Desavergonhado Serafim das Neves
Fiquei indignado por o teu amigo ter ficado desidratado no domingo à tarde devido ao encerramento do bar da estação de Santarém. Cá para mim houve desleixo indesculpável da parte dos donos do bar. Só porque durante anos nunca ninguém lá entrou àquela hora e naquele dia da semana, isso não lhes dava o direito de tirarem folga. Provavelmente estavam no Complexo Aquático dar uns mergulhos enquanto o teu amigo definhava à porta do estabelecimento de olhos postos no letreiro a dizer “Volto Já” ou coisa semelhante. Perderam dinheiro e credibilidade e só não vão responder em Tribunal porque o teu amigo é forte sobreviveu. Lamentável!
Mesmo que tenham pensado que os clientes não corriam o risco de ficarem desidratados porque na estação há um bebedouro, isso não os livra desta descasca. Será que eles não sabem que há pessoas como nós que não bebem água por questões de saúde? Será que nunca ouviram dizer que a água faz rãs na barriga? Eu fiquei tão enervado quando me contaste o sucedido que decidi deixar de lá ir de uma vez por todas. É verdade que só lá ia, mais ou menos, uma vez por ano, mas sempre ia, caramba. Agora, acabou-se!
É por estas e por outras que o pequeno comércio definha e muitas vezes morre. A mania que esta rapaziada tem de querer tirar folgas e mais folgas tem sido a nossa ruína. Será que eles pensam que são funcionários públicos para gozarem folgas a esmo?! Se em vez de um bar tivessem instalado na estação um centro comercial tu ias ver se o mesmo estava aberto ou não estava.
Mas olha que eu também enfrento diariamente o mesmo problema. Quando me apetece almoçar ou jantar é quando as tascas e restaurantes estão fechados, ou não servem refeições. Uma desgraça! Não querem ganhar dinheiro é o que é. Custava-lhes alguma coisa servirem almoços durante a tarde e jantares madrugada fora?? Custava???!! E custava-lhes muito abdicarem das férias?!!! Querem o dinheiro mas não querem sacrificar nada pelos clientes. Cambada! Depois vão para a televisão dizer que o negócio está mau.
Mas nem tudo vai mal. Um dia destes, no Registo Civil de Santarém, tive a prova da eficiência e do pragmatismo da nossa burocracia. Uma funcionária daquelas à antiga portuguesa virou-se para um cidadão que insistia em explicar-lhe qualquer coisa que não percebi o que era e passou-lhe guia de marcha para a saída de maneira exemplar.
“Não quero ouvir explicações nenhumas. Tem que trazer o que lhe pedi e mais nada”. O visado pela sábia sentença saiu cabisbaixo sem reclamar e por isso nem foi preciso entrar nenhum GNR de folga para lhe aplicar o famoso golpe do “mata-leão” que tanto brado deu há umas semanas.
Mesmo antes de o protestante sair, já a minha heroína estava embrenhada e concentradíssima na sua importante tarefa de carimbar papéis, fazendo afinal aquilo para que é paga e aquilo que melhor sabe fazer. Fossem todas como ela e a produtividade da função pública nunca mais seria criticada.
Ensinar aos ignaros cidadãos que os burocratas não foram contratados para ouvir lamúrias é uma acção de grande didactismo. Quem quer ser ouvido que vá ao psicólogo ou ao psiquiatra, ou crie uma página nas redes sociais para postar belas postas de disparates. Perturbar os servidores públicos é que não. Se eles são servidores públicos por alguma razão é, não é verdade?
Há uns anos, no Hospital de Torres Novas também encontrei outra Padeira de Aljubarrota da eficiência burocrática nacional mas dessa vez quem merecia um golpe “mata-leão” era eu.
Vê lá tu que me esqueci de um inesquecível papelinho onde estava escrito que eu tinha uma consulta naquela dia. É verdade que eu estava na lista para as consultas que ela tinha à frente. E também é verdade que a médica também tinha o meu nome na lista dos doentes a atender nesse dia mas tem que haver alguma disciplina, Serafim. Isto não é nenhuma rebaldaria. É coisa muito séria. Acabei por vir-me embora com um papelinho novo para voltar daí a três meses e com o peso do sentimento de culpa a esmagar-me o peito de tal maneira... que até tive um enfarte. Culpa minha, claro!!!
Saudações desburocratizadas
Manuel Serra d’Aire