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Falta de provas deixa mais de metade das vítimas da legionella sem justiça
Acusação. Ministério Público vai levar duas empresas e sete técnicos a julgamento

Falta de provas deixa mais de metade das vítimas da legionella sem justiça

Ministério Público esteve dois anos e meio a investigar o surto de legionella em Vila Franca de Xira mas arquivou a maioria dos casos por falta de provas. Vítimas dizem que a culpa vai morrer solteira e não escondem a revolta.

Só em 73 das 400 vítimas e apenas em 8 das 14 vítimas mortais do surto de legionella de Vila Franca de Xira é que o Ministério Público conseguiu provar o nexo de causalidade entre as bactérias da legionella encontradas na fábrica da ADP Adubos de Portugal, no Forte da Casa, e as bactérias que infectaram e mataram alguns doentes. Os restantes casos foram arquivados por falta de provas, o que deixou bastantes vítimas incrédulas e com o sentimento de que a culpa vai mesmo morrer solteira, como muitos temiam (ver caixa).
A informação consta de um comunicado da Procuradoria Geral de Lisboa que dá conta também de que o Ministério Público requereu o julgamento de sete arguidos pela prática de crimes de infracção de regras de construção e conservação e ofensas à integridade física por negligência, bem como a duas empresas - ADP e General Electric, que fazia o tratamento das águas dos circuitos de arrefecimento das torres de refrigeração da fábrica de adubos - pela prática do crime de infracção de regras de construção e conservação.
De acordo com os indícios recolhidos, ficou “suficientemente provado” que a estirpe ST1905 da bactéria legionella detectada na água do 8º circuito de arrefecimento da fábrica de adubos foi a mesma que foi detectada nas amostras clínicas recolhidas em 73 pessoas. Diz a Procuradoria de Lisboa que a “aspiração daquela bactéria, aerossolizada pelas torres de arrefecimento do circuito, provocou a morte a 8 daquelas pessoas e lesões físicas graves ou simples nas demais”.
Ainda segundo o Ministério Público, o desenvolvimento e propagação da bactéria aconteceu devido a “omissões conjugadas dos diversos arguidos”, seja no cumprimento das regras técnicas quer no cumprimento do documento de prevenção e controlo de legionella nos sistemas de água elaborado pelo Instituto Português da Qualidade do Ministério da Economia.
“Daquelas omissões destacaram-se as que impunham a limpeza física e desinfecção das estruturas e componentes dos circuitos de arrefecimento, incluindo a utilização de produtos biodispersantes” e também um “controlo microbiológico eficiente mediante a realização de análises periódicas e tratamento da água”.
O surto, adianta a justiça, aconteceu antes e após a paragem anual de dez dias do 8º circuito de arrefecimento da fábrica de adubos, que aconteceu entre 10 e 20 de Outubro de 2014.

Falta de provas “safa” arguidos
Diz o Ministério Público que parte do processo foi arquivado por não se ter conseguido provar um nexo de causalidade entre as bactérias da fábrica e as vítimas. Na maioria das vítimas “ou se mostrou inviável a recolha de amostras clínicas ou, nestas, não foi identificada estirpe ou a estirpe identificada era distinta da detectada nas amostras ambientais recolhidas” na fábrica.
Nesse pressuposto, a justiça determinou “o arquivamento parcial do inquérito quanto a possíveis responsabilidades criminais por falta de provas indiciárias”. Foi também arquivado o inquérito quanto à eventual verificação de um crime de poluição, “por não se mostrarem preenchidos alguns dos respectivos elementos típicos”. Justifica-se o Ministério Público dizendo que a investigação revestiu-se “de excepcional complexidade técnica e científica”.
O MIRANTE contactou a ADP e a General Electric sobre este assunto mas não recebeu qualquer resposta até à data de fecho desta edição.

Município reclama indemnização na justiça

O presidente do município, Alberto Mesquita, diz que a conclusão da acusação é uma boa notícia para as vítimas e para o concelho para que estas, “finalmente”, possam “avançar na justiça” contra quem causou o surto. Mas lamenta que muitas vítimas fiquem de fora do caso. “A investigação deveria ter ido o mais fundo possível para que ninguém ficasse de fora. Há sempre uma solução última que é o pedido de indemnização ao Estado, porque há uma questão de legislação permissiva que já devia ter sido alterada”, refere o autarca. O município de Vila Franca de Xira vai também agora avançar, “imediatamente”, com uma acção cível de indemnização pelos transtornos causados à imagem do concelho e também às despesas que o município teve com o surto.
O município de Vila Franca de Xira e a associação das vítimas do surto de legionella vão também pedir, em conjunto, uma audiência na Assembleia da República para reclamar da necessidade de verificar se a alteração que houve à legislação no que diz respeito ao controlo e fiscalização da legionella não foi uma alteração amiga do ambiente e prejudicial às populações.
“Houve um aligeiramento das exigências de manutenção no que diz respeito às torres de arrefecimento e na manutenção que devia ter sido regular e pelos vistos não foi. Acho que a legislação deve ser revista para que essa exigência seja efectiva. As empresas são necessárias para o desenvolvimento da região mas o que é exigível é que elas cumpram regras e requisitos ambientais para que estas matérias não aconteçam. A legislação tem de ser muito dura e muito exigente sobre estas matérias e deve haver uma fiscalização muito regular feita pelo Estado”, defende Alberto Mesquita.

Vítimas “muito desiludidas” com a justiça

Joaquim Perdigoto Ramos, presidente da Associação de Apoio às Vítimas do surto de legionella de Vila Franca de Xira, confessa ter ficado “muito desiludido” com as primeiras indicações do Ministério Público. “Demoraram dois anos e meio a investigar e penso que poderiam ter ido mais longe para não deixar tanta gente de fora”, lamenta. O responsável diz-se também “chocado” pelo facto da justiça ter primeiro informado a imprensa do que as vítimas envolvidas no caso e garante que mesmo sem nexo de causalidade na maioria dos casos a luta vai continuar. “Não vamos desistir porque não estamos nada satisfeitos. As pessoas já tinham o sentimento que isto não ia dar em nada e agora é que muitas acreditam mesmo [que a culpa vai morrer solteira]. Temos tentado acalmar as pessoas e dar-lhes força porque não poderemos desistir facilmente”, lamenta.

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