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“Fomos para os bombeiros numa altura em que ainda não era habitual haver lá mulheres”
Teresa e Maria de Fátima Marques

“Fomos para os bombeiros numa altura em que ainda não era habitual haver lá mulheres”

Teresa e Maria de Fátima Marques são bombeiras nos Municipais do Sardoal. O pai de Teresa e Maria de Fátima, Augusto Marques (já falecido) era bombeiro na corporação dos municipais do Sardoal e dizia que aquele trabalho era para homens. Estava enganado e foram as filhas que lhe mostraram isso. E são elas que apesar da admiração pelo pai elegem a mãe como a heroína da família. “Nós íamos ajudar os outros mas era ela que tratava de nós”.

Nasceram entre sirenes de ambulâncias e de carros de ataque a incêndios. O pai era bombeiro na Corporação dos Municipais do Sardoal e Teresa e Maria de Fátima Marques seguiram-lhe o exemplo. Entraram num mundo que era, e ainda é, maioritariamente masculino mas mostraram ser mulheres de força com grande força de vontade para ajudar o próximo. Fizeram o seu percurso profissional nos bombeiros e agora estão reformadas mas continuam a ser bombeiras, embora voluntárias.
Muitas foram as vezes em que Maria de Fátima Marques e Teresa Marques Duarte viram o seu pai sair de casa a correr para os bombeiros. Ambas nasceram no Sardoal e em pequenas já tomavam contacto com a realidade dos incêndios florestais. “Lembro-me de ter havido um grande fogo na Quinta do Côro e de eu estar na janela a ver. Fiquei com aquela imagem e com aquela preocupação na cabeça”, conta Maria de Fátima, de 51 anos.
“Não havia rádios ou telemóveis e quando havia um incêndio as mulheres iam para o Pelourinho, na Praça da República, esperar por notícias trazidas por quem voltava ao quartel e levar comida para quem estava de serviço”, lembra Teresa Marques, agora com 58 anos.
A primeira a entrar para os bombeiros foi a mais nova. Maria de Fátima devia ter um fascínio por fardas porque primeiro tentou entrar para a Banda Filarmónica. Não conseguiu porque o pai achava que o maestro tinha mau feitio e quis protegê-la. Como na altura não podia ir para a tropa optou por ir para os bombeiros. O pai achava que era trabalho para homens mas não conseguiu demovê-la. “Eu tinha 14 anos mas era forte e dizia sempre que conseguia fazer tudo. Sempre gostei de trabalhos manuais e que exigiam destreza física”, conta.
A irmã, Teresa Marques, entrou para os bombeiros pelos seus dotes de cozinheira. “Os bombeiros também têm que se alimentar”, sublinha. Em casa, a mãe, Maria Natália, é que “aguentava” com o marido e as filhas a correrem para os bombeiros.
Teresa Marques ajudou a combater “meia dúzia de incêndios”, mas acabou por trabalhar na central de comunicações durante todo o seu tempo de bombeira municipal. Maria de Fátima era uma operacional. Ia para o terreno. “Cheguei a ir de calças de ganga e de sandálias para um incêndio”, revela entre risos.
As duas irmãs entraram como voluntárias. Antes de passarem ao quadro de efectivos trabalharam em fábricas e no campo. Nem sempre os patrões achavam graça a ter que dispensar trabalhadores para serviços de urgência nos bombeiros. “Por vezes quando voltávamos dos incêndios ouvíamos raspanetes”, contam.
Quando concorriam para subir de escalão havia provas físicas, o que nunca as atemorizou. “Éramos mais novas e tínhamos mais força e como gostávamos de ser bombeiras estávamos motivadas e nunca tivemos problemas”, explica Teresa Marques.
As duas dizem que nunca se sentiram discriminadas. E acreditam que foi pelo entusiasmo, entrega e paixão pelos bombeiros que isso aconteceu. Mas para provar o que valiam tinham que cerrar os dentes e pôr o coração ao largo, como se costuma dizer.
“Uma vez estava numa estrada e o meu colega foi para cima do veículo apagar o fogo com o canhão e eu fiquei cá em baixo com a mangueira a proteger o carro. Como estava sozinha vi-me aflita para aguentar o peso e a pressão da água mas não dei parte de fraca”, conta Maria de Fátima.
Apesar de hoje existirem mulheres a chegar a cargos de chefia ainda há civis que pensam que as mulheres não trabalham tão bem. As irmãs bombeiras do Sardoal contestam essa visão e lembram que já há piquetes feitos só com recurso a mulheres.
Teresa Marques gosta do contacto com as pessoas e de as acalmar e viveu situações de grande intensidade. “Uma vez um carro caiu para uma ribanceira e tive que ficar na estrada a segurar os familiares que apareceram e a dar-lhes apoio psicológico. Ainda por cima foi uma amiga minha que morreu no acidente. Não é fácil”, admite.
O pai, Augusto Marques, já faleceu mas a presença da família nos bombeiros do Sardoal está assegurada pelo filho de Teresa Marques. As filhas gémeas de Maria de Fátima não lhe seguem o exemplo. Ela percebe-as. “Passaram muito tempo sem nós e por muitas aflições”, explica e deixa um elogio à sua mãe. “Ela é que é uma verdadeira heroína nisto tudo porque tomou conta de nós todos, marido, filhas e netos. Tocava a sirene, nós íamos acudir aos outros e ele acudia-nos a nós”, remata Teresa Marques.

“Fomos para os bombeiros numa altura em que ainda não era habitual haver lá mulheres”

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