“O Dom Profano” de José Sócrates e o pequeno almoço com o Nobel José Saramago em pijama
Uma hora de conversa entre os presidentes de Junta de Freguesia da Carregueira e da Azinhaga
Joel Marques, presidente da Junta de Freguesia da Carregueira, Chamusca, eleito pelo PS, foi ao lançamento do livro “O Dom Profano” de José Sócrates e diz que o antigo primeiro-ministro é um homem com carisma e com visão. Vítor Guia, presidente da Junta de Freguesia da Azinhaga, Golegã, que há anos se afastou do PS, diz que chegou a admirar Sócrates quando ele foi ministro do Ambiente mas que o passou a detestar quando ele foi primeiro-ministro. Em matéria de livros prefere os do seu conterrâneo José Saramago.
Joel Marques, autarca eleito pelo PS, não se pronuncia sobre a “Operação Marquês”, o processo de investigação que tem como principal alvo José Sócrates, mas pronuncia-se sobre o trabalho político do ex-primeiro-ministro e sobre a sua personalidade, sem papas na língua.
“Fui ao lançamento do livro “O Dom Profano” e fiquei admirado com a capacidade que ele tem de movimentar tanta gente de todas as idades e de todos os extractos sociais. A sala estava completamente cheia. Para mim ele foi sempre um líder carismático e tenho simpatia por algumas políticas dele. Ele conseguiu ter uma visão para o país. Faltam-nos líderes como ele. Políticos que consigam olhar para o futuro em vez de políticos que só sabem tratar dos assuntos do dia-a-dia”, diz.
O presidente da Junta de Freguesia da Azinhaga não foi ao lançamento do livro e explica porquê. “Ele foi a maior desilusão da minha vida em termos políticos. Foi o político em quem mais acreditei e aquele que mais me desiludiu. Quando ele era ministro do Ambiente estava acima de tudo e a sua maior preocupação era o país mas depois, como primeiro-ministro, foi um fiasco total. Tornou-se inclusivamente um mentiroso compulsivo”, considera Vítor Guia.
Para reforçar as sua opiniões conta alguns episódios. “Um dia, como ministro do Ambiente, uma presidente de câmara socialista disse-lhe que se ele fosse inaugurar um aterro, como estava programado, ela perderia as eleições. Ele apenas lhe respondeu que o problema era dela e que ele estava ali para servir o país e não o partido. Também o ouvi dizer noutra altura a um responsável pela Reserva Natural do Paul do Boquilobo que aquilo não era uma quintinha dos vigilantes e dos directores e que tinha que ser aberto ao público. Naquela altura eu pensava que finalmente iam acabar os paninhos quentes mas como primeiro-ministro vi-o fazer exactamente o contrário. A minha desilusão com ele não foi por causa disso”.
Apesar de ter ido ao lançamento do livro de José Sócrates, o presidente da Junta de Freguesia da Carregueira ainda não o leu. Diz que por falta de tempo e também porque tem um problema que é adormecer muito facilmente. “Gosto de ler mas ultimamente não tenho tido muito tempo e além disso, quando me disponho a isso adormeço”. Vítor Guia também gosta de ler e diz que começou a gostar de ler Saramago quando leu “Levantados do Chão”. “Passa-se no Alentejo mas poderia passar-se aqui na região. Os mesmos problemas...até nomes e alcunhas são iguais. Aquilo mexeu comigo”.
Relembra as visitas a casa de Saramago e Pilar del Rio em Lanzarote e por insistência do jornalista acaba por confessar que uma vez ou outra tomou o pequeno-almoço com o Prémio Nobel da Literatura ainda de chinelos e pijama.
O presidente da Junta de Freguesia da Azinhaga nasceu à beira do Almonda e aprendeu a nadar muito cedo. Joel Marques nasceu em França, na zona de Paris, mas veio morar para a Carregueira junto ao Tejo, com três meses. Não aprendeu a nadar no rio mas num tanque de rega embora tenha nadado muitas vezes no Tejo quando estudava na Chamusca e tinha que esperar várias horas pelo autocarro que o havia de levar de volta a casa.
Quando vão para a praia gostam de nadar para longe e curiosamente foi no mesmo local, em Vila Nova de Mil Fontes, que ambos sentiram, embora em momentos diferentes, que estavam em perigo. Mas com calma e sem pânico voltaram a terra pelos seus próprios meios.
Joel Marques e Vítor Guia são benfiquistas mas cada um à sua maneira. O presidente da Azinhaga vai ao estádio da Luz ver todos os jogos internacionais mas deixou de ser sócio quando Jorge Jesus foi contratado para treinador do Benfica. Joel Marques é sócio, não vai ao estádio mas vê os jogos religiosamente na televisão e na sua agenda tem apontados todos os jogos que o Benfica tem para disputar ao longo da época. Não inscreveu o filho como sócio quando ele nasceu porque não quer problemas. A esposa, a mãe e a irmã são do Sporting e há que ter isso em atenção.
Praias sem uma única mulher, álcool a martelo e uma alergia a almôndegas
Em determinada altura da sua vida, já lá vão mais de 25 anos, Vítor Guia trabalhou no estrangeiro, nomeadamente na Líbia e mais tarde na Argélia, e diz que gostou. “Estive na Líbia, em Misrata, a 200 quilómetros de Tripoli, a trabalhar para uma empresa alemã. Cinco meses de uma primeira vez e seis da segunda. Éramos trezentos portugueses. Estávamos a fazer um bairro enorme junto ao mar Mediterrâneo. Nunca ganhei tanto dinheiro na minha vida. Só me vim embora porque a minha mulher me mandou uma cassete a chorar e a pedir-me para regressar”.
O presidente da Junta de Freguesia da Azinhaga elogia também os contentores onde estavam alojados os operários e lembra que o pior mês foi o primeiro. E não foi por causa do trabalho. “Íamos comer a um refeitório húngaro e nunca comi tantas almôndegas na minha vida. Almôndegas todos os dias. O prato cheio e com aqueles molhos picantes. Eu que até gostava de almôndegas nunca mais pude ver almôndegas na minha vida. Felizmente ao fim de um mês passámos a ter refeitório próprio com dois cozinheiros portugueses”.
Apesar de serem tantos homens e não haver mulheres à vista, porque mesmo as que usavam burca nunca ninguém as via, Vítor Guia diz que não havia problemas. “Ainda fui uma vez à praia mas eram só homens. Para bebermos álcool só aos fins de semana e era porque os trabalhadores da Siemens, que eram da antiga Jugoslávia, tinham feito uns alambiques e fabricavam uma aguardente de tâmara. Mas essas coisas não tinham importância. Estávamos ali para ganhar dinheiro e quanto mais trabalhássemos mais ganhávamos”, diz. E acrescenta que nem nos tempos de descanso ele descansava. “Nas minhas folgas cortava cabelos. Vim carregado de prendas sem gastar nada do meu ordenado. Só com o dinheiro dos cortes de cabelo”.
O homem do “moche” que entortou as talas todas num concerto de “Machine Head”
Cada tempo das nossas vidas tem um ritmo adequado à idade e às circunstâncias. Joel Marques, presidente da Junta de Freguesia da Carregueira, casado e pai do Moisés, um menino de quatro anos de idade, continua a ser uma pessoa divertida que gosta de conviver mas já não se mete em aventuras como as que viveu quando ia com os amigos a quase todos os concertos de Heavy Metal que havia em Portugal.
Nessa altura era um grande adepto do “moche”, que, ao contrário do que pensam alguns mais velhos, não é nenhum tarifário de uma operadora de telecomunicações mas uma forma de libertação meio selvagem em que os seus praticantes se atiram para cima da multidão durante os concertos de música.
“Não gosto de ir ao circo e detesto palhaços. Gosto de cinema mas adormeço rapidamente e só consigo ver um filme aos bocadinhos no intervalos em que acordo mas sempre gostei muito de música, principalmente de Heavy Metal. Há seis ou sete anos que não vou a um concerto mas antes disso ia a quase todos. Tenho as t-shirts dos grupos e ia sempre lá para a frente. Para o ‘moche’. Há vídeos lindos na Internet que espero que o meu filho nunca veja, comigo a saltar para cima do pessoal nas primeiras filas dos concertos com Sepultura, AC/DC, etc, etc...”, conta.
Para ilustrar melhor a sua paixão, Joel Marques vai ao baú da memória buscar uma das muitas ‘cenas inesquecíveis’. “Saí do Azinhaga Atlético Clube e fui jogar para o Tramagal. Num jogo contra a Chamusca, um grande amigo meu teve a infelicidade de me provocar uma lesão grave num joelho. Fui operado e andava com umas talas mas mesmo assim fui para um concerto no ‘Paradise Garage’ (sala de espectáculos em Lisboa) com os Machine Head. Não me queriam deixar entrar por causa das talas no joelho mas lá acabei por os convencer. Assim que me vi lá dentro fui logo lá para a frente mesmo lesionado e tudo. Foi um espectáculo. Só me lembro que saí de lá com as talas todas tortas mas imensamente feliz”, sublinha.