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Desvalorizar os insultos orquestrados e aprender coisas da vida com cantoneiros das estradas

Desvalorizar os insultos orquestrados e aprender coisas da vida com cantoneiros das estradas

Conversa entre o ex-governante Octávio Oliveira e o Professor Universitário, Carlos Cupeto

Octávio Oliveira nasceu no Tramagal e reside em Torres Novas há vários anos. É quadro superior do IEFP e foi secretário de Estado do Emprego em dois governos constitucionais. Actualmente é director do CINEL. Carlos Cupeto, colunista de O MIRANTE, é geólogo e professor universitário em Évora. São da mesma idade e partilham o gosto pela boa mesa, pela música clássica, pelo jazz e pelo convívio com os amigos. Durante o encontro na redacção de O MIRANTE fartaram-se de contar coisas interessantes enquanto se desculpavam por não se lembrarem... de nada interessante para contar.

Octávio Oliveira foi secretário de Estado do Emprego em dois governos constitucionais liderados por Passos Coelho. Em determinadas alturas, grupos de activistas faziam “esperas” a membros do Governo para os apupar e insultar. Falando sobre esse tempo o ex-governante diz que não se sentiu particularmente incomodado.
“Estive no Governo numa altura difícil para o país. Portugal esteve quase na bancarrota e muita gente teve dificuldades e perdeu o emprego. Em algumas visitas oficiais tinha manifestações à minha espera e nesse contexto ouvi expressões como bandidos, ladrões e outras mas era tudo feito de forma orquestrada, por activistas. Se alguma vez alguém me tivesse chamado nomes de uma forma espontânea, naturalmente que me sentiria incomodado e até teria procurado o diálogo com essa pessoa para perceber o que é que a levava a tal”.
Mais à frente, o actual director do Centro de Formação Profissional da Indústria Electrónica, Energia, Telecomunicações e Tecnologias de Informação - CINEL, que é funcionário do Instituto de Emprego e Formação Profissional, instituição de que já foi presidente, acaba por dar elementos que permitem concluir que as decisões dos governos a que pertenceu também o afectaram.
“Tenho 56 anos e 34 anos de descontos. Em Novembro, de acordo com as leis vigentes antes da Troika eu estaria a reformar-me com a reforma por inteiro e neste momento estou a dez anos de me reformar.”, refere Octávio Oliveira.
Carlos Cupeto foi director do Departamento de Recursos Hídricos Interiores da Administração da Região Hidrográfica do Tejo da Agência Portuguesa do Ambiente entre Novembro de 2008 e Janeiro de 2012, trabalhou com alguns ministros e secretários de Estado mas nunca pertenceu a nenhum Governo, situação que não lamenta.
Sobre o seu passado, gosta de recordar o seu primeiro trabalho. “Tinha 15 anos e fui trabalhar no recenseamento do tráfego. Aquilo era feito de dois em dois anos pela Junta Autónoma de Estradas. Os jovens contratados trabalhavam em turnos de oito horas a contar os veículos que passavam. Foi uma experiência muito interessante em que aprendi a ouvir os mais velhos, nomeadamente os cantoneiros que eram homens com muita sapiência. No período da noite, quando praticamente não passavam veículos, eles contavam histórias que eu ouvia fascinado”.
O valor do trabalho também o aprendeu no seio da família. “O meu pai, que era empreendedor, lembrou-se de fazer um aviário. Comprou seiscentas galinhas, meteu-as lá nuns pavilhões, para produzir ovos. Aquilo dava 500 escudos por dia. As galinhas não tinham sábados nem domingos mas o problema é que em Évora, ainda mais do que hoje, havia muitas pessoas que não gostavam muito de trabalhar e o meu pai teve que recorrer aos filhos, não só durante a semana quando acabava a escola, como aos fins-de-semana. Foi uma boa experiência para eu perceber algumas coisas,” declara o agora professor universitário.
Tanto Carlos Cupeto como Octávio Oliveira, gostam de ouvir música clássica na Antena 2 e jazz na Smooth FM mas nenhum sabe cantar nem tocar qualquer instrumento, embora o ex-governante, em criança, tenha tido aulas de solfejo no Tramagal proporcionadas pela Metalúrgica Duarte Ferreira que contratou um professor para dar aulas às crianças.
“As aulas de música eram nas instalações do teatro e enquanto esperávamos pelo professor andávamos na brincadeira e por vezes à pedrada. Numa altura, o meu pai viu-me mandar uma pedrada a um colega e deu-me uma sova e depois ainda me deu outra por eu ter rasgado o caderno de música, atribuindo à música uma culpa que era minha. O que é verdade é que a música acabou para mim naquele dia”, recorda.

A rapariga que deixou de estudar porque não queria ter um professor mais novo que ela

A seguir ao 25 de Abril de 1974, com a transformação dos liceus e das escolas técnicas em escolas secundárias e a entrada em massa de alunos, o Estado deixou de ter professores em número suficiente e teve que recorrer à contratação de estudantes que tinham acabado o ensino liceal e o ensino técnico, para resolver momentaneamente a situação.
Carlos Cupeto, que estava em Évora onde residia, à espera que abrissem as aulas na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, o que só aconteceu dez meses depois, em Julho, concorreu para os chamados mini-concursos, por sugestão de um amigo e foi colocado em Vendas Novas.
“Tinha 18 anos e fui tomar posse numa sexta porque me disseram que assim ganhava o fim-de-semana. Fui de mota e lembro-me que quando cheguei à escola e a contínua se dirigiu a mim chamando-me senhor professor senti uma sensação muito estranha e agradável ao mesmo tempo”, conta.
A maioria dos alunos do professor Cupeto era praticamente da sua idade mas nunca houve qualquer problema até porque ele tinha poucas horas de aulas para dar. “Eu tinha aulas aos sábados de manhã e andava muitas vezes à boleia entre Évora e Vendas Novas. Num desses sábados fui à discoteca e encontrei lá alguns dos meus alunos que me fizeram uma festa. Com eles estava uma jovem que mais tarde se dirigiu a mim dizendo que eu era responsável por ela ter deixado de estudar”, conta.
Intrigado, Carlos Cupeto, quis saber o porquê. “Eu já não me sentia muito à-vontade na turma porque os meus colegas eram todos mais novos que eu mas quando fiquei a saber que ia ter um professor também mais novo que eu foi a gota de água. Fiquei completamente desmotivada e desisti”, explicou-lhe a jovem.

Workshops maternos de culinária para ser “Chef” nos convívios com amigos

Octávio Oliveira aprecia boa comida e bons vinhos e aprecia sobretudo o convívio com os amigos. Farto de estar dependente de terceiros por não saber cozinhar decidiu aprender. Começou há pouco tempo e definiu um objectivo que considera atingível para a primeira fase.
“Não sou dotado para a cozinha, embora neste momento esteja preocupado com isso. Posso anunciar que nas últimas duas semanas aprendi a fazer um risoto de cogumelos acompanhado de farinheira e de chouriça bísara porque tenho necessidade de dominar uns três ou quatro pratos. Durante o mês de Maio vou ver se consigo aprender a fazer uma boa ‘favada’. Depois passo para a cabidela e para a galinha de fricassé. Quero ter mais autonomia para estar com os amigos sem precisar de ninguém”, conta.
O ex-governante é conhecido por ser um amante da boa mesa e por gostar do convívio com amigos. “Gosto muito de comer. Aprecio muito a boa comida. Não só a substância mas o enquadramento cultural. O convívio com os amigos. Aprecio também um bom vinho que adequado ao prato que se come”, explica.
Em vez de se inscrever num curso de culinária, optou por aprender com quem sabe fazer a comida de que mais gosta. “Os workshops são caseiros. Quero aprender com a minha mãe, Deus lhe dê saúde para isso, quer a componente do frango de fricassé, quer o arroz de cabidela, de forma a que possa ter o privilégio de manter a fruição desses sabores e os possa partilhar com os amigos. O risoto aprendi-o a fazer com a minha mulher e fiz pesquisas na internet para lhe dar um toque pessoal”, confidencia.
Para que o seu desejo de autonomia culinária não seja entendido como uma declaração contra algo ou alguém faz questão de explicar a sua perspectiva relativamente às relações com os outros. “Cultivar a autonomia é importante embora também seja importante haver alguma dependência nossa dos outros e dos outros de nós. Assim é que se fazem as redes”.

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