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Homens ainda não perceberam que as mulheres deixaram de ser submissas

Homens ainda não perceberam que as mulheres deixaram de ser submissas

Nuno Marques é sexólogo, dá consultas na Póvoa de Santa Iria e fala do tema sem tabus

Uma conversa sem meias-palavras com um dos primeiros sexólogos a dar consultas na cidade da Póvoa de Santa Iria, concelho de Vila Franca de Xira, que não tem tido mãos a medir para tanta procura. A maioria dos clientes é do sexo masculino e queixa-se de disfunção eréctil e ejaculação precoce. O consumo de pornografia também prejudica a sexualidade.

Os homens estão hoje “com muito medo das mulheres” por estas estarem mais activas e terem deixado de ser submissas, o que aumenta os casos de ansiedade face ao desempenho sexual e o surgimento de problemas como a disfunção eréctil e a ejaculação precoce.
A ideia é defendida por Nuno Marques, 35 anos, sexólogo no Centro de Psicologia e Desenvolvimento da Póvoa de Santa Iria, concelho de Vila Franca de Xira, que fala sem meias palavras de um tema que ainda é tabu na sociedade: o sexo. “A mulher mudou e pede na cama o que nunca pediu até aos dias de hoje. Mas muitos homens ainda não mudaram o seu ponto de vista, continuam a olhar para elas como sendo as submissas. As mulheres hoje cobram o seu direito a uma sexualidade de qualidade, a orgasmos, a viver tudo o que têm direito e se não os encontrar vão à procura de outro parceiro. Antigamente isso não acontecia e os homens não estão habituados a lidar com essa pressão, o que acaba por levar ao surgimento de disfunções”, revela.
Desde que chegou à Póvoa de Santa Iria, há cerca de meio ano, Nuno Marques não tem tido mãos a medir face à procura que, garante, superou todas as expectativas. Praticamente todos os seus pacientes são homens atingidos por disfunção eréctil e ejaculação precoce. A maior parte dos clientes tem entre os 20 e os 60 anos e muitos vão ao consultório já como último recurso. “A sexologia é uma área que continua tabu, especialmente para as mulheres. Os homens marcam a consulta mas as mulheres demarcam-se e empurram o problema para os homens, o que é errado. Muitos dos problemas deviam ser vividos enquanto casal”, explica a O MIRANTE.
Nas disfunções sexuais a medicação, como o Viagra, resolve temporariamente o problema mas não ataca a sua raiz, a razão psicológica para a falha de desempenho na cama. “Há muita disfunção sexual oriunda da linha psicogénica, como a ansiedade e o medo. Nos homens jovens em mais de 80 por cento estamos a falar de um problema psicológico. Em homens com mais de 60 anos já começamos a falar da parte orgânica. A primeira causa de disfunção eréctil orgânica antes dos 40 anos é a diabetes e uma grande realidade. Muitos jovens têm disfunção por causa da diabetes e não sabem que são diabéticos”, alerta.
O sexólogo propõe-se actuar nas disfunções com um programa de quatro semanas em que, por exemplo, não é permitida qualquer penetração. “Durante quatro semanas todas as práticas são permitidas excepto penetração vaginal ou anal. O desafio é chegar ao orgasmo só dessa forma. O homem culturalmente ainda está muito focado apenas na penetração. É falso que as mulheres só atinjam o orgasmo na penetração, a maioria nem gosta. A mulher gosta dos preliminares, de massagens, carinhos e segurança. Elas têm uma sexualidade mais vasta e holística que o homem, que é mais físico e penetrativo. Eles ainda não perceberam que as mulheres podem chegar ao orgasmo sem terem de ser penetradas”, refere.

A força de uma relação mede-se na cama
A quantidade de relações sexuais é o barómetro de uma relação, diz o sexólogo. “Se estamos bem e estamos muitas vezes na cama isso é bom. Quando algo não está bem na vida do casal a primeira coisa a ser atingida é a sexualidade”, alerta.
Nuno Marques admite que o sexo continua a ser algo que “vende bem” na sociedade, em que toda a gente pensa mas poucos ousam falar. “Na sociedade em que vivemos, de matriz judaico-cristã e conservadora, dificilmente o sexo deixará de ser um tabu no futuro”, lamenta. O seu objectivo é ajudar a comunidade e fazer do seu consultório um lugar de referência no concelho, onde a oferta desta especialidade é muito reduzida senão mesmo inexistente.
“Os psicólogos têm entrado na sexologia e têm ocupado um nicho de mercado fundamental e deficitário. Não existe sexologia acessível às pessoas. Com a Internet a maioria das pessoas está cheia de falta informação sobre este tema”, avisa.

Pornografia é prejudicial a uma sexualidade saudável

O consumo de pornografia, ou “porno” como é conhecida, afecta e é prejudicial a uma sexualidade saudável, alerta Nuno Marques. “A pornografia mostra um mundo ideal de homens e mulheres perfeitos e isso não existe. O consumo de pornografia cria ligações no centro de recompensa cerebral que depois não são possíveis de serem obtidos na vida real. Isso leva a sexualidades muito frustrantes porque o homem e a mulher depois não são como retratadas nesses filmes”, explica. O porno tem, porém, uma grande virtude: quebrar tabus e mostrar que praticamente não há limites para o que pode ser feito na procura do prazer.
“Há um movimento nos Estados Unidos, chamado reboot (reiniciar), onde se propõe 90 dias sem masturbação nem pornografia. E os resultados têm sido consistentes com um aumento geral da satisfação e confiança dos envolvidos, aumento da qualidade de desempenho, da libido e da testosterona. O que recomendo é apenas masturbação na presença da parceira e quem não a tiver que se masturbe sem pornografia”, refere.

A paixão de ajudar o próximo

Nuno Marques, 35 anos, é de Lisboa mas trabalha e vive em São João da Talha, Loures. Licenciou-se em psicologia e mais tarde tirou um mestrado em sexologia. Diz que é um privilegiado por poder fazer o que gosta no dia-a-dia e encara o seu trabalho como uma missão. Diz que sempre teve uma grande sensibilidade para ajudar os outros e até pensou seguir medicina, não fosse não gostar de agulhas e seringas. “Interessei-me por psicologia para nos conhecermos melhor, aos outros e poder ajudá-los. O ser humano é fofinho, tem um fundo bom e justo, altruísta, desde que seja orientado para isso”, confessa.
Além do trabalho na clínica da Póvoa de Santa Iria é também psicólogo na Junta de Freguesia de São João da Talha. O seu primeiro emprego foi numa empresa de estudos de mercado. À hora de almoço os colegas pediam-lhe pequenas consultas improvisadas para os ajudar, sobretudo como lidar com os conflitos entre colegas. “Continua a haver muita patologia nas organizações. Se alguém está chateado com alguém as tarefas é que pagam, muitas vezes é apenas um choque de feitios. Os conflitos estão inerentes à natureza humana e 99 por cento dos problemas das organizações são de feitios, não de tarefas”, conclui.

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