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Cerci Flor da Vida vive tempos difíceis devido à insuficiência de apoios estatais
dedicação. Apesar das dificuldades a Cerci de Azambuja continua de portas abertas

Cerci Flor da Vida vive tempos difíceis devido à insuficiência de apoios estatais

Associação de Azambuja já não tem espaço para todos os que precisam de acompanhamento e há vários anos que não consegue aumentar os salários dos funcionários. Em momentos de desespero, o presidente Carlos Neto considera fechar as portas.

A Associação Cerci Flor da Vida de Azambuja é uma das maiores Instituições Particulares de Solidariedade Social do concelho de Azambuja. Tem na Câmara de Azambuja e na Segurança Social os seus dois maiores parceiros, mas agora precisa de expandir as suas valências por já não ter capacidade para receber todas as pessoas com deficiência mental ou provenientes de famílias desestruturadas que precisam de ajuda.
Neste momento a Cerci conta com 82 funcionários, cinco dos quais voluntários na direcção. No total das instalações da formação profissional, Centro de Actividades Ocupacionais, valência socioeducativa, serviço integrado de intervenção precoce e unidade residencial tem perto de 300 utentes. Em termos de apoio social mais amplo, ainda tem uma “loja social” onde partilha vestuário e material doméstico muito diverso com famílias carenciadas. “E também vendemos os trabalhos dos nossos utentes, os tapetes de arraiolos e as pinturas, esculturas, bolos e outros pratos das cozinhas, tudo o que eles fazem aqui”, explica o presidente da instituição, Carlos Neto.
O principal objectivo da Cerci é acompanhar, física e psicologicamente, e dotar de competências necessárias a uma vida activa quem tem alguma deficiência mental ou vem de famílias desestruturadas. Em muitos casos, os utentes entram para a associação em crianças, são acompanhados na escola, passam para o centro de actividades ocupacionais onde desenvolvem ainda mais competências e podem chegar a encontrar trabalho fora da Cerci, mas este é um campo ainda mais difícil. “Com o desemprego que há, se é difícil para as pessoas que não têm problemas arranjar trabalho, ainda pior é para as pessoas que têm”, diz Carlos Neto.
Contudo muitas empresas têm aceitado estagiários da Cerci devido aos subsídios que a Segurança Social dá pela integração de pessoas com necessidades especiais: “Quem paga é o Fundo Social Europeu, do qual recebemos verbas para o seguro, o transporte e a alimentação. O empregador não tem despesa absolutamente nenhuma com eles”.
Já as pessoas que não desenvolvem capacidades para trabalharem ficam na instituição, que está a começar a ver-se a braços com o problema dos primeiros utentes a chegarem à terceira idade e sem residências capacitadas para continuar a ajudá-los.
Apoio da Segurança Social não é revisto desde 2009
A isto junta-se a maior dificuldade em gerir o apoio que a Segurança Social mantém igual há anos: “Temos passado uns anos de apertos. A Segurança Social não nos aumenta a comparticipação por utente desde 2009. Com os aumentos das energias, alimentação, impostos, o dinheiro começa a não dar para tudo. E há alturas em que demoram muito tempo para nos pagar, apesar de pagarem sempre. Mas houve uma altura em que chegaram a dever-nos 380 mil euros e tivemos de recorrer à banca, e depois pagar com juros, para podermos pagar os ordenados e as outras despesas que tínhamos”, explica Carlos Neto.
“Passámos sem dúvida tempos difíceis, mas conseguimos pagar sempre os ordenados aos funcionários a tempo e horas. Mas de facto não conseguimos aumentá-los, o que nos custa, por isso tentamos compensar de outras formas: quando há um feriado deixamo-los fazer ponte, no aniversário damos-lhes o dia de folga… não chega, mas é uma ajuda”.
Apesar de cada utente pagar uma mensalidade, são cada vez mais os casos em que os familiares passaram a pagar menos por descerem de escalão socioeconómico ou chegaram ao ponto de não conseguirem pagar, altura em que Carlos Neto tem de lhes dizer que não pode continuar a ajudá-los. “Nos momentos de maior desespero chegamos a virar-nos uns para os outros na direcção e a dizer que vamos acabar com a Cerci, porque de facto não vemos da parte das autoridades uma resposta mais efectiva. Todos os equipamentos que aqui temos são caríssimos, porque os materiais para a área da deficiência são dos mais caros que se pode imaginar”, alerta.

Umas ajudantes de cozinha especiais

Na Cerci Flor da Vida, de Azambuja, os utentes são encaminhados para as áreas de trabalho pelas quais revelam mais gosto, o que lhes permite evoluírem mais a nível físico e psicológico. Os exemplos de dois pares de irmãos falam por si.

Ajudar Maria de São Miguel, a funcionária responsável pela cozinha secundária no Centro de Actividades Ocupacionais da Associação Cerci Flor da Vida de Azambuja, ajudou a desenvolver as capacidades cognitivas e motoras de Dulce, de 47 anos. Tem deficiência mental, tal como a irmã, Lucrécia, 53 anos, que está com ela na associação há mais de vinte anos. São duas das ‘meninas de ouro’ dos funcionários que com elas lidam: Dulce acompanha Maria na cozinha e Lucrécia está com a equipa da cozinha principal, orientada por Fátima, e também passa a ferro.
“No início fazemos um despiste para ver onde eles se destacam mais, onde gostam mais de estar e onde têm um melhor aproveitamento. É na cozinha que a Dulce tem um desenvolvimento melhor, então geralmente está aqui comigo, mas também faz tapeçaria, lavandaria e participa nos outros ateliês. Mas acreditamos que quando trabalham na área que mais gostam, o desenvolvimento cognitivo é atingido mais rápido”, esclarece Maria de São Miguel.
“A capacidade intelectual aumenta muito porque a cozinha não é um trabalho único, envolve muitas actividades dentro da mesma e por isso estimula o cérebro. Como não estamos sempre a fazer a mesma coisa, desenvolve mais a parte cognitiva”, acrescentou a orientadora.
Dulce e Lucrécia perderam os pais e já só têm vivas as tias de França que as vêm visitar uma vez por ano. Mas são felizes na Cerci porque gostam das actividades que fazem. “Faço rissóis, coxinhas e croquetes. Foi a Maria que ensinou. E às vezes vou à cozinha da Fátima lavar a louça”, explica Dulce, exibindo orgulhosa a travessa de croquetes que fizera com as colegas nessa manhã.
“Houve muitos anos sem se fazer rigorosamente nada na área da deficiência”, diz o presidente da instituição, Carlos Neto. “Antigamente a maior parte dos pais escondia estes jovens. Era uma coisa maldita, tinha acontecido alguma coisa, algum castigo do Céu para ter nascido um filho assim, então escondiam-no. Hoje, graças a Deus, não há necessidade disso e muitos deles têm capacidade para fazerem coisas e desenvolverem uma vida. E através do trabalho que os monitores têm com eles, conseguem fazer coisas fantásticas”.

Tânia e Paulo, mais dois irmãos na Cerci
Outros irmãos que estão juntos na associação são Tânia e Paulo Alexandre, que têm consigo a mãe, Isabel. Quando deixou de os conseguir ter na Escola Básica de Azambuja, por o ensino normal já não se adequar às necessidades deles, transferiu-os para a escola da Cerci e entrou também como voluntária, estando agora na direcção. “Eles têm um grau de incapacidade acima dos 70%, mas os médicos do Hospital D. Estefânia que os estão a seguir ainda não conseguiram perceber a causa deste atraso” contou Isabel.
Tânia e Paulo só estão na instituição durante o dia e à noite voltam para casa com a mãe e o pai, que é motorista de pesados. Tânia faz parte da equipa que está com Dulce e Maria de São Miguel na cozinha secundária e a preparação da comida e as rotinas que lhe estão associadas também a ajudaram a melhorar as funções cognitivas, tal como os trabalhos manuais no ateliê ajudaram Paulo. “O desenvolvimento deles tem sido muito bom”, conta Isabel.

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