Aos 94 anos ainda expande negócios e faz análises
João Silva Tavares, nascido em Alferrarede em 1922, é uma figura bem conhecida em Abrantes. O farmacêutico e empresário foi também autarca, dirigente associativo e figura sempre comprometida com a sua comunidade.
O mais famoso farmacêutico de Abrantes completa 95 anos de idade em Agosto. João Dias da Silva Alves Tavares não é, decididamente, um homem vulgar. Além de ser o rotário que a nível nacional há mais tempo tem a missão de ser o elo entre o seu clube e a Fundação Rotária - já há 36 anos -, João Silva Tavares é considerado por aqueles que conhecem o seu trabalho como um “exemplo enriquecedor” no servir da comunidade.
Com um percurso profissional de reconhecimento indiscutível, sócio fundador do Rotary Club de Abrantes, ligado à atribuição de bolsas de estudo a estudantes do concelho, agarrou essa oportunidade à laia de resgate próprio “da bolsa que nunca me deram” o que o obrigou a quase seis anos de serviço na Marinha Portuguesa, durante a II Guerra Mundial, conta a O MIRANTE João Silva Tavares. “Custou-me imenso”, lembra, até porque tinha outra ambição: ser farmacêutico. Acabou por ser também analista.
Em Abrantes é conhecido pela sua farmácia com avançada tecnologia e pelo laboratório de análises que fundou em Alferrarede, e que ainda o mantém activo e sempre presente no negócio, apesar de já ter um dos netos, Luís Pedro, a seguir-lhe as pisadas. Visionário, João Silva Tavares expandiu a sua actividade, iniciada há 67 anos em parceria com a esposa, Maria Salomé Margarido e Silva Falcão, muito além das fronteiras do concelho.
E se a farmácia do século XXI se inspirou na rua do Comércio de Alferrarede, o Laboratório de Análises Dr. Silva Tavares presta hoje serviços a empresas, câmaras municipais, entidades e particulares à escala nacional e através do seu portal online onde os portugueses espalhados pelo mundo acedem aos resultados das suas análises. Possui laboratórios por todo o país, tendo 20 unidades de recolha. Actualmente é presidente da Assembleia Geral da Associação Portuguesa de Analistas Clínicos e tem orgulho das suas empresas pioneiras em muitas áreas, uma referência que funciona como escola, local de formação e de estágio.
Natural de Alferrarede, viveu em Barca do Pego, Abrantes, com a família mais próxima. Os seus pais vieram de Proença-a-Nova para criar um lar. Depois de encontrar a mulher da sua vida em Abrantes, namorou 13 anos à distância com Maria Salomé. Casaram na véspera de Natal de 1950. Estudou o bacharelato em Lisboa e terminaria a licenciatura na única Faculdade de Farmácia reconhecida como tal, a do Porto, em 1952.
Foi numa época de penúria social em que o casal de jovens farmacêuticos escolheu Alferrarede para estabelecer a sua vida familiar e profissional. Com o seu microscópio de lente Zeiss, este casal viu, além dos micróbios, uma nova época, uma mudança rápida e novos desafios. “Dinheiro não tinha, consegui que dois amigos do meu pai assinassem o papel para pedir o dinheiro ao banco, na época 300 contos”, recorda.
Adquiriu o trespasse da então Farmácia Casaca com ajuda de Andrade Passarinho, seu colega do Sardoal. Ajudou ainda este início de vida, em 1952, um tio de Maria Salomé. “A Sociedade Industrial Farmacêutica concedeu-me um mês sem pagar medicamentos. Fazia 27 contos por mês naquela data”, refere.
Já estabelecido, iniciou a sua profissão de analista quando em 1964 organizou, com 50 farmacêuticos, o 1º Colóquio Regional de Educação Sanitária, promovido pelo Sindicato Nacional dos Farmacêuticos. “Na altura era um coisa inovadora porque não havia nada”. E foi o primeiro passo para que oficialmente “fizesse análises e me dessem 15 postos médico/sociais para trabalhar”, afirma.
Autarca e dirigente associativo
Na sua vida destacam-se muitos outros momentos, como o facto de ter sido o primeiro presidente da Junta da Freguesia de Alferrarede e de ter sido presidente da Assembleia Geral dos Dragões, clube de futebol da sua freguesia. Um reconhecimento “talvez pelo serviço social que a farmácia prestava aos jogadores fornecendo medicamentos, curativos e ligaduras de forma gratuita durante anos”, explicou.
Além do clube, nos anos 1960, a Farmácia Silva Tavares desempenhou um papel social, acudindo a quem precisava, quando não havia serviço médico permanente no Hospital do Salvador, nem um serviço de urgência como sucederia a partir de 1985 com a abertura do Hospital Distrital de Abrantes. Na época em que Alferrarede era um centro fabril, com pessoas “extremamente pobres, vinham à farmácia em todas as circunstâncias” como se de um banco de urgência se tratasse, lembra.
O falecimento da esposa em 1976 foi um duro golpe, mas João Silva Tavares, secundado pelos quatro filhos, nunca parou de inovar, investir, ao mesmo tempo que estimulava as colectividades e outras entidades do meio como, por exemplo, o Jornal de Alferrarede.
“Façam de Abrantes uma cidade que seja obrigatório visitar”
O que é que, aos 94 anos, ainda o faz levantar cedo da cama para ir trabalhar? Ainda penso ser útil, e mesmo imprescindível, a minha presença no trabalho para que resulte um laboratório de acordo com as orientações postas em execução e de acordo com as opiniões expressas pelo meu filho Pedro e pelo meu neto Luís Tavares. É lógico que será finito.
Não consegue ver-se reformado? Já me vou sentindo reformado. O que não me impede que ainda me perturbe o sono alguns factos inerentes a análises clínicas.
Tem-se adaptado com facilidade às novas tecnologias? Vou trabalhando e girando com um computador para o serviço interno do laboratório. Mas para uso vulgar estou proibido de o utilizar porque dou muitos erros, segundo o mestre Luís Tavares que é o meu neto.
O que pensa dos jovens hoje passarem tanto tempo agarrados aos telemóveis? Acho bem. Cada um brinca com o que lhe dão.
É uma testemunha privilegiada do século XX e início do século XXI em Abrantes. Olha hoje para a cidade e o que vê? Nunca fui autarca. Apenas presidente de uma freguesia que já mataram. Tenho quase um século de vida e sem tentar agradar a gregos ou a troianos, os autarcas, em vez de aproveitarem um estudo, há anos projectado para a cidade e concelho, segundo suponho por um arquitecto paisagista alemão, deixaram o povo dar largas ao seu ideal e construir, construir, onde se podia pôr de pé um tijolo ou uma telha, na horta ou no quintal. Depois o que estiver mal, apaga-se, segundo a opinião de um autarca. A mim, deitaram a casa de meus pais para o lixo, depois de permitir que se incendiasse por duas vezes. Como se pode ter uma cidade se não se sabe guardá-la? Não basta gastar dinheiro para manter duas ou três lojas abertas. É preciso gente para essas lojas. Porque se deixa construir e não arranjar o que temos, mesmo que custe dinheiro? Fica a questão.
Abrantes tem tido autarcas à altura? Não sou autarca, sou um velho que tem saudades da medida de leite que as vendedoras nos lançavam na praça quando passávamos pelo meio do mercado diário, onde hoje está a câmara municipal. Façam de Abrantes uma cidade que seja obrigatório visitar.
Que obra ou projecto destaca, pela positiva, na cidade? Gostaria era de ver um acesso automóvel, como já existiu quando jovem, para visitar o castelo de Abrantes e a vista deslumbrante.
E há alguma obra que, por sua vontade, nunca seria feita? Tomara ver obra feita de que se orgulhe a cidade! Não posso negar o que não vi nascer.