Felismina Pederneira é uma valioso património humano de Samora Correia
Ensinou a ler e a escrever, foi comerciante, fundou a Cáritas e toca órgão na igreja. É o braço-direito do Padre Heliodoro Nuno na Igreja de Samora Correia. Mantém as contas em dia, organiza as procissões, ensaia o grupo coral e toca órgão. Também tem no currículo a fundação da Cáritas. Aos 82 anos, debilitada por um AVC e pela osteoporose, Felismina Carvalho Pederneira, tem uma vontade férrea e nem sequer um assalto que terminou com o seu abandono no meio do campo a fez faltar aos seus deveres.
Devota a Deus, querida de inúmeros samorenses, homenageada com uma medalha de mérito do município de Benavente, ensaiadora do coro e organista da Igreja, fundadora da Cáritas de Samora Correia, compositora de muitos temas da banda da Sociedade Filarmónica União Samorense (SFUS). Nascida e criada na freguesia, onde sempre viveu até agora, Felismina Carvalho Pederneira é, para muitos que a conhecem, uma verdadeira santa.
Aos 82 anos, apesar de um AVC que lhe afectou a audição e de sofrer de osteoporose, é ela quem toca o órgão da Igreja Matriz durante as cerimónias religiosas, tarefa que leva a cabo desde os 16 anos.
É também ela que orienta as contas da Igreja e que convida grande parte dos transportadores dos andores em cada procissão. Tem um caderno de capa azul, simples mas de valor inestimável, onde aponta todos os anos os nomes dos transportadores e os andores que vão levar em cada um dos dias, para que nada falhe.
“Normalmente as pessoas são as mesmas mas quando alguma está doente ou falta por outro motivo, tenho de resolver. E também tenho que decidir situações como a das pessoas ou grupos que se oferecem apenas para transportar determinada santa”.
Enquanto decorreu a conversa com
O MIRANTE, com a jornalista e a entrevistada sentadas no banco do órgão, diante do belíssimo altar da igreja, foram várias as pessoas, de todas as idades, que lhe vieram perguntar quem é que levava determinada figura na procissão de determinado dia. E Felismina sabia-as todas de cor, não tivesse ela, em nova, também desempenhado muitas vezes aquele papel.
Foi a partir do 25 de Abril de 1974 que ficou responsável pelas procissões. “Dantes era o Padre João Pires de Campos que cá estava e organizava mas depois adoeceu e foi para a terra dele e a partir daí eu fiquei responsável. Sou responsável por muita coisa aqui dentro, isto é a minha vida: sou voluntária em tudo o que possa porque gosto muito da igreja”.
A fé ajudou-a a recuperar do susto do assalto
Fez no domingo, 20 de Agosto, um ano que Felismina foi assaltada, raptada e deixada abandonada na várzea de Samora Correia. Os quatro assaltantes levaram-lhe a mala e o fio com a medalhinha que trazia ao pescoço. Sem conseguir mexer as pernas devido ao nervosismo, rastejou até à estrada, onde acabou por conseguir ajuda.
“O meu filho, como sabe que estou sempre envolvida nos preparativos das festas, estava descansado e não estranhou a minha ausência mas as senhoras do coro deram pela minha falta, porque era suposto eu já estar na igreja, e foram à minha procura”, conta. Encontraram-na, trouxeram-na para a igreja e Felismina recompôs-se e até ajudou à missa.
“Não me bateram. Limitaram-se a roubar-me e por isso pude participar na missa e consegui tocar. A minha nora estava ali sentada e disse-me que estava enervada de me ver tão calma mas nessa altura já tinha passado o pior. Não desejo a ninguém o que passei mas tinha de dar graças a Deus e por isso toquei”.
Fundadora da Cáritas
Foi Felismina que fundou a Cáritas de Samora Correia e ainda hoje, apesar de ser o padre Heliodoro a presidir à instituição, é ela quem orienta aquela organização de beneficência.
“Numa altura em que ainda não havia o Banco Alimentar contra a Fome, fui com as outras voluntárias da Cáritas distribuir alimentos em casas de pessoas idosas. Nunca me vou esquecer do quanto elas ficaram comovidas por haver quem se lembrasse delas. Havia algumas a quem os filhos não prestavam a atenção. Foi um momento muito importante para mim. Vi lágrimas nas caras delas que me deram uma grande felicidade porque percebi que ficaram felizes por nos ver”.
O seu papel na Cáritas foi uma das razões pelas quais o padre Tarcísio, que agora lidera a Igreja de Benavente mas que esteve alguns anos em Samora Correia, sugeriu à câmara que lhe fosse atribuída a medalha de mérito municipal.
“Foi uma cerimónia muito bonita. Fizeram-me um discurso tão lindo que eu, que não sou nada de me enervar, quando chegou a altura de ir para palco tive de pedir a um jovem que estava ao meu lado para me ajudar. Mas depois acalmei-me e consegui agradecer a distinção”, conta.
O marido maestro e a composição dos temas que a banda ainda toca
Felismina conta que foi “professora” na antiga escola que funcionava no edifício onde está hoje a junta de freguesia. “Foi lá que aprendi a ler e também foi lá que ensinei outros a ler. Levei muitos alunos a exame da 3ª e 4ª classe”, recorda.
Foi, durante trinta anos, proprietária de uma loja de electrodomésticos na Avenida O Século e foi através da música que conheceu o marido, António Pederneira (já falecido), que era maestro na Banda Aliança onde ela também tocou. “Foi o meu único amor. Estivemos casados 53 anos. Tínhamos 9 anos e meio de diferença e como António tocava em vários conjuntos, quando íamos aos bailes onde ele actuava só tínhamos tempo de dançar juntos uma ou duas vezes antes dele ir para o palco”, recorda.
“Fui eu que lhe pedi que compusesse o hino de Nossa Senhora da Oliveira”, conta, momentos depois do mesmo ter sido tocado no princípio da missa de quinta-feira, 17 de Agosto, no culminar do primeiro dia das festas deste ano. António e Felismina também compuseram muitos temas a Banda da SFUS ainda toca. Felismina Pederneira não se cansa de elogiar o seu filho José Filipe Pederneira, que tem 59 anos e vive em Algés. “Liga-me todos os dias e visita-me de quinze em quinze dias. Gostava que ele gostasse tanto de Samora Correia como eu mas ao mesmo tempo acho que lhe basta ficar orgulhoso daquilo que eu aqui sou e do que faço”, confessa.