliza o produto de excelência dos nossos jovens cientistas empreendedores e inovadores que por esse país fora enchem os centros de incubação de empresas e coisas parecidas. Na prática, nada disto interessa à vida das pessoas e resolve coisa nenhuma. Algumas destas peças até têm alguma beleza mas nada mais.
Entretanto, a FAO (Organização das Nações Unidas para da Agricultura e Alimentação) revela que numa década (2003 a 2014) o impacto dos desastres naturais no sector agrícola na América Latina provocou perdas de mais de 34.000 milhões de dólares, afetando 67 milhões de pessoas. Isto sim é muito importante e quer dizer que a vida das pessoas nas suas terras é outra coisa, não são bicicletas de madeira. A maior parte das vezes as pessoas comuns apenas pedem um país que as deixe trabalhar, um sistema de saúde e educação capazes e uma justiça que funcione. Nas nossas terras, muitos trabalhos dependem do clima, e esse, um pouco sem darmos por isso, cada vez nos prega mais partidas.
Muito para além das bicicletas de madeira, o maior valor de cada terra são os seus recursos e patrimónios. Se cada lugar souber interpretar o seu capital natural e cultural, tem assegurado o caminho da sustentabilidade, isto é, da riqueza. Mais cedo do que se pensa, muitas das mentiras que por aí andam vão terminar e, nesse dia, se quisermos maçãs vamos ter que as colher da árvore e não esperar que estejam no supermercado a um euro o quilo com origem no Brasil. Enquanto isto, era muito bom que os dinheiros públicos fossem melhor aplicados, designadamente, na melhoria do comportamento dos solos e cultivos face às alterações climáticas. Esquecemo-nos de como “viver de acordo com os nossos meios”; a sustentabilidade local e comunitária é possível num modelo energético economicamente consistente, socialmente justo e ambientalmente equilibrado. Temos uma certeza: o futuro é incerto mas depende das opções que hoje tomarmos.
Pessoalmente tenho outra certeza: a última coisa que quero na vida é uma bicicleta de madeira.
Carlos A. Cupeto

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